Uma das fontes de riso de “Na Onda”, a segunda longa-metragem realizada por Helen Hunt (que também assina o argumento e interpreta), é ver a sua personagem, Jackie, uma novaiorquina divorciada, viciada no trabalho (é editora de ficção numa revista do tipo da “The New Yorker”) , convencida e mandona, pensar que se nasce a saber fazer “surf”, e depois engolir pirolito atrás de pirolito sempre que cai da sua prancha, na rebentação de uma praia da Califórnia, ante o olhar meio paciente, meio divertido, do seu instrutor (Luke Wilson).

É que Jackie está mesmo a pedi-las. Além de andar sempre de nariz arrebitado e de falar de alto para toda a gente, ela é uma mãe extremosa ao ponto do sufoco, monitorizando até à mais ínfima vírgula as ambições literárias de Angelo, o seu filho único, adolescente e candidato a escritor, e teleguiando-o para um curso universitário a que ele torce o nariz. Não admira que Angelo (Brendon Thwaites) desista de estudar sem lhe dizer nada e aproveite as férias de verão na Califórnia com a nova família do pai, para se dedicar ao “surf”. Abananada, a mãe-galinha mete-se num avião para a costa Oeste, aluga uma limusina, transforma o estóico motorista em pau-para-toda-a-obra e começa a espiar o filho. Daí a cair vezes sem conta de uma prancha de “surf” e a engolir água do Pacífico, vai um salto.

[Veja o “trailer” de “Na Onda”]

“Na Onda” foi rodado em 2014 e só agora chega aos cinemas portugueses, tendo sido feito pela atriz em regime independente, tal como a sua estreia atrás das câmaras, “Até que me Encontrou”, de 2007. É uma comédia amável sobre uma mãe e um filho excecional e excessivamente empáticos e interdependentes, escrita e dialogada com graça e ritmo q.b. (Hunt escreveu alguns episódios da série “Doido por Ti”, e vê-se que trouxe o que lá aprendeu para o cinema), embora a certa altura comece a seguir por águas familiares e previsíveis, confundindo-se sobre que tipo de filme quer ser, mais ligeiro e despretensioso, ou mais dramático e sentencioso. Mas Helen Hunt, com o seu enorme “métier” e carisma cómico, na pele da prepotente, condescendente e mesmo assim atraente Jackie, funciona como a Araldite que mantém “Na Onda” unido e acima do nível da água.

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[Veja a entrevista com Helen Hunt]

A exemplo da intérprete de “Doido por Ti”, “Melhor é Impossível”, “O Que as Mulheres Querem” e “Seis Sessões”, vários outros nomes de Hollywood têm ido para trás das câmaras, não se contentando em ficar só à sua frente a ser dirigidos por outros. Eis dez dentre eles, pertencentes a várias gerações.

RYAN GOSLING – A estreia na realização do intérprete de “Drive” e “Como um Trovão” não foi auspiciosa. “O Rio Perdido” (2014), que Gosling também escreveu, um conto de fadas realista passado numa cidade do interior dos EUA devastada pela crise, foi implacavelmente demolido pela crítica. E a verdade é que o filme, pretensioso, errático, com ademanes lynchianos e involuntariamente ridículo, não tem praticamente ponta por onde se lhe pegue. Gosling, no entanto, esmerou-se no elenco, sobretudo na escolha das atrizes: Saoirse Ronan, Eva Mendes, Christina Hendricks e a veterana Barbara Steele. O ator aguentou a desfeita e disse que quer continuar a realizar.

[Veja o “trailer” de “Rio Perdido”]

JAMES FRANCO — Não contente em interpretar um cacho de filmes por ano, James Franco ainda arranja tempo para realizar mais uns quatro ou cinco, sempre com orçamentos económicos, muitos dos quais em que também entra. Só este ano, o prolífero ator e realizador tem meia-dúzia de títulos alinhados, entre eles “Tenn”, sobre a juventude e o início da carreira nas letras de Tennessee Williams, e “In Dubious Battle”, a partir do romance “Batalha Incerta”, de John Steinbeck (Franco, que também é poeta e contista, tem um fraquinho por biografias de escritores, adaptações de livros e temas literários em geral — até já filmou “O Som e a Fúria”, de William Faulkner).

[Veja o “trailer” de “O Som e a Fúria”]

https://youtu.be/Qs6rYmlP2oM

ETHAN HAWKE – Também escritor publicado, tal como o seu colega James Franco, Ethan Hawke tem, ao contrário deste, apenas três filmes realizados: “Chelsea Walls” (2001), passado no lendário Chelsea Hotel de Nova Iorque, “O Estado Mais Quente” (2006), baseado no seu romance homónimo, uma história de amor entre um jovem ator (texano, como Hawke) que quer vingar em Nova Iorque, e uma cantora e compositora hispânica, e “Seymour: An Introduction”, um documentário sobre o pianista, compositor e professor de música Seymour Bernstein, seu amigo e mentor artístico.

