As células estaminais hematopoiéticas – aquelas que darão origem a todos os tipos de células do sangue e do sistema imunitário – não aparecem do nada, mas até agora o processo não era bem conhecido. A equipa de Filipe Pereira, investigador no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, encontrou os precursores destas células (as que lhes deram origem) no embrião e na placenta. Os resultados foram apresentados esta segunda-feira na revista científica Developmental Cell.

Seguiram uma nova forma de abordagem, como contou Filipe Pereira ao Observador. O trabalho começou em laboratório, numa caixa de petri, quando estudavam como transformar células da pele – fibroblastos – em células estaminais do sangue. Mas este processo deu-lhes pistas sobre como podiam procurar, nos embriões, as células precursoras que dão origem a este tipo de células estaminais. Passaram do in vitro para o in vivo, mas por enquanto só em ratos de laboratório.

“Não obstante o grande investimento feito nesta área de investigação nos últimos 50-60 anos, têm continuado por estabelecer quer a origem destas células [estaminais hematopoiéticas] durante o desenvolvimento embrionário”, confirma ao Observador Perpetua Pinto-do-Ó, investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, que não fez parte do estudo.

Quando estavam a transformar fibroblastos em células estaminais do sangue, os investigadores perceberam que as células passavam por uma “célula transitória” com características próprias e marcadores próprios – moléculas específicas que as sinalizam como diferentes das restantes -, explicou o investigador. Depois foi só procurar estes marcadores nos embriões de ratos de laboratório e lá estavam eles – não só nos embriões, mas nas placentas também.

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Filipe Pereira fala das portas que se vê abrirem com estes resultados. A sua equipa já se encontrava a testar se os fibroblastos humanos conseguiam originar células estaminais do sangue como nos ratos de laboratório. Tudo indica que sim e que o processo é equivalente. Agora que já sabem como é que as precursoras dão origem às células estaminais do sangue no embrião, invertem a investigação outra vez e podem tentar replicar o processo nos fibroblastos.

Na verdade, os investigadores conseguiram mapear todos os genes em termos individuais e da população de células e perceber quais os mais importantes na geração das células estaminais do sangue. Sabendo que “interruptores” se devem ligar para aumentar a produção e replicação destas células, os investigadores poderão no futuro ter mais facilidade em aumentar o número de células para transplante – uma das maiores limitações dos transplantes com células estaminais.

“No organismo adulto a frequência de células estaminais do sangue na medula óssea é relativamente baixa e não conhecemos os fatores necessários à sua expansão [replicação]. Assim, um melhor conhecimento da origem e da geração destas células poderá constituir um avanço por permitir o acesso privilegiado a células que contem a informação que necessitamos descodificar”, explica Perpetua Pinto-do-Ó, presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular.

Sabendo que as células precursoras podem ser encontradas tanto nos embriões como nas placentas de ratos de laboratório, Filipe Pereira já pensa num novo projeto que inclua células humanas, nomeadamente da placenta. O projeto vai contar com a colaboração de duas universidades britânicas (Oxford e Manchester) e neste momento procura um parceiro português que possa fornecer o material biológico – placentas resultantes de partos ou de interrupções voluntárias de gravidez.

O avanço desta investigação e dos vários caminhos aqui apresentados poderá vir a mostrar-se importante nos casos de transplante de medula óssea, como também nos casos dos doentes que precisem de ajuda na formação de novos vasos sanguíneos – é que as células precursoras, antes de originarem células estaminais sanguíneas, têm a capacidade para formar células dos vasos.