É uma ameaça de impasse na eleição de personalidades para cargos externos à Assembleia da República. Estalada a polémica sobre a eleição dos cinco conselheiros de Estado, o PSD mostra-se irredutível e não está disposto a abdicar do princípio de que são os sociais-democratas que têm prevalência na escolha, por serem o partido com maior número de deputados. Especialmente nos casos em que a eleição exige maioria de dois terços, isto é, exige entendimento obrigatório entre a esquerda e a direita: se o entendimento não for possível, o PSD admite bloquear a eleição, deixando os nomes anteriores em gestão, ouviu o Observador de fonte da direção social-democrata.

É o caso dos cinco juízes do Tribunal Constitucional que terminam o mandato em 2016 e que têm de ser substituídos, dos sete vogais do Conselho Superior de Magistratura, que são eleitos no início de cada legislatura, assim como do presidência do Conselho Económico e Social, ou do provedor de Justiça, cujo mandato termina em julho de 2017. Tudo cargos que vão precisar de nova eleição parlamentar durante a próxima legislatura e onde não basta o entendimento entre as esquerdas. “Não vamos abdicar da distribuição de lugares que é a correta e, se houver confusão, então as pessoas que estão atualmente nos cargos, continuam”, diz a mesma fonte.

Sem acordo entre PS e PSD sobre os organismos cuja eleição requer maioria de dois terços, o Parlamento mergulhará num impasse. Foi por exemplo o que aconteceu em 2009 com a eleição do provedor de Justiça, que foi adiada durante quase um ano por falta de acordo o que obrigou à manutenção do provedor cessante no cargo já depois de ter terminado o seu mandato.

Habitualmente, os dois maiores partidos fazem uma espécie de acordo sobre a divisão dos vários cargos nominais, distribuindo os cargos de forma mais ou menos proporcional pelos dois. Ao Observador, fonte social-democrata afirma que essa concertação ainda não foi feita, esperando-se que aconteça, se acontecer, depois das presidenciais, entre janeiro e fevereiro.

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Conselho de Estado. Em todo o caso, “PS perde”

Há dois tipos de eleição para cargos externos no contexto da Assembleia da República: as que obrigam a maioria de dois terços e requerem entendimento prévio entre as várias bancadas, e as eleições segundo o sistema de representação proporcional, em que os partidos devem apresentar uma lista completa de nomes, que será sujeita a votação.

Se na primeira situação, o entendimento é obrigatório (caso contrário a direita admite não eleger ninguém, deixando os atuais em gestão), no segundo caso o PS pode fazer a leitura de que a nova coligação de esquerda tem maior representatividade parlamentar (e não que o PSD é o partido mais representado), avançando com uma lista própria que basta ser aprovada por PS, PCP, PEV e BE. Nesses casos, ouviu o Observador de fonte social-democrata, o PSD vai bater o pé e não vai aceitar “uma lista única com a organização que o PS quer”, preferindo apresentar uma lista própria (que tem sempre a garantia de eleger duas personalidades mesmo que a esquerda vota toda junta).

É este o caso da eleição para o Conselho de Estado, que vai ter lugar no próximo dia 18. Ao que o Observador apurou, a lista de nomes ainda não está fechada mas o líder parlamentar social-democrata, Luís Montenegro, terá já conversado com o líder parlamentar socialista, Carlos César, sobre o tema. Ao que tudo indica, o PS quer ver traduzida na eleição a nova maioria parlamentar, defendendo que, para respeitar o princípio da proporcionalidade, a esquerda tem direito a três nomes e a direita aos restantes dois. Acresce que o BE (que pelo método de Hondt só teria direito ao nono lugar) já fez saber que quer um dos três primeiros, e o PCP, que se tem remetido ao silêncio, poderá preparar-se para exigir o mesmo.

Não é esse, contudo, o entendimento da direita, que reclama para si os três primeiros nomes, fazendo uso da aplicação do método de Hondt por cada partido (o PSD é o partido com maior número de deputados). Com visões diferentes, o PS já admitiu que em vez de apresentar uma lista conjunta como é habitual pode mesmo apresentar uma lista própria, concertada com os partidos da esquerda, deixando a direita apresentar a sua própria lista que, pelo método de Hondt, elegerá pelo menos dois dos cinco nomes.

“De forma pausada e refletida, vamos procurar que essa indicação prestigie a Assembleia e agrade ao maior número possível de interlocutores”, afirmou à Lusa o líder parlamentar do PS, Carlos César, acrescentando que “tecnicamente é possível” haver mais do que uma lista.

Também Pedro Filipe Soares, líder da bancada bloquista, deixou essa hipótese em aberto. “Não faz sentido” que PSD e CDS “continuem a ter a maioria dos representantes da Assembleia da República no Conselho de Estado”. O Bloco, continuou, está disponível “para dar mais pluralidade ao Conselho de Estado e também à representação que sai da Assembleia da República” para o órgão político de consulta do Presidente da República.

A maior novidade vem do lado do PCP. Esta quarta-feira, no Parlamento, João Oliveira, líder da bancada do PCP, assumiu ter iniciado contactos com o PS para uma solução sobre o Conselho de Estado, mas deixou uma garantia: “O PCP, desde o início deste processo, deixou bem claro que não andava atrás de lugares. Temos estado e continuaremos concentrados na prioridade de dar resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo português”. De acordo com a agência Lusa, o deputado comunista acrescentou ainda que o seu partido não apresentou “qualquer proposta concreta” sobre o assunto.

