Depois de passar pelo México, entre 12 e 18 de fevereiro, o “agente de viagens do Papa” vai reformar-se. Será naquele país que Alberto Gasbarri terminará a sua carreira, após completar 70 anos. Quando por fim se reformar, contará 37 anos com este posto — mais de metade da vida deste homem que, antes de ser o responsável pelas viagens dos papas, já trabalhava no Vaticano.

Chamá-lo de “agente de viagens do Papa”, como fazem vários vaticanistas, é provavelmente a maneira mais fácil de descrever o seu trabalho, mas não deixa de ser um eufemismo. Antes de cada viagem, Gasbarri tem de um extensa lista de afazeres, entre preparações logísticas, reconhecimento dos locais a serem visitados (por norma, visita o país duas vezes antes da viagem papal) e lidar com vários responsáveis. “Autoridades governamentais, chefes de protocolo, polícia e serviços secretos de todo o mundo”, escreve o diário italiano La Stampa.

Entrou em 1979, sai em 2016. Ao princípio, era temporário

Gasbarri tem formação académica em Economia e Direito do Trabalho. Aos 23 anos começou a trabalhar na Rádio Vaticano, onde ficou como diretor administrativo. Em 1979, ficou com a responsabilidade de organizar as viagens do Papa depois o seu antecessor, o bispo norte-americano Paul Marcinkus que acumulava essas funções com a de governador do Banco do Vaticano, ter sido apanhado num escândalo financeiro. Gasbarri, casado e com dois filhos, foi o primeiro laico a assumir aquela posição que, de início, seria apenas temporária.

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E assim se passaram 37 anos, durante os quais acumulou as suas funções de planeador de viagens papais com um cargo administrativo na Rádio Vaticano. Pelo meio, como seria de esperar, ficaram algumas histórias, que começam sempre quando algum imprevisto desvia o seguimento dos planos.

A maior parte das vezes era o tempo a atrapalhar. Foi assim em 1988, quando o voo para Joanesburgo, na África do Sul, onde seguia o Papa João Paulo II teve de se desviar para o Lesoto à última hora — o desafio foi organizar um transfer por terra desde a capital daquele pequeno país, Maseru, até a Joanesburgo. Isto é, um percurso de mais de 400 quilómetros. Também com João Paulo II, o avião onde seguiam para Roma foi obrigado a desviar-se para Pisa por causa de mau tempo. Depois de várias tentativas falhadas de aterrar naquela cidade, o avião acabou por chegar em segurança a Nápoles. O desafio que se seguiu foi organizar, com celeridade e sem esquecer a segurança, uma viagem de comboio com o Papa e toda a sua entourage até à capital italiana.

Os 25 degraus de Golgota e a subida de João Paulo II

O Papa João Paulo II parece ser aquele de quem guarda mais histórias. Numa rara entrevista ao L’Osservatore Romano, o jornal oficial do Vaticano, em 2011, contou como o papa polaco lhe fez um pedido quase impossível à saída de Israel. Passou-se em 2000, o ano do Jubileu.

“O Dom Stanislau [Dziwisz, secretário de João Paulo II] chamou-me para dizer que o Papa gostaria de regressar ao Santo Sepulcro [onde Cristo foi crucificado] (…). As muitíssimo rígidas forças de segurança israelitas não deixavam dúvidas: era impossível (…). Expliquei tudo a Stanislau e ao Papa. Nessa altura, o Papa pegou no braço o secretário e disse: “Não posso ir embora de Jerusalém sem pregar em Jerusalém.”

Perante aquela afirmação, praticamente um ultimato, Gasbarri passou a mensagem às autoridades italianas: “Disse-lhes que teriam de escolher entre ter o Papa parado numa estrada sabe-se lá por quanto tempo ou então podiam apostar na surpresa e levá-lo até Golgota”.

E foi até lá que acabaram por se deslocar, “com grande dificuldade”. Nessa entrevista, Gasbarri lembra como o Papa João Paulo II, que “mal conseguia caminhar”, conseguiu arranjar forças para subir às 25 escadas do Santo Sepulcro.

“Parecia que demorava uma eternidade. No topo das escadas nem sequer havia um oratório. Assim que ele chegou os joelhos fraquejaram e caíram no chão de mármore do altar de Golgota. Ficou naquela posição durante muito tempo enquanto rezava. Nunca vou esquecer aquela imagem. Todas as Páscoas, quando penso na Paixão de Cristo, vejo a cara de Wojtyla enquanto subia aquelas escadas. Foi incrível. E depois de rezar, ele disse: “Agora podemos ir embora”.

Alberto Gasbarri será sucedido por Mauricio Rueda Beltz, um monsenhor colombiano atualmente a trabalhar na secretaria de Estado do Vaticano.