Mário Centeno afirmou esta terça-feira no parlamento que o governo está “aberto a um debate” sobre a reestruturação da dívida. Mas o ministro das Finanças sublinhou que só admite falar neste tema “em termos europeus”, uma declaração-chave para os mercados porque torna menos provável que o governo “venha a instigar uma reestruturação da dívida envolvendo os investidores privados”, diz ao Observador um analista em Londres. Se as instituições vierem a aliviar o fardo do que Portugal deve a esses fundos, isso até tornará a outra dívida – a que está nos mercadosmenos arriscada. Afinal de contas, Portugal já teve uma operação da alívio das condições da dívida, em 2013, pela mão de Vítor Gaspar – e isso foi decisivo para o regresso aos mercados.

“Não o suscitaremos, mas estaremos lá para esse debate”, afirmou o ministro das Finanças na terça-feira. Perante a pressão dos partidos da esquerda no sentido de uma reestruturação da dívida, Centeno disse que o governo não tem, “necessariamente, uma posição coincidente” com os partidos que suportam a maioria parlamentar. Mas deixou claro que, a surgir este debate, isso só acontecerá num contexto “europeu”.

Vários analistas com quem o Observador tem falado nas últimas semanas têm alertado para os riscos associados a falar em reestruturação da dívida numa altura em que os mercados globais estão nervosos e Portugal já esteve no olho do furacão devido às negociações do Orçamento em Bruxelas. Contudo, Richard McGuire, chefe da estratégia em dívida pública europeia do Rabobank, diz que “os mercados ignoraram esta declaração, porque parece que fica claro que Portugal não está interessado em instigar uma reestruturação da dívida envolvendo os investidores privados”.

Peter Schaffrik, do RBC Capital Markets, tem uma leitura semelhante das declarações de Mário Centeno.

Presumo que ele [Mário Centeno] quer dizer que, se houver um debate sobre dívida a um nível europeu – presumivelmente relacionado com a Grécia – e alguns países (incluindo a Grécia) passarem a beneficiar de condições melhores, Portugal irá exigir o mesmo tratamento.

Há “reestruturações de dívida” e “reestruturações de dívida”

Para os analistas e os investidores privados na dívida pública – aqueles cujos negócios fazem subir e descer os juros nos mercados, diariamente – há reestruturações de dívida e reestruturações de dívida:

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  1. Uma coisa é uma tentativa unilateral de reduzir o valor de toda a dívida – incluindo a que está nos investidores privados –, na linha do que Alexis Tsipras e o Syriza defendiam, sobretudo antes das eleições de janeiro de 2015. Ou, então, uma reestruturação da dívida como a que a Grécia fez no início de 2012, em que os investidores privados foram convidados a participar numa “troca voluntária” dos seus títulos por outros com menor valor e prazos mais longos.
  2. Outra coisa é um eventual acordo com os parceiros europeus para uma revisão das condições associadas aos empréstimos europeus, de alguma forma, deixando os investidores privados incólumes. É assim que Peter Schaffrik interpreta as declarações de Mário Centeno e o que pode acontecer em Portugal: “Julgo que poderemos estar a falar de alguma coisa como o que foi feito em 2013 – novas extensões de maturidades e redução das taxas de juro, se é que ainda é possível baixar mais”.

O especialista recorda, assim, que enquanto em Portugal se falar em reestruturação da dívida “em termos europeus” – e se não se falar em perdas para os investidores privados – isso não deverá ter qualquer impacto para os juros da dívida e para o nível de acesso ao mercado pelo Tesouro português. Poderá, até, melhorar o risco de Portugal porque aliviaria a dívida total do país sem impor perdas nas obrigações do Tesouro que estão no mercado.

“É isso que a maioria dos investidores acredita que irá acontecer, de qualquer forma”, diz Schaffrik, ao Observador. E foi isso, aliás, que já aconteceu em 2013. Em abril desse ano, o ministro das Finanças de então, Vítor Gaspar, obteve junto dos parceiros europeus uma extensão das maturidades e redução dos juros que beneficiou também a Irlanda.

Portuguese Finance Minister Vitor Gaspar listens to his advisor prior to a meeting with European finance ministers on November 13, 2012 at the EU Headquarters in Brussels. Ministers focus on how to boost the slumping economy and the bloc's hotly contested budget after their eurozone peers reported progress on solving Greece's bailout problems. AFP PHOTO GEORGES GOBET (Photo credit should read GEORGES GOBET/AFP/Getty Images)

A extensão das maturidades dos empréstimos europeus “abriu espaço” para o regresso aos mercados em Portugal (Foto: GEORGES GOBET/AFP/Getty Images)

Nessa altura, os empréstimos europeus – no caso de Portugal, cerca de 50 mil milhões de euros – viram os respetivos prazos alargados em sete anos, para uma média de 19,5 anos. E, a partir daí, os empréstimos passaram, também, a ter um custo pouco superior àquilo que os próprios fundos pagavam para se financiar no mercado – e entregar a Portugal.

A decisão viria a ser oficialmente ratificada em junho e seria decisiva para que Portugal conseguisse chutar para a frente muitos pagamentos de dívida (à Europa), abrindo espaço para que o IGCP conseguisse fazer emissões de dívida pública em mercado. Foi decisivo para o processo de regresso aos mercados, mas ninguém lhe chamou uma reestruturação da dívida, apesar de na realidade ter sido uma medida de alteração das condições inicialmente previstas no pagamento da dívida. Chamou-se a esta operação o rescalonamento da dívida.

E a Europa estará disponível para o “debate”?

Michael Michaelides, analista do Royal Bank of Scotland, também em Londres, diz ao Observador que “é claro que qualquer reestruturação dos empréstimos europeus sem envolvimento do setor privado seria muito útil e melhoraria o risco das Obrigações do Tesouro português”. Mas será que isso pode acontecer?

Nesta fase, parece-me quase certo que o governo alemão, bem como o holandês, o austríaco e o finlandês irão resistir muito vigorosamente a quaisquer iniciativas deste género. Porquê? Porque é provável que haja atrasos na conclusão da primeira avaliação ao programa grego e, por outro lado, porque novas eleições em Espanha são muito prováveis e um debate a este respeito só iria incentivar o Podemos a fazer uma exigência semelhante para viabilizar qualquer governo futuro naquele país.