Em todo o caso, o entendimento da direita é que o PS “perde sempre”. Ou o PS põe um nome do BE e um nome do PCP na lista, ficando só com um para si, ou não põe o PCP e fica “nas mãos dos votos secretos” dos comunistas. O PSD e o CDS, por seu lado, ficam sempre com dois nomes garantidos. E, ao que o Observador apurou, os nomes que mais circulam nos corredores para se sentarem no órgão restrito do Presidente da República são precisamente o de Passos Coelho e Paulo Portas.

“Se a ideia é pedir eleições o mais depressa possível e desgastar a oposição então o que faz sentido é pôr os dois líderes”, diz fonte da bancada parlamentar social-democrata, acrescentando que em todo o caso a decisão é dos líderes dos partidos.

Eis os cargos que têm de ser eleitos em cada legislatura e que exigem maioria de dois terços:

Conselho Superior de Defesa Nacional. São eleitos apenas dois deputados para este órgão, pelo que geralmente a distribuição é fácil e não requer muita matemática: um para o PS e um para o PSD. Em 2011, os nomes escolhidos foram Correia de Jesus (PSD) e João Soares (PS).

Conselho Superior de Segurança Interna. O registo é o mesmo: são eleitos dois deputados para este órgão e, para merecer o voto a favor dos dois maiores partidos (PSD e PS), cabe um a cada um. Em 2011, os contemplados foram Teresa Leal Coelho (PSD) e Alberto Costa (PS).

Conselho Económico e Social. Cabe à Assembleia da República eleger, com o acordo de dois terços do Parlamento, o presidente daquele órgão, cujo mandato tem uma duração coincidente à duração da legislatura. No final da legislatura passada, com a renúncia de Silva Peneda (que foi para o gabinete de Juncker em Bruxelas), o Parlamento mergulhou num impasse e optou por conduzir o vice-presidente Luís Filipe Pereira para o cargo, até o novo Parlamento tomar posse e fazer a nova eleição.

Conselho Superior da Magistratura. São eleitos 7 vogais (e 3 suplentes). Em 2011, quando a direita era maioritária, o acordo resultou na eleição de três nomes do PSD, um do CDS e outros três afetos ao PS.

Conselho Superior de Informações. São eleitos dois deputados (e dois suplentes), o que volta a facilitar a matemática: um para o PSD, outro para o PS. Foi o que aconteceu em 2011.

Juízes do Tribunal Constitucional. Os juízes do TC têm mandatos de nove anos, pelo que a sua eleição não depende, ao contrário dos restantes órgãos, da duração da legislatura. Mas cinco dos 10 magistrados que são eleitos pela Assembleia da República estão de saída em 2016, pelo que tem de ser feita nova eleição.

É o caso do presidente José Sousa Ribeiro, que tinha sido indicado pelo PS em 2007, da vice-presidente Lúcia Amaral, indicada há nove anos pelo PSD, de Carlos Cadilha (PS) e de Cura Mariano (PSD). Com os seus mandatos a chegar ao fim, o Parlamento tem de voltar a eleger, por maioria de dois terços, cinco novos nomes.

Sendo 10 os juízes eleitos pela Assembleia, este é o cargo para o qual o PCP, enquanto quarta força parlamentar, tem mais aspirações de se ver representado, sabe o Observador. O PCP já indicou no passado um juiz para o TC, Guilherme da Fonseca, numa altura em que António Costa, por sinal, era ministro dos Assuntos Parlamentares, como lembra ao Observador fonte da bancada comunista.

Provedor de Justiça. O mandato é de quatro anos, independente da duração da legislatura, mas termina em julho de 2017, altura em que será preciso o Parlamento chegar a acordo sobre o próximo nome.

Outros cargos que também têm de ser eleitos:

Conselho do Estado. O Parlamento elege cinco dos conselheiros do Presidente da República, de acordo com o princípio da representação proporcional: ou seja, quem tem maior representação parlamentar, tem prevalência na indicação de nomes, quem tem menor representação, não tem lugar no órgão. Em 2011, quando PSD e CDS detinham a maioria parlamentar, a direita ficou com três nomes (Francisco Pinto Balsemão, Marques Mendes e Luís Filipe Menezes) e o PS com os restantes dois (Manuel Alegre e António José Seguro, que depois foi substituído por Alfredo Bruto da Costa).

Conselho Superior do Ministério Público. São eleitos cinco membros, através do mesmo princípio de representação proporcional. Em 2011, o PSD elegeu dois nomes, o CDS elegeu um, e o PS ficou com os restantes dois.

Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos. São eleitos dois representantes, mas sem necessidade de haver maioria qualificada.

Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários. Eleitas duas personalidades, e dois suplentes.

Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários. É eleita uma só personalidade, e um suplente.

Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Eleitos dois representantes por legislatura.

Conselho dos Julgados de Paz. É eleita uma personalidade escolhida pelo Presidente da Assembleia da República, e um representante de cada grupo parlamentar, representado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, indicado por essa comissão.