As frases

“Quem decide processos de resolução é a autoridade de resolução. É o Banco de Portugal que analisa as condições de solvabilidade e liquidez de todo o sistema financeiro. O processo foi acompanhado pela DG Comp e pelo governo, mas a responsabilidade é da autoridade de resolução, que foi informada pelo governo das propostas existentes”.

Mário Centeno, 29 de janeiro de 2016, em audição parlamentar.

“O facto que desencadeia a resolução é a comunicação do Governo a 19 de dezembro, de que não era possível vender a instituição”.

Carlos Costa, 29 de janeiro de 2016, em audição parlamentar.

As teses

Carlos Costa e Mário Centeno atribuíram um ao outro a principal responsabilidade pela decisão tomada no Banif: a resolução anunciada a 20 de dezembro de 2015. O ministro das Finanças acrescentou na sexta-feira, no parlamento, que houve “muita troca de informação” entre Centeno e o Banco de Portugal nos dias anteriores, num processo que foi, também, acompanhado pela Direção-geral da Concorrência europeia (DG Comp) e pelo Mecanismo Único de Supervisão (SSM, na sigla anglo-saxónica). Mas quem tomou, afinal, a decisão final?

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Não há dúvida de que a autoridade de resolução em Portugal é a instituição liderada por Carlos Costa, partilhando a partir de 1 de janeiro de 2016 essas responsabilidades com o Mecanismo Único de Resolução europeu. Como reconhece o próprio Banco de Portugal – aqui, por exemplo –  foi “o Banco de Portugal, por deliberação do seu Conselho de Administração de 19 de dezembro de 2015, [que] declarou que o Banif se encontrava em risco ou em situação de insolvência (failing or likely to fail) e decidiu desencadear o processo de resolução urgente da instituição na modalidade de alienação parcial ou total da sua atividade”.

Contudo, esta decisão do Conselho de Administração teve origem no que aconteceu na noite anterior (sexta-feira, 18 de dezembro). Foi nesse dia que o Ministério das Finanças informou o Banco de Portugal de que não tinha sido possível concretizar a venda do Banif no âmbito do processo de venda da posição do Estado (60%), um processo que tinha sido organizado pela administração do Banif mas que acabou por não ir ao encontro do que pretendia o governo, também limitado pelas regras europeias.

O governo, aliás, segundo o Banco de Portugal, informou logo na quarta-feira (16) que a forma como o processo estava a correr fazia com que o Ministério das Finanças achasse que não parecia “restar alternativa outra que não passe pela resolução do Banif”.

Dito isto, o que torna esta questão um pouco mais nebulosa é a forma como a resolução foi apresentada por António Costa na noite de domingo, 20 de dezembro. Na altura, no discurso que fez aos portugueses, o primeiro-ministro retratou esta como uma “opção do Governo e do Banco de Portugal“, acrescentando que “foram avaliadas todas as alternativas e a solução encontrada revelou-se, entre as soluções legalmente possíveis, a que melhor serve o interesse público”.

E um outro comunicado emitido pelo governo a 16 de janeiro – precisamente pelo Ministério das Finanças – contribui ainda mais para a dificuldade em definir um pai para esta solução. Num “esclarecimento” do Ministério das Finanças refere-se, no segundo parágrafo, a “decisão do governo relativamente à resolução do Banif [que] teve como objetivo a preservação da estabilidade financeira e a manutenção das condições de financiamento da economia portuguesa”.

No mesmo comunicado, o governo volta a dizer que foi ele próprio que tomou decisões concretas no processo de resolução, como a imposição de perdas à dívida subordinada do Banif – aquela que está a fazer nascer aqueles que já são chamados os lesados do Banif.

O Observador contactou, há cerca de duas semanas, o Ministério das Finanças para esclarecer a razão por que o governo se arrogou, neste comunicado, a responsabilidade pela decisão, mas não obteve resposta para esta questão. Este artigo será atualizado com uma resposta, se ela chegar.

O que diz um advogado

O Observador contactou um advogado experiente em legislação financeira que, preferindo não ser citado, deixou os seguintes esclarecimentos:

O Estado era o acionista maioritário do Banif e, nessa qualidade, uma parte qualificada em toda a operação. Confluem, no seu estatuto, essa qualidade de acionista e a qualidade de decisor político e de interlocutor com as instâncias europeias e com o Banco de Portugal. Sem prejuízo, a medida de resolução é juridicamente imputável ao Banco de Portugal, embora os respectivos pressupostos – no caso, a recapitalização – dependam do Estado. Não admira que, especialmente neste caso, a realidade dos factos acabe por se impor ao rigor das competências jurídicas. E que essa ambiguidade transpareça nos comunicados – mais nos do Ministério das Finanças do que nos do Banco de Portugal, que tem maior cuidado no rigor jurídico.

Conclusão

Inconclusivo. Quando o Banco de Portugal e Mário Centeno atiram um para o outro a responsabilidade da resolução, não estão exatamente a falar da mesma coisa. Em teoria, este processo complexo deveria ter tido um percurso relativamente simples: Estado não consegue vender a sua posição; informa o Banco de Portugal; Banco de Portugal decide se deixa liquidar ou se avança para resolução; Banco de Portugal decide contornos concretos do processo. Contudo, a forma como o Governo se refere a este processo cria dúvidas sobre quem se arroga, realmente, como o pai da resolução — se é o governo ou o Banco de Portugal, a autoridade da resolução. Importa recordar que, no caso do Novo Banco e da decisão recente de passar algumas obrigações senior de volta para o BES, o governo não chama a si qualquer responsabilidade nesse processo de resolução. Pelo contrário.