A China decidiu não renovar as credenciais de imprensa estrangeira a uma jornalista francesa que, a meio de novembro, escreveu um artigo crítico acerca do tratamento que as autoridades de Pequim dão a uma minoria muçulmana no país. Assim, Ursula Gauthier, do semanário L’Obs, foi na prática expulsa da China, onde era correspondente há anos. Terá de deixar o país até ao fim deste ano.

A 18 de novembro, cinco dias depois dos atentados de Paris, o L’Obs publicou um texto de Ursula Gauthier que denunciava “um esmagamento sem misericórdia” daqueles que a China considera os seus terroristas: os membros da minoria étnica Uighur, maioritariamente muçulmanos e habitantes na região de Xinjiang.

“Depois dos atentados, a solidariedade da China não vem sem segundas intenções” é o título da reportagem, na qual se lê que o regime de Pequim, poucas horas depois de garantir às autoridades francesas que apoia a luta contra o terrorismo, deteve os responsáveis de um ataque “terrorista” ocorrido em Xinjiang em setembro. Segundo explica Ursula Gauthier, esse ataque “em nada se pareceu com os atentados de 13 de novembro” em Paris, uma vez que se tratou de “uma explosão de raiva localizada” de um grupo de homens que lidam com “uma repressão impiedosa” todos os dias. Armados com machados, esses homens invadiram uma mina de carvão e atacaram os trabalhadores de etnias chinesas que ali se encontravam.

Esta descrição não agradou às autoridades chinesas nem aos jornais controlados pelo regime de Pequim, que publicaram violentos editoriais contra o L’Obs (antigo Le Nouvel Observateur) e contra a própria jornalista. “Na opinião dela, só os ocidentais mortos por terroristas merecem compaixão, não os chineses que têm o mesmo destino. Quão ridícula e absurda é esta atitude”, lê-se num dos editoriais do Global Times.

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Os textos da imprensa chinesa referiam explicitamente o nome da repórter, que recebeu milhares de comentários de ódio e ameaças de morte, ao mesmo tempo que muitas fotografias pessoais publicadas no Facebook corriam por fóruns online.

Não demorou muito até que Ursula Gauthier fosse chamada ao centro internacional da imprensa, um organismo do governo chinês que regula a presença de correspondentes estrangeiros no país. Segundo o L’Obs e a jornalista, foi-lhe exigido um pedido de desculpas por ter “apoiado o terrorismo”. Ursula Gauthier recusou. “Disse-lhes que nunca apoiei o terrorismo. Como queriam que eu pedisse desculpa por uma coisa que nunca escrevi?”, diz a jornalista à BBC.

Estou convencida de que eles estão, muito claramente, a tentar intimidar os correspondentes estrangeiros na China, porque não querem que ninguém diga coisas diferentes da versão oficial”, acrescentou.