Não é propriamente fácil definir Inês Castel-Branco. Andar oito anos de volta das teclas de um piano não fez dela pianista. Ter uma exposição de pintura aos 16 anos — depois de ter experimentado aguarela, carvão e óleo — também não a tornou pintora. E nem mesmo os anos dedicados à aquitetura lhe deram o rótulo de arquiteta. Inês é tudo isso e mais: é dona de uma editora independente que começa agora a escrever os primeiros parágrafos na literatura infantil, além de ser escritora, ilustradora, blogger e mãe.

Pode ter nascido em Lisboa, vivido a adolescência em Castelo Branco e passado férias em Aveiro, como ainda passa. Mas foi em Barcelona que Inês Castel-Branco encontrou tudo o que tem hoje: o trabalho, o marido e os filhos. A editora independente Fragmenta foi fundada por ela e pelo marido em 2007. Apostada em temas fraturantes, como religião, pensamento e filosofia, nasceu na sala de estar de um apartamento com 60 metros quadrados, quando o filho mais velho tinha apenas meses. Desde então, o negócio e a família cresceram: marido, mulher e os três filhos mudaram-se para uma casa maior que, à semelhança da anterior, serve como local de trabalho.

retrato Ines Castelo Branco

Inês Castel-Branco

A Fragmenta surgiu como resposta a um vazio no mercado e soube alargar as abas dos livros para reservar o seu lugar. Mas começar do zero não foi propriamente fácil: “Tivemos sustos, mas nunca faltou rigor. Lembro-me da primeira vez que tivemos de escrever às livrarias, escrevemos 800 cartas. Eu e o meu marido preparámos 800 envelopes na véspera… Neste negócio temos de saber fazer de tudo um pouco”, diz Inês Castel-Branco, lembrando uma máxima do arquiteto Siza Viera, que considera tão importante a construção de uma cidade como a de um puxador de porta. Inês pode não construir maquetes de arranha-céus no seu dia-a-dia, mas admite que há ciência em medir livros, escolher o tipo de letra e o formato do papel. E se por norma é o marido quem trata dos textos junto dos autores, a ela cabe-lhe a responsabilidade do design.

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Pequena Fragmenta - foto 2

“Hoje respirámos como uma árvore”

Do desenho à escrita, Inês está a entrar pelo mundo da literatura infantil adentro. Aliás, já passou a soleira da porta e não esconde que quer ir mais longe. O seu primeiro e único livro, Respira, é um dos três da nova coleção infantil batizada de Pequena Fragmenta — composta ainda pelas obras Histórias de Nasrudín e Funâmbulus, além dos cincos livros que estão a caminho.

capa respira

O livro vai ser apresentado sábado, dia 12, na capela do Rato. Custa 12,90€.

Respira quer ensinar a pais e filhos a arte de inspirar e expirar e foi escrito e ilustrado por Inês, que teve três sérios consultores e coautores: Francesc, Anna e Miquel, de nove, sete e cinco anos, respetivamente. Mãe e filhos estão por trás de um total de 40 páginas que promovem exercícios de respiração além de um diálogo cativante entre duas personagens — o menino que não consegue adormecer e a mãe que o recebe de braços abertos. No fim, há um guia para explicar tintim por tintim tudo o que foi lido até ali chegar.

Respira PT 2

Imagem do livro “Respira”

Respira não veio ao acaso e é o resultado da maternidade. Inês explica que os três filhos andam numa escola de freiras onde todos os dias, ao despertar da manhã, são convidados a fazer uma espécie de meditação. Foi assim que, certo dia, o trio chegou a casa a contar “hoje respirámos uma árvore”. A referência a um dos exercícios de respiração que os alunos fazem em ambiente escolar serviu de mote para o livro em questão.

Respira PT 4

E porque falar de um livro é falar dos três, Histórias de Nasrudín aposta num protagonista lendário chamado — muito a propósito — Nasrudín. A figura de um sábio louco e as suas histórias são descritas com uma dose discreta de humor e escondem mensagens simples, desde a desajeitada lógica humana que é insuficiente para apreciar o que a natureza nos oferece à inutilidade de objetos que não sabemos usar. Já a obra Funâmbulus, que em latim quer dizer equilibrista, assenta num conto sobre a arte de viver em equilíbrio — entre sonhos, aventuras e provas superadas.

Nasrudín PT 5

Imagem do livro referente à personagem Nasrudín

“Estes não são livros para deixar nas mãos de crianças e já está. O livro Respira é um pretexto para estarmos juntos, para respirarmos juntos. Respirar não é só uma questão de fisiologia e interfere a um nível mais profundo, está em sintonia com a nossa vida”, garante Inês, que olha para os livros como “pequenas” obras de arte. “Cuidamos muito dos livros e cada um deles foi pensado milimetricamente. Queríamos dar-lhes um tom artesanal, com ilustrações de peso, de acordo com as histórias.”

O blogue que nasceu na cama do hospital

Arquiteta dos desenhos ilustrados, rabiscados, e das palavras. Mas também uma mãe habituada a fazer de materiais aparentemente inúteis verdadeiros instrumentos de uma brincadeira de crianças. Inês Castel-Branco é ainda a autora do blogue Mamã Recicla, onde se encontram várias sugestões de peças reaproveitadas — exemplo disso é o escudo do Capitão América em fotogaleria.

Os momentos de diversão descritos nessa página virtual são muitos, mas nem por isso nasceram de acasos felizes. “O blogue nasceu a partir do hospital”, conta Inês, lembrando-se dos seis meses que o filho mais velho passou “preso” à cama enquanto combatia um linfoma. Como as horas dos dias demoravam demasiado tempo a passar, Inês arregaçou as mangas e trouxe de casa diversos materiais para dar vida a novas criações. E foi a imensidão de cartolinas e afins que eram vistas sobre a cama do filho que lhe deram a alcunha de “mamã recicla”. O blogue seria, então, uma questão de tempo.

3 fotos

As brincadeiras pelas quais Inês é responsável têm na imaginação um forte aliado, o que ela diz ser um ferramenta para a vida que rivaliza com o vício das consolas e dos videojogos. Até há três meses não havia televisão em sua casa e, atualmente, os filhos da autora apenas podem passar tempo diante da “caixa mágica” à hora de almoço nos fins de semana. “Não há videojogos. Há tanta coisa para fazer que não sentimos falta. Não é o nosso caminho, nós gostamos mais de sujar as mãos”, argumenta, não sem antes dizer que “as crianças são criativas por natureza” e que “quanto mais diferentes forem, melhor. A ideia da uniformidade horroriza-me.”