O Governo acusou esta quinta-feira o anterior Governo PSD/CDS-PP de usar medidas de política fiscal para beneficiar a execução orçamental do ano passado, deixando um buraco nas contas de 800 milhões de euros este ano. As explicações, passam pelo dinheiro recebido no ano passado e que de não seguiu no mesmo ano da contribuição do fundo de resolução europeu, registando como receita, mais as mexidas na tributação de fundos, no IRC e no quociente familiar em IRS.

  • Transferência para o fundo de resolução europeu

No caso do Fundo de Resolução, a receita devia ter sido transferida de imediato para o Fundo de Resolução Europeu, o que daria um resultado nulo em termos orçamentais. Como tal não aconteceu, o dinheiro contou como receita do Estado em 2015, e acresce à receita de 2016, que é quando vai ser transferido: são 135 milhões de euros.

Começam por aqui as justificações do Governo para o ‘buraco’ de 800 milhões de euros alegadamente deixado pelo anterior Governo – entretanto contestadas por Maria Luís Albuquerque. Mas, claro, não se esgotam aqui. Vamos por pontos:

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  • Descida da taxa de IRC

A descida da a taxa de IRC em 2015, de 23% para 21%, só se reflete nas contas deste ano. Não só porque a liquidação do imposto só ocorre no ano seguinte, mas também porque os pagamentos por conta de IRC em 2015 são calculados tendo em conta o imposto pago em 2014 (portanto com a taxa anterior), levando a maiores reembolsos/menores pagamentos em 2016. quando o imposto é liquidado.

O Governo estima, assim, não um buraco, mas uma redução de receita de IRC de 227 milhões de euros.

  • Quociente familiar no IRS

Diz o novo Governo que a perda estimada de receita com o novo quociente familiar (que começou em 2015) foi largamente superior ao estimado pelo Governo de Passos: aos 150 milhões previstos, acabaram por não entrar nos cofres do Estado 250 milhões de euros.

Mas a equipa de Mário Centeno vai mais longe na crítica: diz que Passos prometeu “neutralidade fiscal”, porque o custo da medida era compensado com receita adicional da reforma da fiscalidade verde, e que as descidas nas tabelas de retenção na fonte em vigor no ano passado refletiram apenas essa diminuição de receita de 150 milhões. Ora, as medidas da fiscalidade verde são, como indica o próprio nome, fora do IRS – são receitas do Estado na mesma, mas entram por outra ‘porta’ do Orçamento. Sobre quanto foi essa receita, nada se sabe.

Neste ponto, Centeno falou de um impacto de 200 milhões de euros, na conferência de imprensa desta sexta-feira. O custo estimado pelo Governo, que passa para a execução orçamental deste ano via mais reembolsos, é de “pelo menos 100 milhões de euros”.

  • Tributação dos fundos de investimento

É o ponto mais complexo. A lei em vigor até julho de 2015 previa que os rendimentos dos fundos de investimento, não sujeitos a retenção na fonte, fossem tributados na esfera do próprio fundo, sendo o imposto entregue no ano seguinte ao dos rendimentos, na altura da liquidação do imposto. A nova lei muda esta regra, e os fundos deixam de estar sujeito a retenção na fonte. O que acontece, em termos práticos, é que o imposto que seria pago em abril deste ano, em IRS ou IRC, foi antecipado pelo Governo – que criou um regime transitório para efeito.

Assim, estes fundos, em vez de pagarem em abril deste ano, como o fizeram no ano passado, pagaram em abril do ano passado o relativo a 2014 e em outubro do ano passado o que seria normalmente pago em abril deste ano. A execução orçamental do ano passado recebe este imposto a dobrar, e este ano não entra qualquer receita.  Agora, o próximo pagamento acontecerá apenas em 2017.

Resultado: a estimativa do Executivo é de uma ‘perda’ nas contas deste ano de cerca de 250 milhões de euros.