O Governo não foi apanhado de surpresa com o voto contra dos sociais-democratas tanto na votação final do Orçamento do Estado para 2016 como na votação artigo a artigo. Quando se sentaram para começar a delinear o que seria um Orçamento de Estado apoiado pelos quatro partidos de esquerda (PS, PCP, BE e Os Verdes), os socialistas tentaram ‘limpar’ do documento aquilo que poderia constituir obstáculo (e que poderia ser contornado), confirmou o Observador.

Evitaram, por exemplo, medidas que não tivessem que constar na proposta de Orçamento e não tivessem que ser votadas em plenário, acentuando as divergências naturais e reconhecidas por PS, Bloco e PCP. Assim, todas as medidas que pudessem ser resolvidas por despacho governamental ou definidas por portaria foram esvaziadas do Orçamento – foi o caso do aumento do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos. Apesar de se tratar de um imposto (matéria da reserva da Assembleia), o aumento situou-se dentro da margem para a qual o Governo tinha autorização para legislar. Mas há outros exemplos: os artigos que falam em reorganizações de serviços públicos e redução de pessoal desapareceram bem como o artigo do controlo de recrutamento de trabalhadores nas administrações regionais e na área da saúde, o da redefinição do uso dos solos ou algumas cativações da despesa.

Da parte do BE, não deve haver grande resistência a votar a favor de artigos que no passado mereceram reprovação. “Nós [BE] vemos este Orçamento do Estado como um conjunto que é fruto da concretização dos acordos políticos assinadas entre os quatros partidos”, afirmou ao Observador Jorge Costa.

Um exemplo. Na discussão da especialidade do Orçamento do Estado para 2015, o Bloco de Esquerda votou contra o congelamento dos aumentos salariais na função pública (promoções e progressões na carreira). Esta medida, no entanto, mantém-se neste Orçamento. Se a aliança parlamentar de esquerda não conseguisse aprovar esta norma – ou seja, se PS, PCP e Bloco não votarem alinhados – o artigo não seria aprovado e a despesa, eventualmente, derraparia.

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Mesmo assim, Costa diz que ainda é muito cedo para dizer que medidas vão ser chumbadas, que diplomas vão ser objeto de propostas de alteração e que artigos vão ser chumbados. “O Bloco de Esquerda ainda não definiu o sentido de voto que vai adotar em cada medida que o Orçamento do Estado prevê”, sublinha.

Ora, mesmo não comentando este caso em particular e lembrando mais uma vez que o Bloco ainda não estudou o Orçamento medida a medida, Jorge Costa admite que o Bloco pode vir a alterar a orientação de voto que tradicionalmente assumiu para que o Orçamento não se desfaça em mil pedaços. Há o compromisso de aprovar o Orçamento e é isso que vai acontecer, garante.

João Oliveira, líder da bancada parlamentar do PCP, prefere não ir tão longe. Em declarações ao Observador, repete apenas que ainda há muito trabalho pela frente até haver uma posição sobre cada artigo que vai ser levado à discussão na especialidade. “A lista é longa e é preciso estudar criteriosamente cada proposta”, frisa o comunista.

Além de prudentes, os dois partidos concordam noutro ponto: nas críticas aos sociais-democratas. Jorge Costa, de resto, chega mesmo a acusar o PSD “de cinismo político”, cujo único objetivo é procurar “criar divergências” entre os quatro partidos da maioria de esquerda.

O partido liderado por Pedro Passos Coelho votou contra o Orçamento do Estado para 2016 na votação na generalidade e anunciou que o voltará a fazer na votação final, marcada para dia 16 de março, bem como na votação artigo a artigo que e feita na comissão de Orçamento. Mais: não apresentará qualquer proposta de alteração e vai abster-se nas propostas que os restantes partidos vierem a apresentar.

Esta é a estratégia estudada ao pormenor por Passos, que quer assim afastar-se o mais possível deste orçamento. “Assim, fica claro que o Governo governará com o seu orçamento, e não com o da oposição. E que o seu orçamento depende, como não poderia deixar de ser, das escolhas feitas por quem o apoia”, disse o líder do PSD esta semana.

Na altura em que anunciou esta decisão, e confrontado com a hipótese de esta estratégia esconder em si mesma um ato de desresponsabilização política, Passos descartou essa hipótese e foi perentório: “O PS não pode governar com o voto radical e populista dos partidos de esquerda e com o sentido de responsabilidade dos partidos que estão à sua direita”.

Durante a discussão e votação da proposta de Orçamento do Estado na generalidade, Pedro Passos Coelho voltou a explicar o porquê de não apresentar qualquer proposta de alteração. “[Este Orçamento] – um presente envenenado para os portugueses – não tem arranjo possível. É legítimo que quem governa o faça com as suas escolhas e não com as escolhas da oposição”.

O último Orçamento, o de 2015, tinha 244 artigos. Sabe em quantos os partidos de esquerda se mostraram desunidos votando de forma diferente entre si? 162. O Observador consultou todos os artigos do Orçamento para 2015 e fez o levantamento das votações. As maiores diferenças aconteceram em temas como o controlo de despesas (as cativações ou a reforma da organização dos ministérios), massa salarial do Estado ou autarquias (por exemplo, sobre o Fundo de Emergência Municipal). Mesmo no dinheiro canalizado para a Grécia ou nas transferências para fundações votaram de forma diferente.

O Orçamento para 2016 tem 188 artigos. Mesmo assim há artigos que mereceram o voto contra do PCP e do BE que se mantêm quase inalterados.