Diminuir os trabalhos contratualizados numa empreitada de obras públicas não significa necessariamente que o custo final dessas obras seja efetivamente inferior. Isto porque os desvios financeiros associados às alterações introduzidas aos contratos podem ser muito superiores. O alerta é feito pelo Tribunal de Contas num relatório de fiscalização aos contratos feitos por entidades públicas entre o 2009 e meados de 2013.

Em causa estão sobretudo o pagamento de indemnizações às empresas contratadas e as decisões em tribunal arbitral que podem “condenar” as entidades públicas a pagar obras, mesmo quando a sua adjudicação não cumpriu os requisitos legais.

A análise abrangeu 3.266 contratos iniciais de empreitadas de obras públicas e revelou que 1.513 contratos foram executados com trabalhos adicionais e/ ou a menos, que tiveram impacto no preço inicial de contratação.

Os contratos que foram vistos pelo Tribunal ascendiam a 6,8 mil milhões de euros, incluindo contratações feitas entre 2009 e junho de 2013. Os contratos com trabalhos a mais e/ou menos valiam 4.493 milhões de euros.

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No período analisado, o valor dos trabalhos suprimidos foi superior ao montante dos trabalhos aditados, em particular nos procedimentos adjudicados pelo setor empresarial do Estado, com destaque para a Estradas de Portugal (hoje, Infraestruturas de Portugal) e Parque Escolar. Estas duas empresas foram as duas maiores donas de obra neste período — a Estradas de Portugal foi responsável por 199 contratos num valor global de 772,6 milhões de euros. A Parque Escolar fez 103 adjudicações por 1.805 milhões de euros.

O Tribunal de Contas (TdC) usa as duas empresas para mostrar como há outros mecanismos que podem fazer subir os custos das empreitadas, mesmo quando as alterações vão no sentido de reduzir os trabalhos adjudicados.

Empreiteiros indemnizados por redução de trabalhos

Entre janeiro de 2011 e junho de 2013, a Estradas de Portugal remeteu ao Tribunal de Contas 12 apostilas (aditamentos) que previam a atribuição de indemnizações aos contratantes no valor global de 15 milhões de euros. Uma vez que a redução global de encargos que resultam dos contratos adicionais desta empresa é inferior a esse montante, o Tribunal conclui terá havido acréscimo de custos. A situação é tanto mais singular quando um dos fundamentos para pagar as indemnizações “foi precisamente a redução do objeto dos contratos”. E esta situação tem o efeito de contrariar as poupanças obtidas com os trabalhos retirados.

Daí que o relatório assinale que “a aparente redução de encargos poderá não se verificar, com a agravante de que parte do acréscimo de custos não terá qualquer contrapartida material para a parte pública”.

Para este resultado inesperado podem contribuir as decisões de tribunais arbitrais. Para o Tribunal de Contas, estas decisões “representam crescentemente uma fonte de acréscimos financeiros significativos nas obras públicas”. E avisa ainda que a forma de decisão destes tribunais, baseada no princípio da equidade, estabelece obrigações para as entidades públicas pagarem “montantes relativos a despesas ilegais (por violação de regras da contratação pública ou de disciplina financeira pública)”. Estas decisões, conclui o TdC, “são vistas por muitos como branqueadoras das ilegalidades subjacentes”.

Decisões arbitrais negativas para a Parque Escolar

O Tribunal chama ainda a atenção para as empreitadas da Parque Escolar onde se verificaram valores significativos de redução de encargos através de contratos adicionais. Ora, “foram constituídos tribunais arbitrais para quase todos os contratos e sabe-se que várias decisões têm sido desfavoráveis à parte pública. Ou seja, afinal, os encargos com os contratos poderão ser superiores apesar de muitos trabalhos terem sido suprimidos”.

Em causa estão eventuais “pagamentos indemnizatórios avultados sem qualquer correspondência em trabalhos realizados” que são “financeiramente prejudiciais para o erário público, de modo até agravado relativamente a situações de pagamentos em contrapartida de trabalhos ilegalmente realizados. Trata-se, pois, de uma nova área de risco financeiro, que deve merecer mais atenção”.

A empresa responsável pela renovação das escolas fez adjudicações no valor global de 1,8 mil milhões de euros neste período (2009/13). O Tribunal analisa a diferença entre os trabalhos a mais e os trabalhos suprimidos. O saldo de poupança para a empresa foi de 50,8 milhões de euros. Perante este número, “facilmente se conclui que a diminuição de encargos resultante dos adicionais às empreitadas poderá afinal ser contrariada por outras circunstâncias”.

