Os congressos são longos debates dentro do partido. Ou, melhor dizendo, são longas horas de intervenções. Mas há palavras e expressões que marcam e ficam para a história. O 36º congresso do PSD não foi exceção. Houve palavras que marcaram por estarem muito presentes. Outras marcaram por não aparecerem ou por mal serem pronunciadas, porque ninguém se lembrou, ou porque lembradas não dava jeito. O Observador reuniu o léxico que fica para a história e que ajuda a compreender e a analisar o que se disse e o que não se quis dizer em Espinho.

As palavras presentes

Keep cool – Santana Lopes himself, passe o anglicismo. Afinal, foi na língua de Shakespeare que o ex-líder do partido resumiu o congresso (e a atuação do partido). Cool, sereno e tranquilo. Santana Lopes fica para a história deste 36º congresso do PSD, como o homem maduro, um senador, que foi dar uma mão ao líder. Mas foi o único momento forte do congresso.

Rebelo de Sousa – Não é Marcelo. Para alguns é o Presidente da República. Para outros, Marcelo Rebelo de Sousa. Para Passos é “o dr. Rebelo de Sousa”. Nem sequer professor. Ou o “Presidente Rebelo de Sousa”. Foi assim que o líder do partido se referiu ao chefe de Estado, fosse nos discursos que fez, fosse nas conversas com os jornalistas.

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Passos sobre Marcelo

Humildade – É uma questão de estilo do presidente do partido ou talvez uma muleta de discurso. Mas por várias vezes, Passos Coelho se refere à sua atuação definindo-a desta maneira — “com humildade” ou “humildemente vos digo”, fazendo lembrar linguagem bíblica. A mensagem é clara: dar a sensação de proximidade e não de altivez perante um congresso que não o isolou, mas também não o levou em ombros — foi, em vez disso, morno nas críticas e nos aplausos. E foi isso que fez logo no discurso de abertura para uma admissão de erro: “Com humildade vos digo: não fiz tudo bem”.

Frio, sereno, responsável e determinado – E por falar em estilo e personalidade, Santana foi o homem que usou estes quatro adjetivos (em conjugações sempre parecidas) para se referir ao modo de atuação de Passos Coelho. E valeu até uma comparação a Sá Carneiro. Nada como ouvir as palavras do próprio.

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Ofuscar – Houve um homem muito falado no partido, mas que não esteve presente. E não houve ninguém a subir ao palco a suspirar pela sua presença. Rui Rio pôs-se fora de cogitação ainda antes de os trabalhos começarem, quando disse numa entrevista à TSF que não queria ser o foco das atenções do congresso. Foi alvo de críticas de todos os lados. Santana Lopes desfez o elefante no meio da sala com ironia…

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… e Passos até lembrou a velha frase de que “só faz falta quem cá está”.

Passos: "Não sinto falta de ninguém"

Mas até os críticos (que não o chegaram a ser) falaram nas entrelinhas da ausência do homem que se diz querer vir a liderar o partido. José Eduardo Martins lembrou que Espinho “é pertíssimo”, numa referência aos 20 km que separam a cidade onde se fez o congresso e o Porto.

Autárquicas – Foi o tema mais aprofundado nos três dias de trabalhos. Os autarcas já tinham avisado Passos Coelho, na moção setorial que apresentaram, que queriam que este fosse um congresso em que se falasse do assunto. E falou-se. A fasquia está lá em cima: as eleições autárquicas de 2017 são para ganhar, para que o partido volte a estar à frente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Quem lançou o mote foi o presidente dos autarcas social-democratas, Álvaro Amaro, que até se referiu às últimas eleições locais como mau exemplo: “Em 2013 lixámo-nos mesmo”, disse.

No entanto, foram poucos a ir mais ao osso da questão, defendendo o posicionamento do partido nas principais cidades. Houve quem falasse de Lisboa e pedisse ao partido que apresentasse candidato próprio em vez de apoiar a líder do CDS, Assunção Cristas.

Barões – As autárquicas foram também motivo de conversa para que se desafiassem críticos a avançar, como fez Aguiar-Branco na intervenção que começou por animar o congresso no início da tarde de sábado: “Só é barão quem vai a votos”, disse. A verdade é que os críticos mal apareceram. José Eduardo Martins e Pedro Duarte preferiram intervenções mais contidas.

Social-democracia – Não fosse este o slogan do congresso e mal se teria ouvido. Na verdade, houve discussão ideológica, na diferenciação para a “geringonça”, mas foi pouco além disso.

Futuro – A defesa do passado esteve lá, a defesa que o caminho que tem vindo a ser seguido no presente deve continuar, também. Mas afinal o que quer o partido para o futuro? Tudo uma questão de discussão sobre a discussão, numa espécie de utilização de uma novilíngua que se limita a fazer proclamações genéricas, mas menos claras. Frase como “o partido tem de pensar no futuro a dez quinze anos” ou “tem de estar preparado para voltar a ser poder” ou ainda “tem de ter uma estratégia para a oposição”. São frases que mais ou menos como citação literal foram ditas durante a discussão.

Oposição histriónica – Se houve algumas vozes que antes do congresso pediam uma atuação mais ativa do partido na oposição, no palco, mesmo os mais críticos foram serenos nos pedidos. Mas a estratégia de defesa dos passistas estava montada. Como uma equipa de futebol, que sabe que a melhor defesa é o ataque, os mais próximos de Passos Coelho começaram logo à chegada ao congresso a responder dizendo que é preciso uma oposição “serena” (palavras de Luís Montenegro) ou que a oposição não deve ser “histriónica”, como Paulo Teixeira da Cruz e o próprio líder parlamentar, que se apropriou do adjetivo na sua intervenção. Mas afinal, que oposição vai ser o PSD? Pouco se percebeu a não ser que o caminho é para continuar.

