“O fruto mais legítimo da consciência é a inércia”, escreve nas suas memórias o homem do subterrâneo, personagem de Dostoievski que passa páginas a escrever enfiado num buraco, entre a inveja e o desdém dos homens da ação. Nas Notas do Subterrâneo (1864), o homem que não se mexe mas não consegue parar de pensar confessa-se. No século XXI, com o advento da Internet e os sites de bem fazer nada, não lhe chamamos inércia, dizemos procrastinação — uma palavra que se tornou conceito teórico e que é difícil de escrever. Mas segundo as mais recentes conclusões da ciência, não vai ser preciso chegar a pegar na caneta ou no teclado — pode adiar porque, Deo Gratias, está cientificamente provado: quem procrastina é mais criativo.

Adam Grant, professor na Wharton Business School da Universidade da Pensilvânia, estabeleceu como resolução de ano novo procrastinar depois da antiga aluna e agora professora da Universidade do Estado de Wisconsin, Jihae Shin, ter conduzido estudos que concluíram que quem se distrai enquanto adia tarefas apresenta soluções mais originais. Shin pediu a um grupo de pessoas que lhe entregassem ideias de negócios. Uns jogaram Minesweeper ou Solitário antes de lhes ser feito este pedido; outros souberam do pedido, jogaram os dois jogos e só depois apresentaram as ideias. Na avaliação feita por donos de empresas, o segundo grupo foi considerado mais criativo em 28 por cento.

Com o Minesweeper ou o Solitário presentes nos dois grupos, fica claro que o jogo per se não é o condutor das boas ideias, mas antes a ação de jogar, ou antes de distrair-se. Até porque para Leonardo da Vinci não havia este tipo de distrações e mesmo assim o pintor levou 16 anos a completar a Mona Lisa. Como sentia a sua atenção disputada, da Vinci foi fazendo estudos sobre ótica pelo meio (entre mil outros trabalhos), o que terá ajudado a ter novas perspetivas sobre a sua obra-prima e consequentemente a melhorá-la, avança Grant numa entrevista à BBC Radio 4. “Para começar a agir é preciso primeiro ter a cabeça em completo sossego, sem nenhuma réstia de dúvida”, é a definição que arranja o senhor do subsolo.

Para Adam Grant, que desafiou a sua então aluna a provar que a procrastinação dá frutos, os resultados não o poderiam deixar mais nervoso, tão nervoso como a ideia de procrastinar. Ele faz parte dos pre-crastinadores, as pessoas que não são capazes de adiar e se sentem impelidas a concretizar imediatamente qualquer trabalho que lhes seja dado. Nos tempos de estudante, conta numa espécie de mea culpa dos pre-crastinadores no New York Times, Grant chegou a estar tão envolvido na escrita de um ensaio que não notou que entretanto os colegas de casa tinham dado uma festa. Hoje o professor identifica a necessidade de concretizar imediatamente algo como uma forma de se escudar a pensar e enfrentar as dificuldades do assunto: “Estava a fugir à dor dos pensamentos contraditórios e consequentemente estava também a perder os seus benefícios”, admite, lembrando que há cerca de um século a psicóloga Bluma Zeigarnik concluiu que temos melhor memória de tarefas incompletas — enquanto não se concretizam, os trabalhos mantêm-se ativos no nosso pensamento.

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Entre procrastinadores e pre-crastinadores há uma incompreensão e desejo mútuos. Ambos gostariam de ser um pouco menos como são, porque apesar dos benefícios agora provados do dolce fare niente, há sempre na cabeça de um procrastinador a dúvida sobre se é desta que não se acaba aquilo que se tem para fazer.

Uma questão de má-procrastinação

O adiar de uma tarefa é uma arte que precisa de ser bem manejada ou pode ser perigosa: as pessoas de um terceiro grupo submetido ao mesmo teste de Shin só puderam concretizar o seu trabalho no minuto antes do limite do tempo, o que fez com que escolhessem soluções mais fáceis e rápidas e não mais criativas.

A solução não se pode resumir a um simplista “deixe-se de coisas e comece a fazer o que tem para fazer de uma vez por todas”. Para o procrastinador, adiar é uma necessidade difícil de ultrapassar. Para a ciência, há algumas técnicas que podem ajudar a vencer a inércia: uma delas é começar por baixar as expectativas e delinear pequenos progressos a atingir, festejando também pequenas vitórias; outra é imaginar um falhanço pessoal — se se visualizar a falhar magistralmente, é imediatamente conduzido para a ação. Foi assim que esta jornalista começou a escrever o presente texto.