O novo governo mandou suspender “com feitos imediatos” as diligências das empresas de transportes de Lisboa e do Porto para obter o visto prévio do Tribunal de Contas aos contratos de concessão a privados. A informação foi revelada ao Observador por fonte do Ministério do Ambiente, que ficou com a tutela dos transportes urbanos.

A ordem foi dada numa carta remetida esta sexta-feira pelo gabinete do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, às administrações das empresas públicas Carris, Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto e STCP. As empresas recebem, assim, ordens diretas para não apresentarem qualquer documento em resposta aos últimos pedidos de esclarecimento feitos pelos juízes do Tribunal.

O visto prévio era o único passo legal que faltava para materializar estas adjudicações decididas pelo anterior governo no verão passado já perto das eleições legislativas. Antes do sim do Tribunal, os contratos não podem produzir efeitos, ao contrário da TAP cuja privatização não passa pelo mesmo crivo, porque não está em causa despesa pública.

A missiva lembra que foram pedidos esclarecimentos pelo Tribunal de Contas relativamente a cada um destes contratos de subconcessões. Aliás, esta já é a segunda ronda de pedidos de informação feita pelos juízes depois de terem recebido a primeira vaga de respostas dadas pelas empresas.

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Para além de travar o processo de pedido de visto, a nova tutela pede, ainda, às empresas que enviem a cópia de todos os documentos relacionados com os quatro contratos de subconcessão. São, também, solicitadas cópias de todas as instruções recebidas pelas empresas da parte do anterior governo relacionadas com os concursos e os contratos de subconcessão, bem como as deliberações internas relacionadas com este tema.

Primeira decisão para reverter as concessões

Esta é a primeira decisão formal para concretizar um dos compromissos assumidos no programa de governo e que foi objeto de acordo à esquerda e é tomada no dia em que foi aprovada a orgânica do novo executivo, que distribui competências e pastas.

O Observador tem indicação de que ainda antes desta instrução, já o secretário de Estado do Ambiente e Adjunto, que ficou com a tutela dos transportes urbanos, tinha pedido à gestão das empresas, a título informal, que não entregassem já os esclarecimentos pedidos pelo Tribunal.

Estes contratos de subconcessões foram decididos pela empresas públicas depois de terem sido mandatadas pelo anterior governo para desenvolver estes processos.

Se a recusa em dar visto prévio seria uma ajuda importante para desfazer estas concessões, a decisão contrária, a autorização do Tribunal, validaria logo os contratos de adjudicação aos privados, tornando mais difícil, e provavelmente mais cara, a reversão das concessões, uma vez que daria força a pedidos de indemnização por parte dos privados.

O programa do governo prevê a anulação das concessões dos transportes, no quadro da transferência de competências nesta área para as autarquias, posição que já era defendida por António Costa quando estava à frente da Câmara de Lisboa.

As subconcessões de transportes em Lisboa e no Porto foram decididas pelo ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Sérgio Monteiro, que foi entretanto contratado para liderar o processo de venda do Novo Banco.

Sérgio Monteiro: reverter é deitar fora capital estrangeiro

Esta semana, Sérgio Monteiro defendeu publicamente que “reverter a concessão dos transportes é deitar fora capital estrangeiro”. O ex-governante lembrou que tem Portugal tem um problema de capital, avisando que o país tem de saber cuidar do investimento estrangeiro, para “manter a credibilidade externa”.

A concessão da operação do Metro e Carris foi atribuída em junho à empresa espanhola Avanza por oito anos. O contrato prevê que o operador receba cerca de 1075 milhões de euros das receitas com bilhetes durante este período.

As concessões dos STCP e Metro do Porto foram adjudicadas por ajuste direto, depois de um primeiro concurso anulado, no início de setembro, a um mês das eleições. Os franceses da Transdev ganharam o Metro do Porto e a empresa espanhola Alsa (detida pela National Express) ganhou os STCP.

Na altura, o governo invocou as poupanças que seriam obtidas por via da concessão a privados, a começar pelo fim, concretizado já este ano, do pagamento de indemnizações compensatórias às empresas públicas.

A única destas empresas que já tem operação privada é o Metro do Porto, que tem sido a explorado pela Barraqueiro.

A tutela tripartida dos transportes

O Ministério do Ambiente fica com a tutela do transportes urbanos de Lisboa e Porto, no quadro da pasta da mobilidade. No entanto, as outras empresas publicas do setor, CP, Infraestrutras de Portugal e o que restar do capital da TAP (o Estado ficou com 39%), ficarão no Ministério Planeamento e das Infraestruturas liderado por Pedro Marques.

Apesar de concentrar a tutela da maioria das infraestruturas de transportes, incluindo a aviação e os aeroportos, os portos vão ficar no Ministério do Mar, dirigido por Ana Paula Vitorino. Curiosamente, este é um setor que o novo ministro do Ambiente conhece muito bem. João Matos Fernandes esteve vários anos na administração do Porto de Leixões.