A prática foi abolida há mais de 40 anos, mas um recente relatório do Observatório dos Direitos Humanos (HRW, na sigla inglesa) dá conta de que perto de 19 mil pessoas com doenças mentais continuam a viver confinadas e acorrentadas em casa, ou presas em instituições sujeitas a abusos físicos. A prática intitulada de pasung — acorrentar ou prender pessoas com doenças do foro psíquico — foi abolida da Indonésia em 1977, mas o estudo da HRW mostra como a falta de serviços públicos de apoio a este tipo de doentes faz com que o recurso ao confinamento ainda seja recorrente.

Trata-se de uma forma de imobilizar aqueles que se acredita estarem a sofrer de doenças psíquicas, mantendo-os com os tornozelos acorrentados durante horas, dias, meses ou até anos. Muitas vezes são deixados ao relento, nus, e sem se poderem lavar, escreve o The Guardian. Na Indonésia, as doenças do foro psíquico são consideradas resultado de maldições ou feitiçarias.

Dados recentes recolhidos pelo governo indonésio sugerem que mais de 57 mil pessoas já foram alvos daquela prática pelo menos uma vez, sendo que se acredita que cerca de 18.800 cidadãos estejam atualmente nessa situação, acorrentados ou aprisionados. Segundo o mesmo jornal, em 2014 foram reportados 1.274 casos, sendo que em 93% das situações as pessoas foram resgatadas. “Se se atirar uma pedra ao ar em Java vai-se acertar em alguém que está a ser vítima de pasung”, diz no relatório Yeni Rosa Damayanti, presidente de uma associação de saúde mental de Jacarta, citada pelo Independent.

Não há, contudo, dados suficientes para perceber quantos deles foram bem-sucedidos na reabilitação e na recuperação, ou quantos voltaram para a situação anterior.

A prática é ilegal na Indonésia, mas nem por isso deixa de acontecer. De acordo com Kriti Sharma, uma das investigadoras do Observatório dos Direitos Humanos responsável pelo estudo, o problema está na fonte. “As pessoas não sabem o que fazer e o governo não disponibiliza serviços capazes de dar resposta para o problema. As poucas instituições que há na Indonésia para o efeito, diz o relatório, estão sobrelotadas e os níveis de higiene não são apropriados, com os doentes a serem forçados a dormir, comer, urinar e defecar no mesmo espaço.

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Mesmo nas instituições públicas, os doentes são sujeitos a abusos físicos e sexuais, ou a tratamentos inapropriados, como terapia de eletrochoque ou isolamento forçado, conclui o mesmo relatório.

Mas quem os acorrenta? E porque o faz? Muitas vezes é a própria família. O relatório divulgado esta segunda-feira dá conta da história de 175 pessoas que foram recentemente libertadas, e outras 200 que já saíram da situação de aprisionamento há mais tempo.

Uma das histórias mais emblemáticas recolhidas pela equipa de investigação do Observatório dos Direitos Humanos é a de um homem que manteve a filha algemada durante 15 anos porque temia que tivesse sido “vítima de uma bruxaria” e não tinha dinheiro para a levar ao médico. É o caso mais dramático registado pelo Observatório.

O homem descreve que a filha começou a ter comportamentos destrutivos, estragando as plantações dos vizinhos e comendo plantas cruas. “Primeiro amarrei-lhe os pulsos e tornozelos com cabos, mas ela conseguiu desatá-los. Depois decidi fechá-la num quarto porque os nossos vizinhos estavam com medo”, disse.

O homem acabaria por soltar a filha depois de o Observatório ter descoberto o caso, mas admitiu que a tinha deixado aprisionada durante mais de uma década, sem a deixar sair do quarto nem para fazer as necessidades básicas ou tomar banho. Só a contactava para deixar água e comida.