Em democracia, as eleições deveriam ser por excelência o momento de decisões políticas, mas em Espanha o passado mais recente tem feito pouco dessa máxima. Mais de três meses depois de ter ido a eleições, a Catalunha continua sem uma solução para o governo regional e está à beira de um novo sufrágio. E se Espanha ainda há pouco foi a votos, a possibilidade de eleições antecipadas — causadas pela ausência de um executivo em tempo útil, isto é, até 13 de março — começa a ganhar cada vez mais contornos de realidade. O que se passa em Espanha e na Catalunha?

O maior dos impasses da política espanhola surgiu no dia 20 de dezembro, data das eleições legislativas. Como se sabe, o Partido Popular de Mariano Rajoy venceu mas não conseguiu chegar à maioria que obtivera na legislatura anterior. E os socialistas de PSOE, liderados por Pedro Sánchez, viram aí uma oportunidade para tentar formar um governo de esquerda, coligando-se com outros. O impasse surge quando o Podemos, liderado por Pablo Iglesias, exige como contrapartida algo que sabe que Sánchez não está disposto a dar-lhe: a realização de um referendo à independência da Catalunha.

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Pedro Sánchez garante que não está disposto a garantir um referendo na Catalunha em troca de uma solução de governo à esquerda

Mas a Espanha politicamente suspeita assiste suspensa ao debate na Catalunha. Também ali se foi em eleições, na já em data algo distante, 27 de setembro. O Junts Pel Sí, coligação de partidos independentistas que vão da esquerda à direita, venceu com uma maioria simples.

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Apesar das tentativas (foram três, mais precisamente), Artur Mas, de centro-direita e líder do Junts Pel Sí, não conseguiu o apoio do resto do parlamento para ser reconduzido no cargo de presidente da Catalunha, ao qual ascendeu em 2010. Desta vez, o bloqueio foi imposto pela Canditatura de União Popular (CUP), um pequeno partido de esquerda anti-capitalista que discutiu até à última se deveria ou não apoiar Mas. Entretanto, o líder da CUP, Antonio Baños, demitiu-se esta segunda-feira, admitindo “frustração” por não se ter feito nesta legislatura “a rutura irreversível com o Estado espanhol”.

Antonio Baños demitiu-se da liderança da CUP depois de o partido confirmar que não apoiava Mas

Todas as pistas para o futuro de Espanha deverão agora passar pela Catalunha. Depois de praticamente empurrar a região para novas eleições, a CUP passou a propor à coligação que apresentasse outro nome para liderar a Generalitat que não Artur Mas — leia-se, alguém cujo partido não esteja a ombros com acusações de corrupção, como é o caso do histórico presidente da Catalunha Jordi Pujol. E, de preferência, de esquerda, também.

“Entendemos que há possibilidades de o Junts Pel Sí repensar o seu acordo para que haja um governo liderado por uma pessoa da Esquerda Republicana da Catalunha, com o apoio da CUP e de outros partidos”, disse Anna Gabriel, deputada da CUP, à Catalunya Ràdio.

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Artur Mas parece estar pronto a avançar para novas eleições na Catalunha

Mas isso não parece estar nos planos de Artur Mas, que cedo nesta segunda-feira quis marcar posição, garantindo que está pronto para novas eleições: “Tenho vontade de me levantar perante Madrid e as forças de cá que não nos facilitam nada”. As declarações foram feitas antes de entrar numa reunião da direção da CDC.

No final do encontro, Mas não voltou a falar aos jornalistas, deixando essa tarefa para Josep Rull, coordenador geral dos independentistas de centro-direita. “Um setor amplo da CUP pôs a ideologia, a revolução e o socialismo à frente da independência”, afirmou. “Quando algo assim se passa, quem ganha é Madrid.”

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Rajoy venceu as eleições de dezembro mas não conseguiu revalidar a maioria da legislatura anterior. E, até palavra em contrário, não deverá conseguir ter apoio no parlamento a um governo liderado por ele

Dizer “Madrid” é o mesmo que dizer o resto de Espanha — que, já dissemos, assiste suspensa ao desenvolver dos acontecimentos na Catalunha.

De resto, tem sido aquela região que tem estado no centro do debate pós-eleitoral espanhol. Pablo Iglesias (Podemos) não desiste da ideia de um referendo na Catalunha e Pedro Sánchez (PSOE) recusa-se a falar com partidos que defendam essa hipótese, mesmo que a matemática o obrigue a fazê-lo se quiser formar governo. Será uma situação bloqueada até que alguém ceda — sendo que a data limite é 13 de março, prazo máximo para haver um governo espanhol antes de serem convocadas novas eleições. Faltam, portanto, mais de dois meses. Mesmo assim, a perspetiva de novas eleições é real — e no PSOE já há quem só pense nelas, de preferência com outra liderança.

Há quem defenda que Espanha e Catalunha não são sinónimos, apontando-lhes diferenças a partir de vários ângulos, a começar pelo dos costumes e acabando na língua. Mas, de momento, há uma semelhança inegável: ambos estão a braços com emaranhados políticos que acabaram atados num nó górdio. Resta saber se, quando finalmente for desatado, possivelmente por meio de novas eleições, tudo ficará no mesmo.