Sabe que numa conversa pode revelar muito mais que aquilo que efetivamente está a verbalizar? É comum ouvir pessoas que dizem ser “um livro aberto”. Outras que dizem que delas ninguém consegue extrair nada sobre o que está a pensar. Mas o nosso corpo não consegue ser assim tão neutro. Num workshop a que o Observador assistiu, Rui Mergulhão Mendes, especialista em comunicação não verbal e programação neurolinguística, explica como o afastamento do corpo, os toques no pescoço ou a simples postura do corpo revelam coisas que não imaginávamos.

O que o nosso corpo faz quando estamos a mentir

Rui Mergulhão Mendes salienta que existem “vários padrões de mentiroso” e diferentes “tipos de mentira”.

“O mentiroso não gosta de estar onde está a mentira”, afirma Mergulhão Mendes. E, por isso, existe tendência a:

  • Afastar o corpo, por exemplo, dando um passo atrás.
  • Afastar de forma verbal, ou seja, “tiramo-nos da conversa”. Diz-se a mentira e desvia-se a conversa para outro tema.
  • Toques assimétricos. Toques só com um ombro, ou o elevar de um canto da boca, que é um sinal de desprezo.
  • Enfatizar, ou seja, querer convencer o convencido.
  • Incoerências na linguística, “quando nos associamos e dissociamos das coisas” através da linguagem geram-se incongruências no discurso que podem denotar a mentira.

Quando se diz uma mentira, por exemplo, junto de conhecidos tem que se ter três aspetos em atenção:

  • Que a pessoa nos conhece
  • Que é necessário validar a história, porque é preciso convencer
  • Que não pode ser algo que descredibilize no futuro

As incongruências surgem, geralmente, porque se está “com o cérebro num lado e nós estamos noutro”, explica Rui Mergulhão Mendes.

O que o nosso corpo faz quando queremos acalmar

Os denominados pacificadores são “todos os toques que damos no corpo” para acalmar, atenuar inseguranças. “Acontecem quase sempre em relação ao que está a acontecer no momento”, refere Rui Mergulhão Mendes, especialista em linguagem não-verbal e programação neurolinguística. Ainda assim, é necessário perceber se os toques fazem parte do padrão comportamental do indivíduo ou se, realmente, é um toque para aliviar o stress emocional. Não são, obrigatoriamente, um sinal de mentira.

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  • O toque na covinha do pescoço – É um gesto que ajuda a acalmar, mas também pode ser um sinal de que a pessoa está tranquila. Ou seja, depende da situação em que a pessoa se encontra.
  • O toque atrás do pescoço – “Tremendo”. É uma “zona de desconforto, embaraço”. Os toques atrás do pescoço, atrás da cabeça representam “situações de muito maior embaraço”. E Mergulhão Mendes acrescenta que os “toques na parte frontal da cabeça” são sinal de mais proatividade do que na parte detrás, que indicam “mais embaraço”.
  • Tapar a boca, os olhos ou ouvidos – “Inconscientemente, quando estamos a ver algo de que não gostamos temos tendência a tapar a boca ou os ouvidos”. Mas, mais uma vez, Mergulhão Mendes refere que é preciso “não confundir” o tapar da boca de uma pessoa que está a pensar, “não tem a certeza do que está a dizer” e, “inconscientemente, tapa a boca para que aquilo que está a pensar não saia”.
  • Esfregar as mãos – Ajuda a “acalmar” e a “aliviar o stress”. Mas também pode ser sinal de conforto em relação ao frio.
  • O expirar – “É um pacificador tremendo”, refere o especialista em linguagem não-verbal. Quando se está a falar com alguém e a pessoa, a dado momento, expira pode ser sinal de stress. Ou seja, o que é que a pessoa esteve, até ali, a acumular para precisar de expirar? O que é está a stressar a pessoa? No entanto, pode ser usado quando se está a falar muito rápido e é necessário recuperar o fôlego.

O que o nosso corpo faz quando estamos confiantes

A sua postura permite, também, perceber se se sente ou não confiante. Se o seu foco, numa dada situação, for positivo o seu corpo vai refletir isso, o “corpo também ganha essa sensação” e a sua tolerância ao risco vai ser maior. Pelo contrário, se o foco for negativo a postura corporal que se tende a adotar é mais resguardada, tende-se a fechar mais os ombros.

