Paulo Pires tem figurino dos designers Storytailors e aparece de corpete e vestido, com longos cabelos louros. Diogo Amaral, com roupa de Miguel Vieira, surge de cabelo em cachos e uma barba feita de flores. Soraia Chaves, vestida por Luís Carvalho, usa bigode. E o mesmo acontece com Filomena Cautela, cujo figurino é assinado por Nair Xavier. Benedita Pereira, como se fosse um boneco Playmobil, ostenta roupas do projeto Awaytomars. São cinco dos atores portugueses que aceitaram participar numa produção de moda especial.

Além deles, outros 15 atores estiveram envolvidos no projeto “Gineceu Androceu”. O resultado pode ser visto na exposição fotográfica com o mesmo título – a partir de 11 de março nos Paços do Concelho, em Lisboa, com entrada livre.

Com direção artística do ator, encenador e designer João Telmo, a exposição faz parte do programa oficial da ModaLisboa, que decorre entre 10 e 14 de março no Pátio da Galé e na Praça do Município.

“Criámos um look (visual) e um mood (estado de espírito) para cada um dos atores e foi muito interessante verificar que a partir do momento em que existe peruca, pestanas postiças, barba ou vestido a pessoa muda imediatamente”, conta João Telmo.

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“Na sala de maquilhagem, houve logo mudança, foi notória uma mudança corporal. De repente, uma mulher tem uma barba enorme colada, vê-se ao espelho e isso tem um efeito sobre o seu comportamento”, acrescenta.

A base teórica deste trabalho situa-se, portanto, nas Teorias Queer, segundo as quais os géneros masculino e feminino têm uma dimensão de performance e são uma construção cultural feita a partir dos dois sexos, tidos como circunstâncias biológicas. Não existiria, assim, necessária correspondência entre masculino (género) e homem (sexo) ou entre feminino e masculino.

Foi essa a tese estabelecida em 1990 pela filósofa norte-americana Judith Butler, através do livro Gender Trouble, que entretanto se tornou uma referência. A autora esteve em Lisboa no ano passado, no Teatro Maria Matos, para uma conferência sobre o tema.

“Interessou-me a performance que surgiu no corpo destes 20 atores quando os caracterizámos com códigos comummente ligados ao feminino e ao masculino”, sublinha o diretor artístico. “Quis desfazer a ideia heteronormativa de que o homem e a mulher têm de ser desta e daquela forma. Aprendi com Judith Butler que a feminilidade não pertence só às mulheres e a masculinidade não pertence só aos homens, em termos comportamentais. Esses conceitos estão ultrapassados em 2016. A expressão ‘ela é que usa as calças lá em casa’, por exemplo, é um sinal de que continuamos a atribuir ao masculino a ideia de domínio.”

João Telmo decidiu trabalhar com atores, alguns deles seus amigos, por serem pessoas que “têm ferramentas para encarnar um duplo de forma rápida.” Mas de entre os 20 nomes há um que não pertence ao mundo da representação. É o de Cláudia Efe, vocalista da banda Micro Audio Waves. “Mas ela tem um lado performativo enorme”, justifica João Telmo.

Quanto às roupas e acessórios, foram cedidos por 11 estilistas e designers portugueses, alguns já estabelecidos, como Dino Alves e Katty Xiomara, outros a darem os primeiros passos, como Ceagagê e Luís Carvalho.

As fotos são assinadas por Telmo Pereira e foram feitas entre 25 de janeiro e 1 de fevereiro na zona de São Bento, em Lisboa. “Foi na casa de uma amiga, que estava prestes a mudar-se para lá”, recorda o diretor artístico. “Tem muita luz e boa energia. Transformámo-la em estúdio, com espaço para maquilhagem e cabeleireiro. Foi melhor do que num estúdio de fotografia.”

É extensa a lista completa dos que por lá passaram: Benedita Pereira, Carla Bolito, Cláudia Efe, Cristóvão Campos, Diogo Amaral, Filomena Cautela, Inês Castel-Branco, João Telmo, Manuel Moreira, Martim Pedroso, Maya Booth, Miguel Damião, Nuno Gil, Paulo Pascoal, Paulo Pires, Romeu Costa, São José Correia, Sofia Soares Ribeiro, Soraia Chaves e Vera Kolodzig.

Com um metro e dez por 80 centímetros, as imagens são impressas a preto e branco, em papel mate, e vão estar à venda durante a exposição. O preço será divulgado no dia de abertura e, segundo João Telmo, 30% do valor reverte para a Abraço, associação de apoio a pessoas seropositivas. “Como artistas, devemos tentar que o nosso trabalho atinja outros patamares, sem ser só o nosso ego ou o nosso sucesso”, justifica.

Depois da ModaLisboa, “Gineceu Androceu” deverá apresentar-se em várias cidades portuguesas, mas as datas não estão fechadas. Só depois dessa itinerância os potenciais compradores terão acesso às imagens.