Nunca ninguém ganhou como Marcelo Rebelo de Sousa, e talvez nunca mais ninguém venha a ganhar assim: sem dever nada aos partidos, nem a financiadores. Mas também sem quaisquer concessões à demagogia populista anti-sistema a que quase todos os outros candidatos se agarraram. Marcelo Rebelo de Sousa foi capaz de mobilizar os cidadãos fora da disciplina partidária que durante décadas espartilhou a democracia portuguesa, mas também fora do circo populista que domina hoje muitas democracias ocidentais.

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou sem cartazes, comícios, sem estados maiores. Mas não é verdade, como se tem dito, que tenha ganho sem ideias. Marcelo Rebelo de Sousa tem uma ideia da presidência, do país e do que o presidente deve fazer (“refundar a cultura do compromisso”). Desse ponto de vista, ganhou como queria, à primeira volta, poupando-se a uma bipolarização de segunda volta, que o poderia ter limitado. Tem todas as condições para ser um presidente livre. Mais: pode, se quiser, ser um presidente forte.

Não sendo uma vitória da direita, porque não foi assim que o candidato se posicionou, é no entanto uma grande derrota das esquerdas, porque foi aí que os seus principais rivais se situaram. Há quinze anos que nenhum candidato das esquerdas passa a barreira dos 22% em eleições presidenciais. Fica outra dúvida: a opção das esquerdas tem sido afrontar os presidentes que lhe desagradaram, como aconteceu sistematicamente com Cavaco Silva, mas também, em Julho de 2004, com Jorge Sampaio. Como lidará agora com Marcelo Rebelo de Sousa? O que dirá dele à primeira intervenção de que não gostar?

* Rui Ramos é historiador

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