Aqui, Rui Mergulhão Mendes acrescenta que, “quanto mais percebemos que o outro está em inferioridade”, mais o nosso corpo tende a “crescer”, e vice-versa. E quando a sensação é de alegria o corpo quer “expandir”, ao contrário daquilo que acontece quando se está deprimido – o corpo quer “fechar”.

Os estados de inferioridade e superioridade podem mostrar-se de outras formas. Por exemplo, quando falamos com alguém e colocamos a mão no ombro da pessoa. Mergulhão Mendes é sintético: “Geralmente colocamos a mão naquilo que é nosso”, ou seja, o gesto pode indicar que a pessoa se sente num estado de superioridade em relação àquela com quem conversa. No entanto, a linguagem corporal deve estar em “consonância” com aquilo que está a ser dito porque, se assim não for, “começamos a questionar” o que poderá estar errado naquela situação.

O estar sentado com as mãos e os pés recolhidos pode ser um sinal de desconforto, ao passo que estar sentado, por exemplo numa reunião, de costas para a porta pode causar desconforto porque “não ver o que está atrás deixa-nos fora de segurança”, o cérebro acaba por não estar totalmente focado naquilo que se está a passar na reunião porque existe outra preocupação.

O que nosso corpo faz quando estamos retraídos

Quando numa conversa com outra pessoa pode ter-se em conta a proximidade, a forma “como nos posicionamos em relação aos outros”, porque o “afastar ou aproximar em relação ao que está a ser dito” pode dizer-nos se a pessoa aceita ou repudia o que se está a dizer. Se está, ou não, confortável.

Normalmente “afastamo-nos daquilo que nos repudia, inconscientemente”. Por exemplo, quando nos dizem um preço e não aceitamos temos tendência a afastarmo-nos, pode ser um passo atrás. Ou quando nos invadem o espaço pessoal e não nos sentimos confortáveis com isso. O especialista em comunicação não-verbal refere que existem outras formas de “defesa”, além do afastamento. A colocação de “barreiras”.

  • Colocar um pé mais à frente em relação à posição do corpo
  • Pôr uma mala à nossa frente
  • Dispor material (cadernos, tablets, livros…) à frente do corpo quando nos sentamos à mesa durante uma reunião
  • Estender a mão para cumprimentar, ou inclinar o corpo para a frente, evitando demasiada proximidade.

Estas são algumas das formas que as pessoas encontram para criar “barreiras”, formas encontradas “para se esconderem das coisas”.

Uma das formas que pode ser usada para tentar avaliar o grau de intimidade entre duas pessoas é a proximidade existente quando se cumprimentam. “Quando as pessoas se encostam para se cumprimentarem pode indiciar um maior grau intimidade” do que aquela que era suposto. Num cumprimento a alguém com quem não somos assim tão íntimos “uma bola de basquetebol no meio já é seguro”, exemplifica Mergulhão Mendes.

O que o nosso corpo faz quando estamos em stress

Neste ponto, o especialista em linguagem não verbal e programação neuro-linguística diz-nos que é importante “perceber como as pessoas estão”, ou seja, qual é o seu comportamento base. Isto porque é no desvio do comportamento padrão que “vamos encontrar aquilo que nos interessa”, as alterações emocionais. É por isso que Rui Mergulhão Mendes salienta que, por exemplo nas reuniões, é importante “deixar a pessoa tranquila”, não entrar diretamente no tema, e perceber como é que a pessoa cruza os braços, as pernas, como dispõe o corpo, qual a postura, a forma como olha… Para, depois, conseguir perceber quais são as alterações comportamentais.

Mergulhão Mendes ilustra este tópico com um episódio relatado por um autor deste tema. O investigador contava que estava a fazer uma entrevista a uma senhora e que, a partir de um dado momento, essa senhora começou a mostrar-se mais inquieta, numa situação de desconforto. Então, o investigador fez algumas perguntas de despistagem para tentar perceber o que é que tinha provocado essa alteração comportamental. Sem o conseguir fazer, e continuando a senhora a mostrar sinais de inquietação, o investigador porque é que senhora se começou a sentir desconfortável quando introduziu na conversa o tema diferente. Ao que a senhora respondeu que o tema não a incomodava, mas estava preocupada porque o tempo limite do parquímetro do seu automóvel já tinha passado. O que quer dizer que “nem sempre” se consegue perceber qual o motivo da alteração emocional.

