Título: Poemas de Santa Teresa de Jesus
Autor: Santa Teresa de Jesus
Editora: Aletheia
Páginas: 171
Preço: 10€

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No interessante prefácio que escreveu para a recentemente editada compilação dos poemas de Santa Teresa de Jesus, o padre Jeremias Carlos Vechina, ocd começa por alertar para a necessidade de uma biografia da santa de Ávila que a apresente ao público português. Esta necessidade, escreve, deve-se à eventualidade de “muitos ao ouvirem falar em Teresa [poderem] figurar a mulher dos êxtases e arroubamentos que Bernini tão expressivamente cinzelou no mármore”. No entanto, para o padre da ordem dos carmelitas descalços, “estes fenómenos (…) são ‘acidentes’ do percurso” (página 5). Para sustentar a sua argumentação, o padre refugia-se em São João da Cruz, místico amigo de Teresa, com quem fundaria a ordem dos carmelitas. Diz o santo espanhol que os acessos místicos são sintomas da imperfeição de quem os tem e que vão desaparecendo com o tempo. Por isso, diz Vechina, “julgar a mística por estes fenómenos é puro disparate e ignorância” (página 42).

Vechina está aqui a referir-se à obra que o escultor italiano esculpiu para a Igreja de Santa Maria della Vitoria, em Roma, em que Bernini representa Santa Teresa de Ávila num êxtase que parece ter tanto de religioso como de sexual, proporcionado por um anjo, aludindo à narrativa feita pela própria de uma experiência mística no seu Livro da Vida. A argumentação é convincente, mas parece cair quando começamos finalmente a ler os poemas que compõem o livro.

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Ao lermos os poemas que Santa Teresa de Ávila dedica à tomada de hábito das suas companheiras de ordem, vemos que o foco não está nunca nos votos que estas farão, mas na alegria “Por o Rei da Majestade/ ter sido o desposado” (página 157). Ser freira é, então, em primeiro lugar, ser noiva de Cristo. Teresa insiste recorrentemente nesta ideia, referindo-se a Deus como “meu doce Amor” (página 57) e aos momentos em que se aproxima d’Ele como momentos de puro prazer, como se torna evidente em “Ais do Desterro”, onde lemos “Quem é o que teme/ a morte do corpo,/ se por ela alcança/ um imenso gozo?/ Oh, sim, o de Te amar/ sem fim, meu Deus!/ Ansiosa por Te ver,/ desejo morrer.// A minha alma aflita/ geme e desfalece./ Ai, quem de seu Amado/ pode estar ausente?/ Acabe já, acabe/ Este meu sofrer” (página 77).

A poesia de Teresa parece ter portanto uma radicação mais forte no Cântico dos Cânticos do que em descrições teologicamente mais densas como as que encontramos, por exemplo, nas epístolas de São Paulo. A aproximação entre o amor a Cristo e um amor esponsal humano leva a que em certos momentos a santa se queixe de Deus como se de um namorado se tratasse, acusando-O de lhe prestar pouca atenção (“Em vão minha alma/ Te busca, ó meu Amo;/ Tu, sempre invisível,/ não lhe dás consolo” (página 79)). As preces de Teresa não são, assim, tratados teologais mas antes súplicas desesperadas (“Ai! Que minhas lágrimas/ te dignes atender:/ Ansiosa por Te ver, / desejo morrer” (página 81)).

Finalmente, a descrição que Santa Teresa faz da sua relação com Cristo em “Sobre as palavras ‘dilectus meus mihi’” (palavras aliás extraídas do Cântico dos Cânticos) parece demonstrar que os êxtases que inspiraram Bernini são mais do que os incidentes de percurso de que o padre Jeremias Carlos Vechina fala. Ao descrever a forma como foi arrebatada por Deus, diz Teresa que “Quando o doce Caçador/ me atirou e deixou ferida,/ nos braços do meu amor/ minha alma ficou caída;/e tomando nova vida,/ de tal sorte hei mudado,/ meu amado é para mim/ e eu sou para meu Amado” (página 65). Esta descrição de Teresa corrobora portanto aquela que a santa faz das visões que tinha durante os seus acessos místicos, em que um anjo em tudo parecido com um cupido a furava repetidamente com uma lança.

Assim, mais do que acidentes, estas visões parecem-se com parábolas. Tal como o fraco entendimento dos homens leva a que Cristo compare o reino dos Céus a um grão de mostarda, o fraco entendimento da mística leva a que o amor que une Teresa a Deus não possa ser representado apenas a partir de imagens puramente espirituais, sem correspondência a qualquer elemento terreno. Talvez seja por isso que também São João da Cruz, que compara o místico em êxtase a um bêbado que perde o controlo das suas faculdades, não se canse de tentar compreender o significado destes mesmos êxtases.

Só uma concepção do misticismo que não o apresente como simples episódios sem significado pode resolver a aparente contradição de Teresa repetidamente parecer desejar a morte, desprezando o mundo que foi criado por Deus para os homens (“Oh sono adorado,/ Tira-me daqui!” (página 73)). Porque os prazeres que o mundo lhe reserva serão sempre insignificantes quando comparados com os sumos prazeres divinos. A vida terrena, para Santa Teresa, “es continuo duelo” (página 74). E esta ideia de a vida ser qualquer coisa entre um duelo e uma mágoa (uma ideia incompreensivelmente ignorada pela tradução portuguesa, onde lemos que a vida “é contínuo engano” (página 75)) leva a que Teresa queira sempre, como João Baptista no Evangelho Segundo João, diminuir-se para que Deus cresça. Porque, tal como confessa, Teresa morre porque não morre.

João Pedro Vala é aluno de doutoramento do Programa em Teoria da Literatura da Universidade de Lisboa.