Elza Pais é uma entre 76 deputadas que se sentam nesta legislatura no Parlamento. Um número nunca antes atingido, resultado da Lei da Paridade, aprovada em 2006, e da maior consciencialização dos responsáveis políticos. A ex-secretária de Estado da Igualdade e agora deputada do PS lançou o livro “Uma década pala igualdade e contra a violência de género. Fragmentos do discurso político 2005-2015” (Edições Esgotadas, 2015), que reúne textos escritos pela própria sobre igualdade de género e direitos das mulheres. A obra foi o mote para uma entrevista sobre a evolução destas temáticas. 

A primeira legislatura após a aprovação da Lei da Paridade começou em 2009. Nessa altura, o Parlamento começou por ter 27% de mulheres. Em 2011 ficámos nos 25% e agora as mulheres representam 34% da AR. “Quer numa quer na outra legislatura, a lei estava a cumprir-se. Quer dizer que a lei pode cumprir-se pelos mínimos ou pelos máximos. O ideal seriam os 50% de mulheres”, aponta a deputada. 

“Como em cada três lugares, um pelo menos tem de ser do sexo oposto, as mulheres sobem na lista que é apresentada à Assembleia da República. A lei está a fazer o seu caminho. É a democracia a funcionar“, acrescenta. Se as mulheres estiverem lá, a passadeira da igualdade está estendida. “Depois de integrarem as listas, há todo um caminho para se afirmarem como líderes. A lei é uma forma de obrigar os partidos a dar essa oportunidade às mulheres e depois vemos que temos mulheres capazes”, refere Elza Pais, em resposta a quem duvida que as mesmas mulheres estivessem nas listas caso não houvesse quotas. “Ninguém questiona o mérito dos homens, só o das mulheres”, sublinha. 

Uma coisa é certa: 60% dos licenciados que saem das faculdades são mulheres, logo, as mulheres estão qualificadas. Estamos a desperdiçar recursos. É preciso dar-se oportunidade às mulheres para fazerem o seu caminho”, destaca. 

Depois da política, a economia. A autora propõe que se siga o mesmo modelo de paridade (1/3 do sexo oposto) para os conselhos de administração das empresas. E atira dados para justificar a ideia: só há 9% de mulheres nos conselhos de administração das empresas portuguesas, “não há nenhuma presidente nas empresas do PSI-20 nem há nenhuma mulher presidente do banco nacional dos países europeus, o equivalente ao Banco de Portugal“. 

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“O recurso mais inexplorado da humanidade são as mulheres”, disse Michelle Bachelet, ex-diretora da ONU Mulheres.

Violência doméstica: o tema que não sai das notícias 

Para a especialista na área, a violência doméstica continua a ser a principal forma de agressão contra as mulheres. Só este ano já morreram pelo menos 40 mulheres, “tantas como as que morreram no ano passado e este ano ainda não terminou. O homicídio é a forma extrema de violência”, começa por atirar Elza Pais.

O ano de 2009 marca uma nota positiva nesta questão: a Lei da Prevenção e Combate à violência Doméstica, “em que se definiu o estatuto da vítima. No entanto, é preciso tomar medidas para proteger a vítima quando ela ainda vive com o agressor. A solução tem sido: a vítima está em perigo e vai para uma casa de abrigo. Mas hoje chegamos à conclusão que muitas das vítimas, depois de saírem das casas de abrigo, voltam para as suas casas porque a realidade de afastamento é muito dura. Por isso é preciso intervenção no afastamento do agressor”, explica Elza Pais, com base nas investigações que tem feito ao longo dos anos. 

Regista-se também um aumento das denúncias, “que traduzem uma nova consciência relativamente a este fenómeno”. A deputada lembra que a violência doméstica é considerada “crime público”, o que significa que todas as pessoas podem denunciar e, uma vez iniciado o processo, já não pode haver desistência da queixa — “o que vem proteger muitas vítimas que estão sempre muito ambivalentes entre condenar o agressor, pessoa com quem muitas vezes têm uma relação afetiva que ainda não se quebrou, e querer perdoá-lo”, esclarece. 

A não-discriminação não faz mal a ninguém e todos ganhamos com isso”, diz Elza Pais. 

Muitos dos casos acontecem em relações que já terminaram. “Quando acontece um divórcio ou uma separação, não se corta com uma tesoura o laço afetivo. Por vezes o afeto até se transforma em agressão. Há uma mentalidade de controlo e de ‘já que não és minha, então não serás de mais ninguém’. A dificuldade em aceitar a rejeição faz com que muitas relações tenham um desfecho dramático”, constata a deputada socialista. 

Elza Pais desenvolveu uma investigação fruto, em parte, de testemunhos de agressores e agressoras detidos em vários estabelecimentos prisionais. A autora distingue, de forma geral, os motivos que levam mulheres e homens a matar. “Por regra, elas fazem-no para não morrerem. A maior parte dos homens fazem-no porque não toleram a rejeição.”

Todos e todas?

Em 10 anos fizeram-se várias alterações legislativas mas há pormenores do dia a dia que também mudaram. Por exemplo: hoje há uma maior preocupação em dizer “obrigado a todos e a todas”, “bem vindos e bem vindas”, em vez do habitual masculino único para nomear um grupo inteiro. Uma mudança apreciada por Elza Pais. “Quando está uma sala cheia de pessoas, desde que haja meia dúzia de homens, dirigimo-nos logo às pessoas no masculino, mesmo que a sala seja representada maioritariamente por mulheres”, analisa a autora da obra.

E para quem acha que estas questões são pormenores inofensivos, Elza responde. “A linguagem é um organizador social. Através da linguagem, nós traduzimos o nosso pensamento. E quando ela se começa a organizar no sentido de dar conta de que existem mulheres e homens, significa que as mudanças estão a fazer-se.”

A investigadora destaca quatro leis pró-igualdade nesta década:

  • A Lei da Paridade, de 2006, que exige que um em cada três lugares das listas à Assembleia da República seja do sexo oposto. 
  • A lei da Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, de 2007.
  • A lei da Prevenção e Combate à Violência Doméstica, de 2009.
  • A lei do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo, de 2010.

O currículo de Elza Pais na área é extenso: foi secretária de Estado da Igualdade, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), coordenadora do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidade para Todos e membro de vários organismos na área da igualdade de género. É também autora do livro “O Homicídio Conjugal em Portugal – Rupturas Violentas da Conjugalidade”.