[Veja o “trailer” de “O Estado mais Quente”]

BEN AFFLECK – Como ator, Ben Affleck é, salvo raríssimas exceções, um podão. Como realizador, sai-se muito, mas muito melhor, a julgar pelos dois belos “thrillers” que já assinou, “Vista Pela Última Vez…” (2007) e “A Cidade” (2010). Já “Argo” (2013), apesar de ter ganho três Óscares, não está à altura destes. Não contente em ir interpretar Batman em “Batman vs Super-Homem: O Despertar da Justiça”, em “Esquadrão Suicida” e nos filmes de “The Justice League”, Affleck irá também realizar um filme sobre o Homem-Morcego. Mas antes disso, já acabou a rodagem de “Live by Night” passado no submundo dos EUA durante a Lei Seca.

[Veja o “trailer” de “A Cidade”]

BEN STILLER – Antes de realizar a sua primeira longa-metragem, “Jovens em Delírio” (1994), que continua a ser a melhor que já fez, já Ben Stiller tinha muita rodagem na televisão, nomeadamente a assinar episódios do seu “The Ben Stiller Show”. Do que realizou de então para cá, sobressai apenas “Zoolander” (2001), sátira certeira ao mundo da moda (a continuação, “Zoolander 2”, estreada este ano, era dispensável), e alguns momentos do ambicioso “Tempestade Tropical” (2007). Vai voltar a realizar para a televisão, com a série de ficção científica “Super Sad True Love Stories”.

[Veja o “trailer” de “Jovens em Delírio”]

AL PACINO – Um dos raros bons papéis recentes de Al Pacino é num filme que ele próprio realizou, “Salomé” (2013), adaptação da peça de Oscar Wilde. Pacino interpreta o rei Herodes e dá todo o espaço a Jessica Chastain para ela brilhar no papel do título. Aliás, os quatro filmes que o ator assinou apresentam a particularidade de ter todos a ver com teatro, a começar pelo primeiro, o documentário “À Procura de Ricardo III” (1996), uma atarefada reflexão sobre a peça de Shakespeare. Outro documentário, “Wilde Salome” (2011), funciona como preâmbulo ao filme de 2013. E há ainda o curioso e pouco conhecido “Chinese Coffee” (2000), que filma a peça de Ira Lewis, com Pacino no papel de um escritor sem cheta e sem sucesso.

[Veja o “trailer” de “Salomé”]

DUSTIN HOFFMAN – O único filme realizado até agora por um dos maiores atores americanos, “Quarteto” (2012), junta um ramalhete de grandes colegas seus britânicos – Maggie Smith, Tom Courtenay, Michael Gambon, Pauline Collins – e foi rodado em Inglaterra com um pequeno orçamento, baseado na peça homónima de Ronald Harwood. O enredo passa-se numa casa de repouso para músicos e cantores líricos reformados. A instituição está ameaçada de fecho por razões financeiras, mas as receitas da récita anual poderão salvá-la. Desde a década de 70 que Hoffman queria experimentar a realização, mas por uma razão ou outra, a oportunidade nunca se tinha proporcionado.

[Veja o “trailer” de “Quarteto”]

GEORGE CLOONEY – As incursões de George Clooney na realização têm sido muito desiguais. Dois bons filmes políticos, “Boa Noite, e Boa Sorte” (2005), sobre o confronto do jornalista Ed Murrow com o senador Joseph McCarthy nos anos 50, e “Nos Idos de Março” (2011), onde também interpreta um candidato à presidência dos EUA; dois falhanços, a comédia “Jogo Sujo” (2008), passada no meio do futebol americanos dos anos 20, e o péssimo filme de guerra “Os Caçadores de Tesouros” (2014). E ainda o desconcertante, inclassificável “Confissões de uma Mente Perigosa” (2002), sobre um famoso criador de concursos de televisão que terá sido agente da CIA durante a Guerra Fria. Clooney está a preparar a comédia policial “Suburbicon”, escrita pelos irmãos Coen.

[Veja o “trailer” de “Confissões de uma Mente Perigosa”]

TOMMY LEE JONES – Apenas dois filmes como realizador, mas que filmes. Ambos “westerns”, um contemporâneo, outro de época, que o ator também interpreta, os dois profundamente dramáticos, mas podados de todo e qualquer restolho sentimental. Em “Os Três Enterros de um Homem” (2005), Tommy Lee Jones interpreta um “cowboy” que tudo faz para cumprir a promessa de enterrar um amigo no México. Ganhou os prémios de Melhor Ator e Argumento em Cannes. E em “Uma Dívida de Honra” (2014), o ator e realizador é um vagabundo contratado para escoltar uma piedosa solteirona que vai levar a casa, numa caravana, três mulheres que a dureza da vida de pioneiro enlouqueceu.

[Veja o “trailer” de “Uma Dívida de Honra”]

ROBERT DUVALL – Um enorme ator que assinou cinco filmes que são outras tantas pérolas. “We Are Not the Jet Set” (1977) segue uma família de “cowboys” que ganha a vida a participar em “rodeos”. “Angelo My Love” (1983) é um documento único sobre os ciganos de Nova Iorque, onde os participantes interpretam versões ficcionais deles próprios. Em “O Apóstolo” (1997), Duvall personifica um pregador do Texas que cai em pecado e vai refazer a vida e redimir a alma no Sul. “Assassination Tango” (2002) segue um veterano assassino profissional (Duvall) contratado para matar uma alta patente militar na Argentina e se deixa seduzir pelo tango, e por uma bailarina. Em 2015, o ator realizou e interpretou “Wild Horses”, um policial passado nos nossos dias, nas paisagens míticas do “western”.

[Veja o “trailer” de “Wild Horses”]