E Marcelo chegou ao seu destino político. Há muitos anos que fazia contas, espreitava oportunidades, traçava conjecturas e olhava para o relógio. O momento foi ontem. É provável que este seja o primeiro Presidente da República que a isso estava destinado desde pequenino. Sim, como um monarca que Marcelo tantas vezes imita.
A vitória é inequívoca. É verdade que a abstenção foi elevada — de que estão à espera para pôr os cadernos eleitorais em ordem? — e que na campanha eleitoral discutiu-se pouca política e ainda menos políticas. Mas não foi já essa a primeira de vitória de Marcelo, que colocou a disputa nos terrenos da popularidade e dos afectos que mais lhe convinham?

Se o estilo for para manter, vamos ter um presidente conciliador, mais interessado em apaziguar ânimos do que em defender linhas políticas e estratégias para o país. É uma boa notícia para António Costa, que terá em Belém um presidente mais empenhado em garantir a estabilidade governativa do que o que dela pode resultar como estratégia de desenvolvimento.

De resto, essa é a única satisfação — e não é pequena — que o líder do PS tira desta noite eleitoral, porque os resultados agregados dos candidatos da área socialista são assustadores. Os 22% de Sampaio da Nóvoa são dignos para um candidato independente sem carreira política. Mas são muito fracos para um candidato semi-oficial do PS que, no arranque desta caminhada, sonhou ser o agregador de várias esquerdas: socialistas, bloquistas e regiões ideológicas adjacentes. E o que dizer de Maria de Belém? Foram 4,2% dos votos, milhas atrás de Marisa Matias e perigosamente próxima de Edgar Silva. Um sinal de que os “barões” socialistas que lhe deram o apoio — Manuel Alegre, João Soares, etc. — retiram mais eleitorado do que somam. Mas só eles é que não entendem isso.

O candidato comunista teve a outra grande derrota da noite. O máximo que Edgar Silva conseguiu dizer no discurso de final de noite foi que “os resultados ficam aquém do valor desejável”, depois de ter entrado na sala onde se gritava “Abril vencerá”. Traduzindo do “comunistiquês” que sempre transforma desaires em sucessos rosados, isto quer dizer que a derrota foi mesmo pesada. Alerta vermelho para os lados do PCP, que arrisca perder de vista o Bloco de Esquerda, reforçado com a sua renovada liderança e discurso político mais moderno. Esteve precisamente aqui, no resultado de Marisa Matias, um dos sucessos mais estrondosos da eleição.

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Como é que tudo isto se vai reflectir no apoio e na longevidade do Governo é questão para acompanhar nos próximos meses. E se na Soeiro Pereira Gomes fazem um inquérito de opinião e descobrem que o apoio ao “governo de direita do PS” é um dos principais motivos do desaire de Edgar Silva?

O sismo comunista foi grave e um sinal dessa magnitude esteve no facto de Edgar Silva ter ficado uns escassos 28 mil votos à frente de Virorino Silva, aka Tino de Rans, que, a par de Marcelo e de Marisa, foi o terceiro vencedor da noite, conseguindo o voto de mais de 150 mil eleitores. Porque é genuíno? Porque esse é um voto contra o sistema? Talvez porque muitos eleitores se reveem nele, na sua honestidade e humildade. E, numa eleição que é sobretudo personalizada, preferiram a simpatia à ideologia. Até porque os eleitores de parvo nada têm — apesar de a Comissão Nacional de Eleições os achar genericamente estúpidos — e têm conseguido saber o que está em causa em cada eleição.

Desta vez, escolheram os afectos. Que contrastre em relação a Cavaco Silva…

* Paulo Ferreira é jornalista