O vírus zika pode atravessar a placenta das grávidas. A conclusão é de uma equipa de investigadores brasileiros e foi publicada esta quarta-feira na conceituada revista The Lancet.

Os investigadores encontraram o vírus no fluído amniótico – o líquido que envolve o bebé – de duas grávidas, sugerindo que este pode atravessar a barreira da placenta. Os fetos destas duas mulheres tinham microcefalia, mas os investigadores afirmam que isso não é suficiente para estabelecer uma relação de causa-efeito entre a infeção e os problemas neurológicos.

“Este estudo não pode determinar se o vírus zika identificado nestes dois casos foi a causa da microcefalia nos bebés”, afirma Ana de Filippis, investigadora no Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz. “Até compreendermos o mecanismo biológico que liga o vírus à microcefalia, não podemos dizer que um causa o outro. É preciso mais investigação com urgência.”

As duas mulheres de Paraíba, com 27 e 35 anos, apresentaram sintomas de infeção com zika, como febre, dores musculares e vermelhidão na pele, durante o primeiro trimestre da gravidez. A ecografia realizada na vigésima segunda semana de gestação confirmou que o bebé tinha microcefalia e a amniocentese na vigésima oitava semana confirmou a presença do genoma do vírus e de anticorpos contra este, mas as análises deram negativas para outros vírus frequentes, como herpes, VIH, rubéola, entre outros. As análises de sangue e urina das mães deram negativo para zika.

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O vírus zika já tinha sido encontrado nos tecidos de bebés que morreram durante a gestação ou pouco depois do nascimento, todos eles com microcefalia – reforçando a ligação entre as duas situações, mas ainda sem estabelecer uma relação de causa-efeito. Um dos casos publicados mais recentemente foi o de uma grávida eslovaca, que tinha estado a trabalhar no Brasil desde 2013, e que descobriu que o bebé tinha microcefalia quando voltou ao país de origem. Perante a má-formação do feto, a mulher optou por abortar.

Os investigadores que reportaram o caso na conceituada revista médica The New England Journal of Medicine encontraram lesões no cérebro, assim como evidências da replicação do vírus neste órgão. Aparentemente o vírus terá atacado preferencialmente os neurónios, sem ter atacado outros órgãos do feto. Porém, a placenta da mãe também apresentava calcificações – uma reação de certos órgãos à infeção com vírus.

Na décima terceira semana de gestação a mulher teve febres altas, dores musculares fortes, dores na parte de trás do globo ocular e erupções cutâneas, mas as ecografias na semana 14 e 20 mostraram um crescimento normal do feto. Só na vigésima oitava semana, e já na Europa, é que foram detetadas as anomalias no desenvolvimento do feto, confirmando o atraso no desenvolvimento às 32 semanas.

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O número de bebés com microcefalia no Brasil é, atualmente, muito superior à média anual normal – 20 vezes maior segundo o artigo da The Lancet -, o que em parte justificou a classificação deste surto de microcefalia (e dos restantes problemas neurológicos que podem ou não estar associados ao zika) como uma emergência de saúde pública de interesse internacional pela Organização Mundial de Saúde.

O Ministério da Saúde já confirmou 508 casos de microcefalia ou outras alterações do sistema nervoso central com ligação a infeção durante a gestação. Existem 837 casos notificados que já foram descartados por apresentarem exames normais ou por apresentarem microcefalias ou alterações no sistema nervoso central que não foram causadas por uma infeção. Mas ainda existem muitos casos em investigação – entre 22 de outubro de 2015 e 13 de fevereiro de 2016 foram registados 5.280 casos suspeitos de microcefalia.