Era uma tomada de posse para um novo cargo, mas o discurso de Maria José Morgado como nova procuradora-geral distrital de Lisboa concentrou-se mais no passado do que no futuro, com o balanço dos quase nove anos à frente do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa a ser preponderante face aos objetivos que quer atingir enquanto máxima representante do Ministério Público no distrito judicial de Lisboa.

Ao fim e ao cabo, Morgado fez uma despedida emocionada das “trincheiras” da investigação criminal, onde ocupou lugar destacado durante 36 anos, no combate à criminalidade económico-financeira. “Vou ter saudades, como sempre acontece quando deixamos uma parte de nós nas organizações. É impossível esquecer a experiência do DIAP de Lisboa”, afirmou.

Ao assumir o cargo de procuradora distrital de Lisboa, Maria José Morgado entra para a cúpula do Ministério Público, fazendo parte por inerência do Conselho Superior do Ministério Público – o órgão de gestão e disciplinar da magistratura.

Ao lado da procuradora-geral Joana Marques Vidal e na presença de Francisca Van Dunem, ministra da Justiça e sua antecessora na procuradoria-distrital de Lisboa e no DIAP de Lisboa, Morgado fez questão de enfatizar o trabalho desenvolvido pela equipa do DIAP de Lisboa, fazendo rasgados elogios e interpelando os magistrados e funcionários presentes. “Perdemos funcionários, recursos, meios — nunca perdemos a vontade de lutar. Sempre senti a vossa tenacidade inspiradora. De tal forma que, apesar de todas as adversidades ocorridas, o DIAP de Lisboa tem mantido resultados excelentes. Este Departamento é um autêntico laboratório na forma como se auto-regenera perante os mais difíceis problemas”, disse.

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Ao concentrar o seu discurso na importância do DIAP de Lisboa, Maria José Morgado acabou também por passar a mensagem sobre a atenção que dará ao órgão mais mediático do MP no distrito judicial de Lisboa. Enquanto procuradora distrital de Lisboa, será a superior hierárquica da sua sucessora (Lucília Gago, escolhida pela procuradora-geral Joana Marques Vidal) e certamente que tudo fará para que os “resultados excelentes” se mantenham.

Mas será mesmo uma despedida das “trincheiras” da investigação criminal? Enquanto procuradora distrital, terá que tratar essencialmente da gestão e da coordenação da estrutura do MP no distrito judicial de Lisboa. Mas sendo uma mulher de ação, será curioso ver como Maria José Morgado conseguirá reinventar um cargo que é essencialmente de gestão burocrática. Nomeadamente, como conseguirá aplicar os sete mandamentos de Cunha Rodrigues, o ‘pai’ do MP moderno, por si citados, à Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL): “Leveza, visibilidade, rapidez, exatidão, multiplicidade e consistência”.

Elogiando o trabalho da sua antecessora, Francisca Van Dunem, Morgado assumiu o compromisso de “desenvolver e consolidar no distrito aquilo que tem as sementes lançadas pela anterior PGDL: o trabalho em rede nos fenómenos do crime económico-financeiro, no crime violento, na violência doméstica”. No primeiro caso, na criminalidade económico-financeira, ganha destaque a coordenação entre o DIAP de Lisboa e o DCIAP que, como Maria José Morgado fez questão de enfatizar, melhorou significativamente com o “meu querido amigo Amadeu Guerra”, diretor do DCIAP. Nos restantes casos, será fundamental a coordenação entre os novos DIAP’s criados pelo mapa judiciário, nomeadamente os de Sintra e Loures. E até os DIAP criados na Madeira e nos Açores – áreas territoriais que fazem parte da competência da PGDL de Lisboa.

Outros objetivos passam pelo aprofundamento da “formação” dos magistrados, a criação de um “modelo de partilha de informação com base tecnológica e humana”, a aproximação das “comarcas de forma a diminuir as taxas de impunidade e de isolamento institucional”.

Outra questão a ver no futuro próximo passa pela forma como Maria José Morgado vai gerir o seu mediatismo com o papel normalmente apagado dos procuradores distritais. Para já, a procuradora não quis prestar declarações à comunicação social após a sua tomada de posse.

União entre Marques Vidal e Van Dunem

Além de tecer rasgados elogios a Maria José Morgado, Joana Marques Vidal fez questão de agradecer a presença de Francisca Van Dunem na cerimónia. Dirigindo-se à ministra da Justiça, a procuradora-geral da República expressou o seu “agradecimento reconhecido e profundo pelo contributo indelével para o que o MP é hoje. O seu pensamento e ação marcaram decisivamente a PGDL, bem como o Conselho Superior do Ministério Público”. E acrescentou:

Podemos, assim, afirmar com toda a segurança que sempre nos unirá a defesa intransigente da autonomia do Ministério Público no quadro do Estado de Direito que nos rege.”

Uma afirmação relevante num contexto em que a atualidade do MP continua a ser marcada pelo processo que envolve José Sócrates.