A entrada em funções de um novo governo independentista na Catalunha, liderado por Carles Puigdemont, traz mais indefinições do que certezas. A única certeza é que Carles Puigdemont, investido presidente do governo catalão por um prazo de 18 meses, tem um objetivo claro: “criar um Estado independente na Catalunha”, como anunciou este domingo, no parlamento catalão. “Sem demoras e sem medo“.
O novo líder da coligação vencedora das eleições, Junts pel Sí, foi escolhido depois de um partido de que a coligação (que alberga partidos independentistas de vários espectros políticos, da esquerda à direita) precisava para governar em maioria (a CUP) ter rejeitado o anterior candidato: Artur Mas. Este abdicou, cedendo o seu lugar a Carles Puigdemont. A CUP elegeu 10 dos 135 deputados do novo parlamento catalão, nas eleições de setembro de 2015: e os independentes da Junts pel Sí precisavam de pelo menos 6 deles para ter maioria de governo (daí Mas ter abdicado).
A Junts pel Sí e a CUP acordaram que Carles Puigdemont terá 18 meses para concluir o processo. Até esse prazo, relata o jornal ABC, deverá ser anunciada no parlamento catalão uma declaração de independência da Catalunha e uma lei de transitoriedade jurídica, que regule as novas estruturas do Estado catalão. Passados esses 18 meses, serão convocadas eleições constituintes no novo Estado da Catalunha.
Mas isso não é certo. Primeiro porque Carles Puigdemont pode não permanecer à frente do governo durante 18 meses: o novo líder da Junts pel Sí não quis confirmar quanto tempo durará a sua legislatura nem quis confirmar se se irá submeter a uma moção de confiança dentro de 10 meses. Algo que o anterior líder, Artur Mas, planeava fazer, como relata o diário El Español. Depois, porque a sua legislatura dependerá da conclusão do processo independentista. Se não o conseguir, terá vida difícil.
Tudo nas mãos do governo? Não
A tentação mais simples é pensar que a recusa da independência da Catalunha chegue da parte do governo espanhol – o atual primeiro-ministro, Mariano Rajoy, afirmou que “o governo não deixará passar um único ato que possa prejudicar a unidade e a soberania de Espanha”.
Mas a decisão final quanto à lei independentista da Catalunha não dependerá do executivo, mas do Tribunal Constitucional do país. Em novembro de 2015, o órgão decidiu suspender o processo inicial de independência da Catalunha, devido ao recurso interposto pelo governo de Mariano Rajoy. E ficou com um prazo definido: até abril de 2016, tem de decidir quanto à legalidade do processo. No acórdão, contudo, o Tribunal Constitucional espanhol avisava que não tinha a obrigatoriedade de “obedecer às instituições do Estado”, como recorda o jornal ABC. Ou seja, avisava que a decisão final é sua e independente da posição do executivo liderado por Rajoy, que vê o processo como inconstitucional.
Mas a composição do executivo de Espanha não é indiferente à conclusão do processo: se é verdade que a decisão final cabe ao Tribunal Constitucional, também é verdade que a posição do Executivo é relevante: as decisões quanto a eventuais reformas constitucionais cabem-lhe, assim como lhe caberá, pelo menos num primeiro momento, a decisão quanto à marcação de um referendo independentista (que o Podemos continua a exigir, ao contrário dos restantes partidos).
O que fará o governo espanhol?
Qual governo? Essa é a principal dúvida para o futuro: em Espanha, não há ainda governo à vista. O que parece certo é que dificilmente o novo executivo será favorável à marcação de um referendo na Catalunha (quanto mais à legitimação do processo separatista). O Podemos, a terceira força política mais votada nas recentes eleições espanholas, continua a exigir o direito à “autodeterminação” dos territórios espanhóis (e a insistir no facto de Espanha ser um país “plurinacional”).
Mas y CDC consiguen atrincherarse. El inmovilismo intentará hacer lo mismo en la Moncloa. La solución: plurinacionalidad y nuevo acuerdo
— Pablo Iglesias (@Pablo_Iglesias_) January 9, 2016
Mas está sozinho e parece muito improvável que assim não continue. Isto porque Pedro Sánchez, o líder do PSOE, não tem qualquer margem de manobra quanto ao tema: os barões do PSOE concederam-lhe um mandato para negociar com o Podemos (e com as outras forças políticas), é certo, mas com uma condição incontornável: a unicidade do país é inquestionável e o processo separatista tem de ser travado. Nisso, Sánchez não tem margem de manobra: e, tendo dado aos socialistas o pior resultado da sua história nas últimas legislativas, a pressão aumenta. Quanto aos outros partidos (PP e Ciudadanos) a questão também é consensual: são inaceitáveis as “fraturas” do território espanhol.
