O Orçamento do Estado para 2016 cumpre as boas práticas de “rigor, transparência e responsabilidade orçamental”? Há uma melhoria em relação a anos anteriores. Mas os 17 economistas que integram o Conselho Consultivo e Científico (CCC) do Budget Watch, uma iniciativa do Institute of Public Policy e do Instituto Superior de Economia e Gestão, consideram que ainda não há motivos para dar uma nota superior a “insuficiente”.

O relatório que é hoje divulgado, e que será apresentado nesta sexta-feira, refere que, após a análise do documento apresentado pelo Governo liderado por António Costa, o índice elaborado pelos peritos do Budget Watch atinge um “máximo histórico” de 46 pontos em 100, a primeira vez, nos últimos sete anos, em que é superada a barreira dos 40 pontos. Mas, sublinha o relatório, “esta pontuação ainda não permite abandonar o nível ‘Insuficiente’, ficando a 4 pontos de atingir o nível ‘Satisfaz'”.

A boa notícia? “Trata-se do maior aumento entre dois Orçamentos a seguir ao registado no Orçamento do Estado para 2013” e que confirma “a tendência global de melhoria que se tem registado desde 2012”. Na apreciação do Orçamento para 2016, “nenhum princípio é classificado com ‘Não Satisfaz’, e em relação a 2010, a primeira edição do Budget Watch, a pontuação de 2016 foi pior apenas no princípio relacionado com o consumo público e a despesa no setor da saúde”.

Mais realismo, mas falta o modelo macroeconómico

Para o CCC, entre os aspetos positivos do Orçamento aprovado nesta quarta-feira na Assembleia da República está a “melhoria do realismo aparente do cenário macroeconómico e dos objetivos para as receitas fiscais e o défice global”. Os 17 economistas e académicos, que “responderam a um questionário organizado em torno de 10 princípios de responsabilidade orçamental”, consideram que “a estratégia orçamental parece retomar a tendência de melhoria, interrompida em 2015, quanto ao cumprimento das regras europeias e ao contributo para a sustentabilidade da dívida”.

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Em geral, “o cenário macroeconómico é considerado ‘satisfatório’ pela primeira vez”, na versão que resultou da revisão em baixa realizada após negociações com a Comissão Europeia, “registando-se também melhorias no realismo das projeções orçamentais”. Mas o CCC regista que “o Ministério das Finanças não disponibiliza publicamente o modelo macroeconómico que utiliza para obter as suas projeções, o que torna mais difícil fazer uma crítica bem fundamentada ao cenário macroeconómico apresentado”.

Outro aspeto que merece reparos tem a ver com a omissão de uma referência ao valor do produto interno bruto (PIB) nominal. “Mais uma vez não se compreende que o OE para 2016 (como já aconteceu nos cinco últimos anos) não inclua por memória, como foi feito no OE 2010, o valor do PIB nominal utilizado para fazer os cálculos”. Por causa desta falha, considera o CCC, “o leitor não tem outro remédio senão calculá-lo a partir dos valores absolutos para algumas variáveis e das percentagens aí referidas em relação ao PIB. Desses cálculos conclui-se que o valor assumido deverá rondar os 186 500 milhões de euros”.

Regresso à consolidação, com despesas mal explicadas

O Budget Watch sublinha o “regresso a um objetivo de consolidação estrutural no ano (ainda que ténue) e de objetivos de redução dos défices (estrutural e global) tão ou mais ambiciosos do que no Programa de Estabilidade e, bem assim, no Programa do Partido Socialista”.

Os 17 peritos reconhecem “alguma melhoria na consideração das escolhas de política setoriais”, mas identificam “problemas na explicação da relação entre despesas discricionárias e não-discricionárias”, com “lacunas crónicas de prestação de informação e transparência a este nível”.

Exemplos? O CCC aponta que “as despesas em consumo público (pessoal e aquisição de bens e serviços), bem como as despesas na área da Saúde, suscitam preocupações”. Tal como “o impacto pouco explicado de medidas de contenção de despesa, no primeiro caso, e no segundo, uma diminuição da informação disponibilizada sobre os planos para o controlo da despesa nos serviços de Saúde do setor público administrativo” que “levam a uma deterioração do índice nestas dimensões”.

Segurança Social com nota positiva, empresas do Estado com nota negativa

Na Segurança Social, a avaliação é mais risonha. “O controlo da despesa na Segurança Social parece ter conhecido uma melhoria” e, “particularmente bem avaliado, foi o equilíbrio (de curto prazo) previsto” no Orçamento do Estado, “com uma melhoria da cobertura da despesa por receita de contribuições sociais e da adequação das transferências para o FEFSS” (Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social).

Pior é a “informação sobre fluxos financeiros entre o Estado e o setor público empresarial”. Veredito do CCC: “conheceu um declínio”. O organismo explica o motivo. “Tradicionalmente das dimensões mais mal avaliadas, a informação prestada a respeito do setor empresarial do Estado continua a ser insuficiente nos vários elementos, sofrendo mesmo um declínio: o CCC não ignorou a remoção de alguns quadros que haviam sido introduzidos nos últimos anos” no relatório do Orçamento do Estado. A esperança está na “plena operacionalização da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM)”, que poderá “trazer melhorias futuras a este nível”.

O IPP e o ISEG assinalam que “houve também uma redução da qualidade da informação sobre avales e garantias. Apesar de ligeiramente melhorada, a informação sobre a despesa em investimento público continua fraca, ao que não é alheia a manutenção de níveis historicamente baixos nesta variável”. Ainda assim, refere o relatório, “seria desejável uma melhoria na qualidade da informação a este nível”.

Há muito trabalho a fazer

Conclusão? “Continua a haver bastante trabalho por fazer ao nível do processo orçamental e da transparência, em que houve, em geral, melhorias apenas ligeiras”, o que leva o CCC a considerar que a evolução do “processo orçamental foi pouco animadora, apesar de uma melhoria ligeira, face à demora na implementação em pleno da nova Lei de Enquadramento Orçamental”. E deixa um alerta: “Nalguns aspectos da transparência houve mesmo um declínio, com destaque para a informação sobre o impacto das alterações no perímetro orçamental”, porque “foi reduzida a informação sobre o ‘universo comparável’, que havia sido bastante melhorada” no Orçamento do Estando para 2015.

O CCC do Budget Watch, que faz um conjunto de recomendações ao Governo destinado a melhorar a qualidade do Orçamento do Estado, inclui António Afonso, Francisca Guedes de Oliveira, João Duque, Francisco Nunes, João Ferreira do Amaral, Luís Teles Morais, Jorge Santos, Miguel Cadilhe, José Carlos Gomes Santos, José da Silva Costa, Linda Veiga, Manuela Arcanjo, Miguel St. Aubyn, Nuno Garoupa, Pedro Pita Barros, Ricardo Cabral e Ricardo Reis.