Mesmo a “forma como nos sentamos e a forma como o fazemos pode aumentar a inferioridade”, ou vice-versa. Por exemplo, estando num grupo de quatro pessoas com as cadeiras em fila, se a pessoa estiver sentada numa das pontas e estiver mais inclinada para o lado de fora, então essa pessoa tem mais dificuldade em incluir-se no grupo.

Mas não se pode dizer que um único gesto “quer dizer isto ou aquilo”. “Fazer afirmações positivas” ao mesmo tempo que se fazem “negações de cabeça” pode ser “um forte indício da mentira” – “o nosso cérebro, por norma, diz com os gestos aquilo que contradizemos com a fala”. No entanto, Mergulhão Mendes é preciso ver “se é ou não um padrão da pessoa” e o especialista dá como exemplo Martin Luther King, que no seu discurso fazia afirmações sobre o seu “sonho” ao mesmo tempo que abanava a cabeça. “Se este não fosse o padrão dele, ou se pudéssemos olhar de forma isolada, diríamos que o senhor estava a mentir. Mas não, é a forma dele de comunicar”, esclarece Mergulhão Mendes, acrescentando que “temos que perceber qual é a forma de comunicar, qual é o padrão de comunicação para depois perceber qual é o desvio em relação ao comportamento”.

O mesmo se aplica às pausas no discurso: os “ahh, ahhh…”, que podem ser um indício de incongruência, ou mentira, mas também pode ser um padrão da comunicação da pessoa em concreto, como é o caso do treinado de futebol Paulo Bento. “Todo o contexto condiciona o nosso comportamento, a nossa linguagem corporal”, destaca Mergulhão Mendes.

O que o nosso corpo faz quando queremos criar empatia

“A capacidade de entrar no mundo de alguém, fazê-lo sentir que é compreendido”, ou seja, “criar empatia com o outro” é essencial para que exista “comunicação efetiva”, afirma Mergulhão Mendes.

Quando se estabelece empatia com alguém “o nível de ameaça” começa a baixar, a pessoa “deixa de ser uma ameaça e passa a ser igual” a nós. Ora, “se é uma pessoal igual, então é uma pessoa OK, e em quem eu posso confiar do ponto de vista do compromisso”. “Através do espalhamento”, ou seja, tornarmo-nos igual ao outro, “também conseguimos fazer isto”.

“Quanto mais próximos estivermos do outro do ponto de vista físico”, menos essa pessoa é uma ameaça “e os nossos níveis de alerta baixam”. Imagine que está a falar com alguém e assume uma postura mais ríspida. A pessoa com quem está a falar vai ficar “mais alerta”. Por outro lado, se a sua postura for mais descontraída, a outra pessoa também se vai sentir mais à vontade.

Quando existe uma quebra na empatia criada há tendência a querer voltar a essa mesma empatia. O “está bem, pronto, deixa lá…”, o tentar encontrar uma solução, é uma forma de “voltar a conectar com o outro”. “É na empatia que o cérebro quer estar”. E para voltar à empatia podemos querer dar aquilo que anteriormente recusámos, e que foi o motivo da quebra da empatia. A consciência disto pode “ajudar muito nos processos de negociação”.

Falemos, ainda, na diferença de alturas. Pessoas mais altas tendem a ser assumidas como sendo dominantes. Num encontro com o Papa, Barack Obama (que é significativamente mais alto) optou por “fazer desaparecer o corpo”, ficando nivelado com o Papa, não ficando numa posição de superioridade.

“Os políticos começaram a perceber que, se estiverem parecidos com o outro, deixam de ser uma ameaça”, o outro “começa a sentir-se bem” quando está igual. Por exemplo, cruzar as pernas e colocar as mãos da mesma forma. Se se estiver igual não se é uma ameaça para o outro e o outro não é uma ameaça para nós.