O relatório do Tribunal de Contas procedeu à fiscalização sucessiva de uma amostra aos contratos de empreitada no Estado (administração central e autarquias) adjudicados entre 2009 e final de 2012 e que foram visados. A fiscalização visou ainda empreitadas que autorizaram os trabalhos a mais, supressão de trabalhos e erros e omissões entre janeiro de 2011 e junho de 2013.

57% das alterações foi justificada por projetos deficientes

O levantamento feito pelo Tribunal de Contas aos procedimentos efetuados entre 2009 e meados de 2013 passou a pente fino mais de 1.500 contratos onde foram feitas modificações ao objeto e depois de analisar mais de seis mil justificações chegou à conclusão que 57% das alterações “foram justificadas com circunstâncias relacionadas com a deficiente conceção dos projetos”.

Falta de rigor dos projetos de execução foi o motivo invocado em 43% das justificações. Estas situações aconteceram sobretudo nas obras adjudicadas pelas autarquias, mas também pela Parque Escolar, Estradas de Portugal e Direção-Geral de Infraestruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna. A falta de rigor dos projetos passa por fatores como:

  • A não previsão dos trabalhos necessários à integral execução da obra
  • Erros de medição nas quantidades de trabalho previstas
  • Projetos que se revelaram desconformes como a realidade

De acordo com o relatório, foram assinaladas 2.474 situações de falta de rigor dos projetos de execução, que acontecerem em especial na Estradas de Portugal e Parque Escolar, as duas principais donas de obras públicas no período analisado. A Parque Escolar aponta como fatores para a falta de rigor a desconformidade dos projetos com a realidade. A Estradas de Portugal indica erros de estimativa das quantidades de trabalhos previstos.

Apesar de salvaguardar que os dados apurados não permitirem concluir que os desvios financeiros decorrentes desses erros e omissões tenham aumentado a despesa, na medida em que têm sido compensados pela supressão de trabalhos, “continuam a ser assinaladas significativas deficiências dos projetos”. O primeiro relatório do Tribunal sobre os contratos públicos assinalava o peso relevante, 50%, dos erros em projetos nas alterações aos contratos.

O TdC recorda que o decreto-lei aprovado em 2012 veio limitar o preço dos trabalhos para suprir erros ou omissões a 5% do valor contratual (o anterior limite era de 50%) ou 10% em caso de condicionalismos naturais. Mas ainda é muito cedo para avaliar o impacto destas alterações.

Silêncio dos donos de obra facilita erros e omissões

O Tribunal volta a alertar para a violação dos deveres legais dos donos de obra de acompanhar a preparação dos projetos e assegurar o seu rigor. E considera que o regime (introduzido no Código da Contratação Pública) para identificar erros e omissões em projetos e definir partilhas de responsabilidades não está a produzir resultados.

Para este diagnóstico contribui uma prática de silêncio do dono de obra quando confrontado com as listas dos candidatos. Não há uma prática generalizada de apreciar com cuidado erros e omissões na fase pré-contratual. Muitas vezes são invocadas razões de celeridade, falta de recursos internos e ausência de projetistas para conceberem os projetos de execução,

Esta atitude “é um sinal adicional de que os donos de obra não dão por eventuais erros e omissões que venham a ser considerados necessários na fase de execução”.

O silêncio dos donos de obra sobre erros e omissões significa, nos termos da lei que ele não os aceita e recusa tacitamente a execução dos trabalhos para a sua correção. Ora o que acontece com frequência é que a reparação desses erros e omissões são reconhecidos como essenciais para a conclusão das obras e os donos de obra acabam por ordenar a sua correção.

A propósito destes alertas, a Estradas de Portugal e a Parque Escolar informaram que estavam a “avaliar a possibilidade de acionar a responsabilização dos projetistas em alguns contratos”. A Parque Escolar estava já num estado avançado com processos em curso “para montantes com algum significado”.

Outros fundamentos que suscitam reservas, e que foram responsável por 32% das alterações contratuais, passam pela vontade do dono de obra e outras causas. Muitas destas alterações, defende o TdC, deveriam dar origem a um novo procedimento de adjudicação por se tratarem de novas obras, em vez de serem tratados como trabalhos adicionados. O relatório refere mesmo situações de “desrespeito pelo regime legal aplicável”.