Consistente – Foi Passos que usou esta palavra para qualificar a “geringonça” de Governo entre PS, PCP e BE. No discurso de abertura, Passos Coelho disse que o Governo “é consistente” e admitiu a legitimidade do Executivo, mas apenas para depois dizer que se é assim tão consistente não precisa do PSD para garantir a estabilidade política do país. Mas foi a primeira vez que o líder do PSD disse palavras positivas sobre o Governo.

Doutores e engenheiros – Foi uma proposta concreta que saiu do congresso e para espanto de todos. Paulo Rangel falava de alta política e, de repente, diz que tem uma proposta para fazer. Primeiro pensamento: revisão constitucional? Reforma do sistema eleitoral? Não, o eurodeputado pede que se tratem os portugueses por igual e se acabe com o “dr” e “engenheiro” nos documentos oficiais. Faltou-lhe o “professor”, mas para o professor mais conhecido de Portugal, tinha um recado preparado: o PSD vai fazer oposição, mesmo que Marcelo se mantenha na sua postura de “isenção”.

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Reforma – Foi o desafio final de Passos Coelho. No discurso de encerramento, o líder do PSD desafiou o Governo a duas reformas: a da Segurança Social e a do sistema eleitoral. E também uma reforma interna porque “quem não muda, morre”. Para reformar internamente o partido, a JSD fez aprovar uma moção que prevê a criação de primárias no PSD, à imagem do que fez o PS.

As palavras que não estiveram presentes… ou nem por isso

Cavaco Silva – Foi preciso Santana Lopes subir ao palco para que os sociais-democratas fizessem uma homenagem ao homem que foi primeiro-ministro durante dez anos e Presidente da República por mais dez. Passos Coelho ainda o referiu en passant no discurso de abertura do congresso, mas não foi mais do que isso. Foi o ex-líder do partido que chegou ao congresso no sábado à tarde, que o fez. Os delegados levantaram-se e aplaudiram, mas nem terá chegado a um segundo por cada ano de poder de Cavaco Silva.

Ex-líderes – E por falar em Santana Lopes, o antigo primeiro-ministro ativou no congresso outra lembrança: onde param os antigos líderes do partido? Se no congresso de 2014 Passos teve a animar a reunião mais ex-líderes do que é normal – Marcelo Rebelo de Sousa marcou aquele fim-de-semana – nestes três dias apenas apareceu Santana Lopes. Marques Mendes e Luís Filipe Menezes não compareceram, apesar de serem habitués nestas reuniões. E também não estiveram nem Manuela Ferreira Leite, nem Durão Barroso, apesar de já ter deixado as funções de presidente da Comissão Europeia, que o impedia de participar ativamente em eventos partidários. Machete esteve presente na cerimónia de encerramento, mas não falou.

Durão Barroso – Ora Durão Barroso não foi apenas um ausente, foi também ausente nas intervenções no congresso. Este foi o primeiro congresso do partido depois de Barroso abandonar a presidência da Comissão Europeia, o cargo mais alto das instituições europeias. O português que ocupou o cargo mais relevante de sempre no mundo (o Papa João XXI não conta) não teve direito a uma homenagem dos sociais-democratas.

Programa de Estabilidade – É certo que este era um encontro em que todos queriam falar do futuro (terá sido por isso que faltaram as devidas homenagens ao passado?), mas também é certo que o futuro próximo foi um tabu que deu jeito criar. Programa de Estabilidade? Não foi ouvido. A bem da verdade, o Programa Nacional de Reformas foi mencionado e também foi falada a necessidade de o partido combater as proclamações de António Costa e não desistir do caminho de fazer reformas. Mas quais? A parte mais programática centrou-se sobretudo na defesa de alterações ao sistema eleitoral e pouco sobre as ideias que o partido quer levar a cabo. Resultado: continuar no mesmo caminho.

Incompatibilidades – Foi o caso das últimas semanas e levou os partidos da esquerda a apresentarem projetos de lei para apertarem a malha às compatibilidades dos políticos. O nome da polémica? Maria Luís Albuquerque, que foi alvo de críticas nas últimas semanas por causa da sua contratação pela financeira Arrow Global. Os partidos da esquerda apresentaram os projetos sobre incompatibilidades que a atingem em cheio e o PSD? O PSD preferiu ignorar que a discussão existe, fosse para criticar a opção do PS, PCP e BE, fosse para defender Maria Luís Albuquerque. Foi um assunto omisso nas palavras, a que Passos Coelho respondeu com a promoção da ex-ministra das Finanças à direção do partido. Estava dado o sinal de defesa em atos.

Banca ou Banif, BES, BPN ou mesmo Banco de Portugal – A estabilidade do sistema financeiro é talvez a questão mais importante para o país nos próximos tempos, mas foi um assunto que não foi central no congresso do PSD. Na verdade, embora a discussão esteja em cima da mesa, não se ouviu falar (nem a defender nem a criticar) a atuação do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, também não se ouviu falar dos bancos BES, BPN e Banif, apenas foi mencionada a intervenção de António Costa no negócio do BPI com Isabel dos Santos e mesmo aí sem grande vigor. Aliás, esta semana foi assinado o acordo para uma solução para os lesados do BES e na reunião do PSD nem uma palavra sobre o assunto.