No entanto, Mergulhão Mendes avisa:

  • “Não se deve usar e abusar do espelhamento”. Espelhamento em demasia pode fazer o outro ficar incomodado.
  • “Não se deve ir para campos que não se domina”. “Há pessoas que não querem” que se seja igual a elas se não se estiver ao nível dela. “É preciso saber até onde é que o outro nos deixa ir para sermos igual a ele. Temos que saber calibrar” o espelhamento, avisa o especialista em linguagem não verbal.
  • “Temos que ser nós, não podemos ganhar a capacidade de comunicação do outro” porque “desenvolver um boneco vai correr mal”, resume Mergulhão Mendes. O que é necessário é “viver estados mentais” que nos levem onde queremos ir.

Numa próxima conversa saiba ao que deve estar atento mais em particular:

Os pés

Mergulhão Mendes argumenta que “os pés são muito honestos”, refletem aquilo que se está a pensar. Por exemplo:

  • “Quando é hora de ir, um dos pés aponta na direção da saída”. “Geralmente” os pés dão indicação do sítio de interesse naquele momento. Assim, se estiver interessado em ir embora, os seus pés tendem a estar virados na direção da saída
  • Durante uma conversa em grupo para quem é que estão virados os pés? Essa pessoa é, “normalmente”, o foco da atenção, a figura central, ou seja, para quem tem interesse.
  • Quer conversar com alguém e vai ter com a pessoa que, por exemplo, está a falar com outro indivíduo. Os pés da pessoa com quem quer falar viraram-se para si? Se não, talvez seja melhor esperar mais um pouco porque a pessoa pode não o estar a acolher na conversa que está a ter. Quando a pessoa está disposta a receber-nos costuma virar-se totalmente para nós.
  • Criar uma barreira com a perna. Quando estamos a falar com alguém e essa pessoa está sentada com a perna cruzada, mas de lado, pode ser sinal indicativo que não estar a gostar daquilo que está a ir na sua direção. A pessoa cria uma barreira com a perna para se escudar.

O tronco

O tronco pode ser uma indicação daquilo que gostamos, ou não, salienta Mergulhão Mendes. “Um bocadinho aquilo que se passa com os pés”, compara Mergulhão Mendes.

  • Tronco colocado de frente e direito – a pessoa está confortável.
  • Tronco afastado para trás – o repelir de algo. As pessoas têm tendência a repelir, a afastar-se, daquilo de que não gostam.

A cabeça e o pescoço

  • A inclinação da cabeça. Ocorre, normalmente, quando se está confortável. Não é usual expor a carótida quando não se está confortável, existe uma tendência para proteger.
  • Cabeça direita. Quando se está a ter uma “conversa rígida ninguém inclina a cabeça”.

Os braços

  • Cruzar os braços. Cruzamos os braços mais em público do que em privado para, por exemplo, disfarçar o incómodo, tornarmo-nos iguais ao outro para criar relação de empatia, parecermos maiores, ou seja, assumir uma pose de poder. “Somos maiores quando estamos confiantes”, esclarece o especialista.
  • Gestos imperativos, por exemplo um braço em riste.

As mãos

Rui Mergulhão Mendes esclarece que o cérebro e as mãos “são complementares”. Por exemplo, quando estamos num estado emocional positivo, o “sangue flui” e ficamos com as “mãos mais quentes e maleáveis”. Existem vários gestos que fazemos com as mãos, por vezes sem pensar, que estão repletos de significado:

  • Esconder as mãos. “É terrível”, sustenta o especialista em linguagem não verbal.
  • Bloquear a boca com a mão. Tenta evitar dizer que, por exemplo, sabe que não é verdade; ou pode estar a pensar no assunto
  • Bloquear os olhos. Pode acontecer quando não se gosta do que se está a ver, ou por vergonha.
  • Toque na sobrancelha. Poder ser sinal de “expansão e abertura” em relação àquilo que está a ser dito. Um sinal de “alargar o campo de visão”.
  • Usar pouco as mãos, ou usar mal: “Não somos tão bem recebidos”.

Ilustração de Amélia Lageiro

*Editado por Helena Pereira