No primeiro dia de janeiro de 2016 o original em holandês do Diário de Anne Frank deveria entrar no domínio público: segundo o direito europeu dos direitos de autor, no primeiro dia do ano após a celebração dos 70 anos morte do autor, a obra passa a ser de todos. Mas ainda não se sabe se isso vai acontecer, pois a organização detentora dos direitos de publicação, a fundação Anne Frank Fonds, ameaçou tomar medidas legais para o impedir.

Ao mesmo tempo há quem esteja determinado em tornar a obra acessível a todos: um académico e uma deputada, ambos franceses, afirmam que vão mesmo levar adiante os planos de publicação da obra online na sexta-feira, como refere o The Guardian.

Annelies Marie Frank morreu em 1945, com apenas 15 anos, no campo de concentração de Bergen-Belsen. O 70º aniversário do seu desaparecimento foi celebrado a 14 de abril passado com a campanha #NotSilent, promovida pela fundação Anne Frank Trust UK.

O diário relata o período que passou escondida com a família entre 12 de junho de 1942 e 1 de agosto de 1944, num armazém de Amesterdão até a sua família ter sido traída e alvo de uma rusga. A obra aborda a vida na Europa sob o jugo nazi e vendeu de 30 milhões de cópias desde a sua primeira publicação em 1947.

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Um “ativista do domínio público”

Olivier Ertzscheid, professor da Universidade de Nantes, em França descreve-se como um “ativista do domínio público” e reagiu contra a intenção de proibir a publicação do diário. Como comparação, Ertzscheid lembrou que “A minha luta” (Mein Kampf), de Adolf Hiltler — que regressa ao mercado português 40 anos após a primeira edição em Portugal — entrará no domínio público na sexta-feira.

Em outubro, o académico francês publicou no seu site duas versões em francês do livro, mas a editora Livre du Poche notificou-o alertando que os direitos autorais dos tradutores ainda estavam em vigor.

Otto Frank, pai de Anne e o único sobrevivente da rusga à casa da família, estabeleceu a Anne Frank Fonds, sediada na Suíça em 1963. E foi essa fundação informou os editores franceses em outubro que o diário não entraria no domínio público a 1 janeiro de 2016 porque Otto, que morreu em 1980, compilou e ampliou duas versões originais dos diários e garantiu os seus próprios direitos autorais sobre a obra.

A fundação argumenta que o livro é uma obra póstuma, e nesse caso, os direitos de autor estendem-se durante 50 anos após a data de publicação. A instuituição referiu também que uma versão publicada em 1986 pelo Instituto Holandês de Documentação da Segunda Guerra, do Genocídio e do Holocausto (NIOD) está protegida por direitos de autor pelo menos até 2037.

“O livro que Otto Frank criou tem direito ao seu próprio direito autoral. Para efeitos de direito de autor, Otto deve ser considerado como ‘autor’ dessa versão. O que não quer dizer que isso implique que ele tenha co-escrito ‘qualquer coisa’,” declarou a fundação, segundo o jornal britânico.

Isabelle Attard, deputada francesa, também planeia publicar o livro original em holandês a 1 de janeiro. A ideia foi defendida pelo seu porta-voz que afirmou que “vir dizer agora que o livro não foi escrito apenas por Anne é enfraquecer o peso que tem a obra tem tido ao longo de décadas, como um testemunho dos horrores da Segunda Guerra.”

Para a parlamentar gaulesa, a oposição da fundação helvética deve-se a uma “questão de dinheiro”. Na sua opinião, se a obra chegar ao domínio público, Anne Frank irá ganhar “ainda mais notoriedade”.