Falar de vinho nunca é demais, pelo menos para quem gosta. Enófilo que se preze vai aguçando a curiosidade de cada vez que bebe um trago, seja de tinto, branco ou rosé — e por que não vinhos fortificados ou espumantes? O universo da bebida que Baco ajudou a imortalizar tem muito que se lhe diga, pelo que há oportunidades que são de aproveitar. É o caso dos cursos a cargo do crítico de vinhos e jornalista Rui Falcão, marcados para o mês de março (não se apoquente que outras datas, em outros meses, virão; é apenas uma questão de estar atento/a).

Ficar a par do bê-á-bá do vinho pode, à partida, parecer tarefa difícil, mas não é nada de extremamente complicado, sobretudo quando o professor facilmente mete os seus alunos à vontade e tenta, ao longo dos dois dias de cada curso, desmitificar o vinho e os preconceitos a ele associados. As “aulas” acontecem num ambiente íntimo q.b.: as inscrições estão abertas a um máximo de 12 participantes, de modo a promover uma relação de proximidade entre formandos e formador, e decorrem no novíssimo espaço Kuc, junto ao Jardim das Amoreiras.

Dito isto, e para que saiba ao que vai, aqui ficam algumas das ideias que retivemos das aulas de Rui Falcão no curso “Os meus primeiros passos no vinho”. Tome nota, decore a matéria e faça brilharete da próxima vez que for escolher um vinho.

Há fatores que podem influenciar a prova de um vinho

Primeiro há que esclarecer uma diferença óbvia, isto é, beber vinho não é a mesma coisa que o provar. Se o primeiro conceito está relacionado com tirar pura e simplesmente prazer de um copo de vinho, o segundo remete para a procura do que está errado no néctar. “É como se estivéssemos a dissecar o vinho”, argumenta Rui Falcão, que acrescenta que “quando provamos vinho estamos profundamente condicionados”. Sem mais demoras, o crítico apressa-se a anunciar as tais condicionantes:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

  • a sequência/ordem em que os vinhos são provados; exemplo disso é quando um vinho com muita acidez e/ou estrutura vem primeiro do que um mais parco nessas características — a ordem faz com que o segundo vinho pareça automaticamente inferior;
  • a luz artificial, capaz de influenciar a forma como se olha para o vinho;
  • a falta de acesso aos aromas, seja o sítio onde provamos o vinho, no sentido em que há ambientes que podem inibir os seus aromas (tal como uma cozinha muito movimentada), seja o facto de, por exemplo, os fumadores terem mais dificuldade em identificar aromas fumados.

Quem é Rui Falcão?

Mostrar Esconder

Rui Falcão escreve na revista Wine – Essência do Vinho e tem uma coluna de opinião e crítica de vinhos semanal no Fugas, suplemento do jornal Público, além de escrever em diversos meios internacionais. Falcão também investe muito do seu tempo a orientar masterclasses para profissionais em representação da ViniPortugal, IVBAM (Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira), CVRA (Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo) ou IVDP (Instituto dos vinhos Douro e Porto) tanto em Portugal como no Brasil, Canadá, Suécia, Estados Unidos da América, Japão, Coreia do Sul, Reino Unido, Alemanha, Dinamarca, Holanda, França, Hong-Kong, Macau ou China.

O vinho é à escolha, mas o copo não devia ser

Quando o assunto é desfrutar de um bom vinho, o copo certo também entra na equação — e não, não vale servir vinho num copo onde também entra água, sumos e afins. Não é apenas uma questão de elegância, mas também de otimização da experiência de levar o néctar à boca:

  • O copo tem de ter pé para que seja mais fácil (e correto) segurar nele — é que segurar pelo seu corpo é altamente desaconselhável, uma vez que isso faz com que o vinho aqueça;
  • O copo deve ser mais largo na base e estreito na boca de forma a concentrar os aromas;
  • Quanto mais grosso for o copo, pior será a apreciação da bebida;
  • Antes de servir o vinho, o melhor é lavar os copos até porque, como diz Rui Falcão em tom jocoso, “um dos aromas mais conhecidos no vinho é o cheiro a armário”; caso não esteja numa de limpezas pode sempre vinhar o copo, como quem diz passá-lo por vinho e não por água;
  • E por falar em limpar, o crítico aconselha a atacar o lava-loiças (e em particular os copos) no dia a seguir ao jantar, só numa tentativa de não se partir tanta loiça.
wine, wood, alcohol, beverage, drink, red, glass, winery, old, bottle, wooden, grape, bar, vine, background, table, dark, vintage, cork, white, merlot, closeup, culture, restaurant, taste, cabernet, food, brown, corkscrew, pour, bordeaux, vineyard, gourmet, flavour, liquor, expensive, liquid, grapevine, fine, collecting, close-up, wineglass, black, retro, production, ripe, wine-making, open, opener, burgundy,

