O Governo PS quer alargar o alcance da ADSE aos cônjuges e filhos (até 30 anos) dos funcionários públicos e, para isso, criou um grupo de trabalho com o objetivo de estudar o futuro deste subsistema de saúde do Estado. Foi uma janela de oportunidade que se abriu e a nova líder do CDS agarrou: Assunção Cristas vai mais longe e anunciou que quer mesmo o alargamento da ADSE a todos, sem exceção. O debate instalou-se, estando longe de ser consensual, mesmo entre a esquerda. O comentador e ex-bloquista Daniel Oliveira é o mais crítico, acusando PS, BE e PCP de eleitoralismo e de estarem a abrir a porta ao “sonho da direita” de esvaziar o Serviço Nacional de Saúde. Mas BE e PCP negam intenção.

Foi esta quinta-feira, no Fórum TSF, que o ex-bloquista Daniel Oliveira foi mais duro nas críticas aos partidos da sua própria área política, acusando-os de estarem a usar o tema dos direitos acrescidos dos funcionários públicos por questões eleitoralistas. “Quem começou a falar do alargamento da ADSE não foi o CDS (o que seria “coerente”), foi a esquerda parlamentar. Em vez de defender a menor abrangência da ADSE para não desnatar o SNS, o que a esquerda veio propor foi exatamente o contrário, o alargamento”, começou por dizer o comentador, acrescentando que Assunção Cristas percebeu a contradição ideológica e aproveitou a boleia.

Defendendo que já há um sistema de saúde para todos, que é o Serviço Nacional de Saúde, Daniel Oliveira afirma que a esquerda, ao propor o alargamento aos filhos e maridos, ficou sem argumentos para responder à proposta do CDS. “A esquerda deu à direita o sonho que ela queria: propor um seguro de saúde universal, gerido pelo Estado, em que quem fornece o serviço é privado. É uma americanização da saúde”, disse.

“Queremos uma administração pública motivada e capaz de atrair os melhores profissionais, mas não faz sentido ter dois países nesta matéria. Assim como não faz sentido uns trabalharem 40 horas e outros 35, também vos digo que merece ser estudada a forma de alargar a ADSE a todos os portugueses que a ela queiram aderir”, disse Assunção Cristas no congresso do CDS do último fim de semana.

O pré-anúncio do Governo foi feito nas vésperas da discussão do Orçamento do Estado, em fevereiro. A ideia é alargar o acesso àquele subsistema de saúde aos filhos dos funcionários públicos que tenham até 30 anos (atualmente o direito extingue-se aos 26), assim como aos cônjuges. Desde 2011 que os funcionários públicos passaram a descontar 3,5% do seu ordenado para pagar mensalmente a ADSE. Um valor que, como tem gerado excedentes, já foi criticado pelo Tribunal de Contas e que agora o Governo prevê aumentar com o aumento do número de inscritos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em janeiro de 2016 o número de inscritos na ADSE era superior a 1,2 milhões. Com a proposta do Governo de alargar aos cônjuges e filhos até aos 30 anos, o PS diz tratar-se de um aumento de 200 mil novos beneficiários.

“Pai” do SNS é contra. BE só quer alargar direitos, não número de inscritos

Mas tanto PCP como Bloco de Esquerda negam que estejam a defender um alargamento da ADSE e mantêm que a prioridade é o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde. Segundo explicou ao Observador a deputada bloquista Joana Mortágua, o BE acompanha a ideia de alargar o benefício aos filhos e cônjuges dos funcionários do Estado, mas numa lógica de associação e não de acréscimo de beneficiários. Ou seja, aumentar o benefício sim, mas só desde que os novos beneficiários não paguem.

“O desconto que os funcionários públicos fazem para a ADSE (3,5% do ordenado) devia baixar, não baixando então devia-se alargar os benefícios que esse pagamento envolve”, defende a deputada, rejeitando que haja um aumento dos inscritos na ADSE “por direito próprio”. “O que os trabalhadores do Estado pagam para ter ADSE é uma brutalidade”, acrescentou.

Para o BE, o caminho a longo prazo deve ser o de “desenvolver o SNS ao ponto de não ser preciso nenhum subsistema de saúde”. Mas a passagem deve ser gradual: se o Estado acabasse com a ADSE eram mais 1,2 milhões de pessoas a entrarem no SNS, e o Serviço Nacional de Saúde “explodiria”.

Segundo explicou o socialista António Arnaut, “pai” do SNS, ao jornal i, o alargamento da ADSE é contra a ideia originária da sua criação. Lembrando que quando o SNS foi criado não havia condições para integrar todos os trabalhadores do Estado, pelo que a ADSE (que já existia desde antes do 25 de abril) surgiu como opção temporária, Arnaut defende que o caminho deve ser no sentido da extinção da ADSE e não do seu alargamento. “A ideia era acabar por integrar os funcionários públicos no SNS e é assim que deve ser. O alargamento da ADSE vai contra o movimento da História que é o de assegurar a igualdade entre todos os cidadãos nos cuidados de saúde”, disse ao i.

“Não vejo como o PS pode alinhar agora com uma medida que alarga o campo dos privados na saúde, enfraquecendo o SNS. Se o SNS tiver menos procura, a prazo, vai perder qualidade”, acrescentava o ex-ministro.

Também a deputada comunista Rita Rato rejeita o alargamento do serviço a todos. “Qualquer modelo que ponha em causa o SNS deve ser rejeitado, a prioridade deve ser reforçar os meios do Serviço Nacional de Saúde”, disse esta quinta-feira no Fórum TSF.

O PS, de resto, acredita que o alargamento dos beneficiários aos filhos e cônjuges não é o mesmo do que o alargamento a todos e não “desvirtualiza” o atual Serviço Nacional de Saúde, por se tratar de um acréscimo de “apenas 200 mil novos beneficiários”, disse no mesmo fórum a deputada Luísa Salgueiro, responsável pela área da saúde. Para a socialista, o que o Governo propõe é um alargamento “responsável”, em oposição à proposta dos democrata-cristãos.