Já não é novidade que temos o intestino infestado com bactérias. E ainda bem. São estas bactérias que nos ajudam a degradar alguns alimentos e nos ajudam a fazer a digestão – até o enxofre e os respetivos derivados como os sulfitos e os sulfuretos. Cada nova descoberta sobre as bactérias ajuda-nos a perceber melhor como interagem com o nosso organismo. Agora, com o artigo que acaba de publicar na revista científica Science, a equipa do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa acredita que os manuais escolares terão de ser reescritos.

Algumas bactérias usam enxofre como nós usamos oxigénio: para respirarem e assim obterem energia a partir dos alimentos que têm à disposição. O enxofre, de símbolo químico S, que aparece muitas vezes sob a forma oxidada (ligado a átomos de oxigénio, O), é degradado pelas bactérias com esse objetivo. A missão das bactérias é transformar uma dessas formas oxidadas – o sulfato (SO4²-) – em sulfito (SO3²-), e este em sulfureto (S²-) – a forma mais reduzida (sem nenhum átomo de oxigénio). Sabia-se que as bactérias podiam, assim, produzir energia. Mas como? Os investigadores do ITQB, em colaboração com investigadores das Universidades de Bona (Alemanha) e Harvard (Estados Unidos), descobriram a peça que faltava no puzzle. Afinal existe um intermediário entre o sulfito e o sulfureto – o trissulfureto (S3²-).

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Animação da formação do novo intermediário – trissulfureto. O vídeo mostra uma representação molecular da ação da enzima DsrAB (a bege e verde) e da proteína DsrC (a azul) na formação do intermediário ‐ um trsisulfureto ligado à proteína DsrC – a partir da reação desta proteína com sulfito. Créditos: Vitor Hugo Teixeira

“Para produzir energia, a respiração requer a criação de uma assimetria de cargas entre os dois lados da membrana celular e, até agora, não havia nada que ligasse a redução de sulfito à membrana”, explicou a coordenadora do trabalho Inês Cardoso Pereira, em comunicado de imprensa. E é precisamente este intermediário que explica como a redução de sulfito a sulfureto está ligada à membrana e, consequentemente, à produção de energia. “Os livros de texto serão revistos, claro. E os modelos usados por outros cientistas também.”

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Esta descoberta mostra-se importante porque os produtos da atividade das bactérias redutoras de sulfato podem causar doenças inflamatórias do intestino. Conhecer melhor o metabolismo destes organismos torna possível estudar as formas de inibir a atividade inflamatória. “Já começámos a trabalhar nessa direção”, afirmou a investigadora.

Colónias de bactérias redutoras de sulfato em placa de Petri. Tal como no seu habitat, as bactérias crescidas no laboratório apresentam uma cor preta característica, devido à presença do sulfureto (o produto final da respiração destas bactérias). Créditos: Inês Cardoso Pereira Lab, ITQB

Colónias de bactérias redutoras de sulfato, apresentando uma cor preta característica, devido à presença do sulfureto – Inês Cardoso Pereira Lab/ITQB

Outra implicação importante desta descoberta diz respeito ao estudo da evolução do ambiente na Terra. Os geoquímicos estudam as taxas de processamento do enxofre, porque os primeiros organismos a povoar a Terra seriam semelhantes a bactérias redutoras de sulfato, mas este novo passo pode mostrar que os cálculos estão incompletos.