Foto: jeka1984/iStock

A temperatura é para respeitar

O mesmo vinho servido a temperaturas diferentes vai ter, como seria de esperar, comportamentos diferentes. Quer isto dizer que a temperatura pode resultar numa apreciação muito positiva ou negativa de um mesmo néctar. Tendo isso em conta, o aclamado crítico de vinhos assegura que os brancos devem ser servidos entre os sete e os 12º graus — abaixo dos seis graus as nossas papilas gustativas são incapazes de sentir o quer que seja. “Se o vinho for mau sirvam-no muito frio”, brinca Rui Falcão, argumentando ainda que “quanto melhor for o vinho, mais próximo dos 12º graus pode estar”. Já nos tintos, a equação matemática fica-se entre os 16 e os 17 graus. Mais: não precisa de ter receio em pedir para arrefecer um tinto, mesmo que, uma vez no restaurante, o empregado escolha olhá-lo de lado por achar que está a cometer uma espécie de crime. E, já agora, a temperatura ambiente é um mito.

Quando a tónica recai sobre os vinhos fortificados a conversa é outra, até porque estes apresentam quantidades de álcool superiores aos vinhos de mesa (entenda-se os tintos, brancos e rosés). Em causa estão uns meros 14 graus, sendo que “quanto mais doce e mais alcoólico for o vinho, mais fresco deve estar”. Os espumantes, esses, devem chegar à mesa a seis ou sete graus — quanto mais alta for a temperatura, mais o gás foge (e ninguém gosta de levar com as borbulhas gaseificadas nos olhos enquanto beberica o espumante que, defende o crítico, nem por isso deve ser servido numa flute).

A cor dá pistas sobre o vinho

Enquanto os vinhos brancos vão ganhando cor com a idade, adquirindo aquilo que pode ser interpretado como um tom acastanhado, os tintos perdem-na com o passar do tempo. É por isso que a cor, ou a sua ausência, são capazes de sugerir idade. Já o depósito que algumas vezes encontramos no fundo do copo é sinónimo de que a cor pulverizou e não significa menos cuidado na produção de um vinho, tal como explica Rui Falcão. “Tanto os brancos como os tintos podem ter depósito. É algo cultural — valorizado em Portugal e mal visto nos Estados Unidos da América — e uma opção enófila. Se se filtrar o vinho não há depósito, embora não haja certezas do que estamos a retirar à bebida.”

wine, glass, red, pour, grape, alcohol, old, wood, fine, vine, bordeaux, collecting, sauvignon, cabernet, wineglass, closeup, ripe, expensive, winery, wine-making, white, liquid, bar, grapevine, beverage, drink, culture, vineyard, restaurant, gourmet, open, flavour, opener, close-up, burgundy, wine-glass, merlot, bottle, taste, production, liquor, wooden, winemaking, toned,

Foto: jeka1984/iStock

Não menospreze os aromas

“No vinho anda quase tudo à volta de aromas, mas o olfato consegue cansar-se muito rapidamente e sem ele não se consegue provar um vinho”, atira Rui Falcão, que assegura que provar vinho é um exercício de memória — só conseguimos identificar aromas que já conhecemos, daí a importância de construir uma biblioteca de aromas. Dito isto, o crítico esclarece que, para uma mais fácil identificação do que nos chega ao nariz, é possível agrupar os cheiros em famílias de aromas, tais como florais, frutados, fumados ou químicos, entre outros. E se os frutados e os florais dizem respeito aos aromas primários, provenientes da uvas, os secundários (cheiros lácteos, por exemplo) estão relacionados com a forma como o vinho foi vinificado. Já os terciários (terrosos ou de torrefação) vêm com o tempo e do sítio onde os vinhos são guardados. Naturalmente, os vinhos velhos são aqueles que já perderam os aromas primários. Não esquecer ainda que o processo da fermentação é capaz de criar cheiros próprios.

Os taninos dão estrutura ao vinho

Os taninos — sobretudo associados aos tintos, apesar de também existirem nos brancos embora em menores condições — são responsáveis pela estrutura/textura dos vinhos. São quase um sinónimo da adstringência, aquela sensação ligeiramente amarga que fica na boca depois da prova de um vinho taninoso. “Um vinho sem taninos é quase como beber um sumo, não tem piada nenhuma”, afirma Falcão, que explica ainda que os taninos, tidos como conservantes, evaporam-se ao longo do tempo. É por isso que um vinho de guarda — daqueles que podem ficar guardados durante muito tempo à espera de uma ocasião que justifique o sacar da rolha — têm de ter taninos.

O próximo curso acontece a 29 e 30 de março, das 18h00 às 21h00, no Espaço Kuc (Travessa da Fábrica dos Pentes, 8, Lisboa) e é dedicado aos “Vinhos fortificados — Madeira, Moscatel e Porto: são Portugueses e estão entre os melhores vinhos do mundo!”. Custa 150 euros por pessoa e as reservas podem ser feitas através do e-mail falcao@ruifalcao.com.