.@Albert_Rivera "Los demócratas debemos estar juntos para defender la Constitución, el Estatuto de Cataluña y la democracia" #PuigdemontEP
— Ciudadanos ???? (@CiudadanosCs) January 11, 2016
Do lado do PSOE, Pedro Sánchez intervém cada vez mais. A mensagem que tenta passar é esta: as divisões e os independentismos no país são responsabilidade da ação governativa do PP e a posição do Podemos, assim como a eleição de Carles Puigdemont para líder catalão, não põem em causa a capacidade do PSOE em formar uma maioria alternativa ao partido de Rajoy.
Cataluña es diversa, es un error imponer posiciones excluyentes que buscan la fractura social,política y territorial pic.twitter.com/ftuQsr2UlC
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) January 11, 2016
Na prática, tal significa que Pedro Sánchez acredita que consegue convencer o Podemos a aproximar-se da posição do PSOE e do Ciudadanos. E mostrou esse otimismo já esta segunda-feira:
“Quero entender-me tanto com o Podemos como com o Ciudadanos. É a minha vontade” disse, acrescentando que a “vontade de mudar une” os três partidos
Os responsáveis pelo processo independentista também não escapam ao seu julgamento. Pedro Sánchez não tem dúvidas: o principal culpado é Mariano Rajoy. “Mais quatro anos” de governação do Partido Popular “agravariam ainda mais a confrontação” entre espanhóis, defendeu, em declarações reproduzidas pelo ABC.
Lo que sí tenemos claro, es que 4 años más de Rajoy afianzan el bloqueo con Cataluña. El cambio de Gobierno es hoy más necesario que nunca.
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) January 11, 2016
O facto de Pedro Sánchez ter de ter vindo a público afirmar que a formação de um governo alternativo ao PP, que inclua o Podemos, não é incompatível com a posição de rejeição dos independentismos de territórios espanhóis, revela por si as dúvidas acrescidas que o independentismo na Catalunha acarreta. Pode Sánchez chegar a acordo com o Podemos? O líder do PSOE acredita que sim: mas as possibilidades não jogam a seu favor.
Isto porque o partido de Pablo Iglesias – que esta segunda-feira afirmou que Mariano Rajoy deveria pelo menos “chamar” o novo presidente catalão para dialogar – mantém-se irredutível. E há até um setor do Podemos que defende que o desejável não é um acordo, mas eleições antecipadas, por forma a “superar [a votação] do PSOE” e “aniquilar o Ciudadanos”, conforme afirmou esta segunda-feira Teresa Rodriguez, dirigente regional do partido. Ceder quanto à realização de um referendo na Catalunha, para já, não está nas cogitações de Iglesias.
He hablado con Rajoy. Le he dicho que ni el unilateralismo ni el inmovilismo solucionan nada. Le he sugerido que llame a Puigdemont
— Pablo Iglesias (@Pablo_Iglesias_) January 11, 2016
Por seu lado, Pedro Sánchez está encurralado pela necessidade de um acordo: se votar “não” a um governo do PP, como tem garantido que fará, e não conseguir chegar a acordo com o Ciudadanos e o Podemos, serão convocadas eleições antecipadas. Só que, depois dos resultados das eleições de 20 de dezembro, o PSOE não se quer arriscar a voltar a eleições tão cedo. Muito menos com Sánchez como líder.
A questão é difícil para o líder dos socialistas espanhóis: mesmo que conseguisse convencer o Podemos a abdicar da sua posição quanto à “plurinacionalidade” do país, o que por ora parece pouco provável, seria preciso depois convencerem o Ciudadanos a juntar-se ao PSOE e ao Podemos. Algo que parece tão ou mais improvável: afinal, o líder do partido de centro-direita espanhol, Albert Rivera, afirmou que mesmo sem referendo não apoiará um governo que inclua o Podemos, com quem diz ter diferenças insanáveis.
Independência na Catalunha: nem só dos partidos chegam as críticas
Para além das principais forças políticas, também os empresários catalães manifestaram-se contra o processo independentista que Carles Puigdemont pretende liderar. A confederação de empresários local afirmou em comunicado que o dever de Carles Puigdemont é cumprir a lei: “A sua inequívoca obrigação é cumprir e fazer cumprir a lei”, afirmaram, deixando ainda um aviso:
Finanças próprias, Segurança Social e um Banco Central catalão levarão à fuga das empresas e à insubordinação face à administração regional
A presidência holandesa da União Europeia também comentou a eleição de Carles Puigdemont como líder do governo da Catalunha. Em comunicado, citado pelo El Español, afirmam não excluir o diálogo com o novo parlamento catalão, mas avisam que trabalharão para “acentuar” a “unidade da Europa”. O que une os cidadãos europeus é “muito mais” do que aquilo que os pode dividir, acrescentam.
Texto editado por Diogo Queiroz de Andrade