“Houve muitos momentos marcantes ao longo da história do museu, mas este é sem dúvida o grande momento”, exalta o diretor do Museu Nacional Grão Vasco, Agostinho Ribeiro, de 58 anos. “É a comemoração verdadeiramente relevante.”

Refere-se ao centenário do museu viseense, que se assinala ao longo deste ano com exposições temporárias, conferências e publicação de livros, teatro e cinema, emissão de selos, lançamento de um vinho e visitas guiadas para adultos e crianças.

O momento mais importante terá lugar na próxima quarta-feira, dia 16, quando passam exatamente 100 anos sobre a publicação do decreto do governo que instituiu o museu. Nesse dia é inaugurada uma exposição multimédia que passa em revista a história de uma instituição que espera atingir este ano a fasquia ambiciosa dos 100 mil visitantes – bastante acima de alguns museus de Lisboa e do Porto.

A exposição tem entrada livre e mantém-se até junho. Nela são apresentados cinco núcleos temáticos, com obras de pintura, fotografias e filmes. E alguns objetos de arte que normalmente não estão expostos.

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Ainda na quarta-feira, logo de manhã, tem lugar uma missa na Sé de Viseu com o bispo Ilídio Leandro, o que demonstra a religiosidade associada a estas comemorações. É também lançado o vinho Grão Vasco Reserva do Museu 1996, edição numerada de cinco mil unidades, com garrafa de litro e meio. A apresentação de uma peça de cerâmica comemorativa e um concerto com o coro do Teatro Nacional de São Carlos são outros dos eventos.

O orçamento para as iniciativas do centenário “ultrapassa largamente o meio milhão de euros”, revela Agostinho Ribeiro, em entrevista ao Observador. O responsável não adianta, porém, o valor do orçamento anual do museu, que depende em larga medida de verbas da Direção Geral do Património Cultural, da Câmara de Viseu e do mecenato do banco Millennium BCP.

Novidade também este ano será o lançamento, já em abril, do site do museu, cuja presença na internet é hoje apenas uma página no Facebook. “O site está construído e só ainda não está no ar por razões burocráticas”, explica aquele responsável.

A história

Classificado em 2015 como museu nacional, o Grão Vasco tem uma coleção maioritariamente dedicada ao pintor Vasco Fernandes (cerca de 1475-1542), conhecido como Grão Vasco. Constam igualmente peças de arqueologia, pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, incluindo Columbano Bordalo Pinheiro, e peças de faiança, porcelana oriental e mobiliário.

É inaugurado durante a I República, numa altura em que a “ambiência cultural e mental leva à criação de museus nas capitais de distrito que sirvam de repositório para o que de mais importante aí existe em termos artísticos”, explica Agostinho Ribeiro. “Os objetos de arte são instrumentos de educação do povo, como então se dizia. Há dois ou três museus nacionais em Lisboa e o resto são museus regionais, com uma forte componente de arte religiosa, até porque, na sequência da lei de separação do Estado e da igreja, é preciso dar conta do imenso património que passou a ser público.”

Instalado em 1916 na Sé de Viseu, junto à zona dos claustros, o museu transita em 1938 para as instalações atuais, o Paço dos Três Escalões, monumento do fim do século XVI, em granito e cantaria, que ao longo dos séculos serve de seminário, residência de bispos e liceu.

O arqueólogo Russel Cortez será diretor nos anos 60 e “com muito esforço” faz um “processo de reorganização do museu”, deixando de lado o “modelo expositivo muito decorativo, ao estilo casa-museu”. Passa a apresentar as pinturas, as esculturas e o mobiliário segundo o “modelo expositivo das artes cénicas, com aparato cénico”, como se de um palco de teatro de tratasse. “É uma inovação para a época”, comenta o atual diretor.

Só nas décadas de 70, 80 e 90, o museu vem a alcançar um modo de funcionamento próximo do que hoje conhecemos. “As cenografias deixam de ter valor e passa-se à museografia da linearidade, ou seja, uma leitura mais despida das obras de arte. Elas valem por si, a sua apresentação é suficiente para justificar o interesse do público.”

A transformação

No dizer de Agostinho Ribeiro, o “momento fundamental” destes 100 anos de vida dá-se entre 2000 e 2005, quando o Grão Vasco é alvo de uma “grande intervenção” do arquiteto Souto de Moura. A exposição a inaugurar na próxima semana apresenta um filme sobre essa requalificação, bem como esquissos do arquiteto bracarense.

“Souto de Moura consegue adaptar este espaço às necessidades contemporâneas”, avalia o diretor. “O edifício manteve o exterior, com o aspeto monumental, mas o interior foi totalmente remodelado. Passámos a ter salas para as reservas, controlo ambiental das salas, criámos um pequeno laboratório-oficina para intervenções de conservação nas peças, além de cafetaria, loja e livraria.”

As obras do arquiteto terão tido um papel importante na classificação do espaço como museu nacional, o que ocorreu em maio de 2015, momento a partir do qual o número de visitantes aumentou, ainda que isso fosse já uma tendência: 68 mil em 2013, 80 mil em 2014, 86 mil em 2015.

[veja aqui algumas das principais obras de Vasco Fernandes]

8 fotos

Em janeiro último, a instituição foi visitada por 4.788 pessoas, contra as 2.465 de janeiro de 2015, segundo o diretor, o que o leva a aspirar à meta dos 100 mil visitantes no fim de 2016.

Em termos gerais, 20% dos visitantes são estrangeiros e 80% são nacionais, com uma “parte substantiva” a dever-se ao turismo religioso. Muitas pessoas vão de propósito a Viseu para visitar a Sé e a seguir optam pelo Grão Vasco, que é contíguo e cujo acervo tem essencialmente arte religiosa.

Quanto ao facto de o museu ter hoje mais visitantes anuais do que, por exemplo, o Museu do Chiado, em Lisboa (51 mil pessoas em 2015), e o Museu Soares dos Reis, no Porto (54 mil), o Agostinho Ribeiro justifica-o com a “pluralidade de oferta museológica” nas duas principais cidades do país, o que distribui o público por vários espaços.

Diretor desde 2014, depois de uma breve passagem pelo mesmo cargo entre 2008 e 2009, além de duas décadas à frente do Museu de Lamego, Agostinho Ribeiro parece querer deixar marca na história do Grão Vasco. No seu entender, os museus “devem trabalhar com a comunidade e acolher as expectativas e opiniões do público”. É essa a reflexão que deixa em fim de conversa.