Andrew Ross Sorkin está desde o início da semana em Davos, na Suíça, onde na quarta-feira começou a reunião anual do Fórum Económico Mundial. Sorkin é repórter do New York Times e é por trabalho que está nos Alpes. Especialista nas coisas da economia em geral, das fusões e aquisições em particular, escreve para o jornal americano desde 1999, criou a newsletter  Dealbook, é comentador da CNBC e autor do livro Too Big Too Fail. Tem o mesmo apelido de outro Sorkin, Aaron, escritor e argumentista que assinou filmes como “A Rede Social” ou “Steve Jobs” e séries de TV como “West Wing” ou “The Newsroom”, mas não são familiares. É só uma coincidência danada, mais uma, como a que juntou o jornalista a Brian Koppelman e a David Levien. “Eles queriam o mesmo que eu e quando assim é as coisas ficam mais fáceis”, disse há pouco tempo à Vanity  Fair. Poucos anos depois, a primeira temporada de “Billions” estava pronta. Este domingo chega ao canal TV Séries (23h).

Sorkin trabalha com a realidade financeira desde há uns anos mas quando a HBO transformou o seu livro em filme a ficção baseada na vida real tornou-se muito mais interessante do que tinha sido até então. Too Big To Fail, publicado em 2009, é o relato da crise financeira de 2008 e da queda do Lehman Brothers, a partir do ponto de vista dos protagonistas de Wall Street e do governo americano.

[Veja o trailer de “Too Big to Fail”]

O filme, realizado por Peter Gould, estreou em 2011. Foi mais ou menos nessa altura que tudo começou a acontecer. Na mesma entrevista à revista americana, Sorkin disse que “escrever ficção a partir da realidade financeira passou a fazer sentido”. “Mais do que isso, passou a ser um desafio, queria mesmo fazê-lo. Não sabia bem como, mas tinha a certeza de que isso haveria de se resolver”. Naturalmente. É para isso que serve um nome com categoria na praça. E, já agora, fazer equipa com gente com experiência no campeonato dos argumentos. Koppelman e Levien chegaram-se à frente porque “queriam muito escrever uma história sobre fundos de investimento”. O que é que eles sabiam disso? Não muito, mas estavam habituados a escrever sobre dinheiro e apostas. Tinham já assinado em conjunto o argumento de “Rounders” (1998), filme sobre poker e as desgraças que lhe estão associadas, e haveriam de escrever “Ocean’s Thirteen”, o terceiro episódio do re-franchising com Las Vegas, roubos e casinos no centro da trama.

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[Veja o trailer de “Rounders”]

Começaram a trabalhar num episódio piloto em 2013 e venderam-no no ano seguinte. Negócio fechado. A história que precisamos saber antes de passar os olhos por “Billions” resume-se bem. Era uma vez um destemido CEO de um fundo de investimento chamado Bobby Axelrod (Damian Lewis) que pode, eventualmente, estar a fazer as coisas como não devia. E era uma vez, ao mesmo tempo, Chuck Rhoades (Paul Giamatti), o procurador do Ministério Público que quer apanhar Axelrod. A tarefa é complicada por natureza porque Bobby é uma espécie de génio de Wall Street. Mas é ainda mais difícil que isso porque a mulher de Rhoades, Wendy (Maggie Siff), trabalha para Axelrod. É uma especialista em recursos humanos como nunca se viu, uma espécie de feiticeira motivacional capaz de dar a volta a qualquer sintoma de ansiedade e depressão que os empregados da Axe (claro que a empresa tem o nome do patrão) possam enfrentar.

[Veja o trailer de “Billions”]

Sorkin quis contar esta história tentando fazê-la “parecida com a realidade mas sem nunca deixar de ser ficção”, revelou noutra conversa, com o Hollywood Reporter. E que ninguém julgue mal o que se percebe com facilidade. Lá porque Sorkin é jornalista e faz vida em volta dos números isso não dá uma boa telenovela refinada. “O jornalismo aqui serviu de fonte, cumpriu o papel inverso. O que fui vendo e descobrindo foi a inspiração para história. O resto é drama, que na verdade também faz parte de Wall Street”, afirmou ao mesmo site. Nada se confunde, tudo se transforma, haja dinheiro.

O repórter-argumentista-escritor sabe que a dupla economia & finanças é hoje um palco, mediático e cobiçado. Escrevia ele esta semana no New York Times, a partir de Davos: “O antigo editor da revista The Economist escrevia há uns tempos que ‘para atrair políticos famosos, bilionários e celebridades, o Fórum Económico Mundial foi transformado num evento seguro’. Muitas das conversas em Davos seguem uma fórmula de debate limpo.” “Billions” faz uso disso mas sem a parte das consequências para o resto do mundo. E consegue integrar um elemento que para Sorkin era obrigatório: o dilema humano. Voltemos à Vanity Fair: “Se queremos que isto tenha alguma relação com a realidade, não podemos falar só em números, em expressões que poucos percebem em nomes de instituições financeiras”, diz. “Era preciso fazer com que as personagens tivessem as suas histórias e os seus problemas. Relacionam-se eventualmente com dinheiro e contas mas também têm vida própria.”

[Veja uma cena de “Billions”]

O guarda-roupa tinha que fazer sentido, os escritórios também, a ganância e o star system dos protagonistas idem. Está lá tudo. Mesmo a psicóloga dentro da empresa faz sentido. Sorkin sabe que há muito coaching comportamental envolvido com estes negócios, conhece muitos dos especialistas que cumprem tal tarefa e já entrevistou uns quantos. Porque “Billions” é, na essência, um drama como outro qualquer, mas com muito mais dinheiro à mistura. Em “Billions” também há – como diz a personagem de Damian Lewis a dado momento do primeiro episódio – “concursos de mijo”, a ver quem chega mais longe e marca mais território. Como sempre, como dantes, mas desta vez a partir de Wall Street, que dá sempre mais categoria ao resultado final.

A jornalista Alyson Shontell, do site “Business Insider”, encontrou Andrew Ross Sorkin a meio da semana em Davos, já depois da estreia de “Billions” nos Estados Unidos. Foi o melhor primeiro episódio de sempre para o canal Showtime, que produz a série. Shontell escreveu que “Sorkin era todo sorrisos”. Vai-se a ver e o dinheiro afinal traz felicidade.