Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), definiu ontem o prazo de 15 de setembro para a equipa de procuradores coordenada por Rosário Teixeira concluir a investigação a José Sócrates mas o órgão de polícia criminal encarregue da investigação não tem nenhum prazo definido para entregar o seu relatório final – documento que é determinante para a elaboração do despacho final de inquérito por parte do Ministério Público (MP).

A Autoridade Tributária de Braga tem o papel de Órgão de Polícia Criminal (OPC) na Operação Marquês através do inspetor Paulo Silva, sendo sua responsabilidade recolher e analisar toda a informação criminal relevante assim como executar diligências processuais sempre de acordo com as instruções do titular da ação penal: o MP. Trata-se de uma escolha pessoal do procurador Rosário Teixeira mas que já lhe causou dissabores públicos.

Uma das ações mais relevantes do OPC na fase de inquérito é a apresentação do relatório final onde ficam expressos os factos criminais mais relevantes apurados durante a investigação, assim como as recomendações quanto às acusações e arquivamentos que devem ser decididas pelo MP. Este relatório acaba por ser uma base fundamental do despacho final de inquérito da responsabilidade do titular da ação penal pois no mesmo estão reunidos todos os indícios criminais relevantes apurados pela investigação. Sem tal documento, e falando especificamente da Operação Marquês, não será possível cumprir o prazo de 15 de setembro de 2016 definido ontem por Amadeu Guerra.

A prática comum durante a fase de inquérito obriga a uma grande proximidade entre quem lidera o inquérito (o MP) e quem investiga (o OPC), de forma a que o relatório da investigação seja produzido numa data muito próxima da conclusão do despacho final de inquérito. Muitas vezes, os dois documentos são escritos praticamente ao mesmo tempo.

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No caso da Operação Marquês, isso não está a acontecer. Ao que o Observador apurou, não só Paulo Silva não tem data para entregar o seu relatório como também nenhum segmento da investigação está concluído – facto relevante quando a equipa de procuradores coordenada por Rosário Teixeira tem mais seis meses para concluir o inquérito que já tem 13 arguidos.

Significa isto que, no que diz respeito, por exemplo, aos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais imputados a José Sócrates, a equipa liderada por Paulo Silva ainda não terminou nenhuma fase da investigação.

Divergências antigas entre DCIAP e Paulo Silva

As divergências entre o MP e Paulo Silva tornaram-se públicas em novembro nas páginas do Diário de Notícias. De acordo com um relatório que Silva fez questão de juntar aos autos da Operação Marquês, e que aquele jornal revelou, o MP teria dado ordens para dividir o processo em diversos inquéritos de forma a acelerar a produção de uma primeira acusação contra José Sócrates. Não só Paulo Silva fez questão de escrever que era totalmente contra essa mudança de estratégia, como acrescentou que a investigação apenas poderia ser concluída em julho ou setembro de 2016, de acordo com o DN.

A produção desse relatório caiu muito mal na estrutura do DCIAP e na Procuradoria-Geral da República – órgão máximo do MP e do qual faz parte o departamento liderado por Amadeu Guerra. O próprio diretor do DCIAP sentiu necessidade de ir aos autos, no contexto de um análise de uma possível avocação do inquérito da sua parte (isto é, o processo passaria a ter Amadeu Guerra como responsável máximo) afirmar: “não concordo com a posição adotada pelo Órgão de Policia Criminal destes autos em relação aos prazos propostos para o encerramento do inquérito”.

Essa não foi a primeira vez que Paulo Silva provocou um conflito com o MP. Antes, em abril de 2015, e a propósito de várias notícias da comunicação social sobre os autos da Operação Marquês, já tinha criticado as fugas de informação para a comunicação social, exigindo uma investigação contra si e colocando o seu lugar à disposição do procurador Rosário Teixeira.

Ao que o Observador apurou, e apesar do despacho de ontem de Amadeu Guerra representar uma vitória para Paulo Silva por ser determinada a data que sempre defendeu, as relações entre o DCIAP e o OPC da Operação Marquês continuam a ser problemáticas. A principal razão prende-se com o facto de a informação vital do processo, e do controlo da mesma, continuar a estar nas mãos do inspetor tributário. A distancia física (Paulo Silva continua a trabalhar em Braga, enquanto que Rosário Teixeira e os quatro procuradores que o coadjuvam estão em Lisboa) também não ajuda uma relação de trabalho mais eficaz. Mas o mais relevante acaba por o excesso de protagonismo de Paulo Silva na determinação da estratégia das diversas fases da investigação.

Certo é que Paulo Silva tem um papel fulcral na Operação Marquês e será essencial para a conclusão da investigação o mais rapidamente possível.