Não é um caso que faça parte dos “Panama Papers” mas é um caso de alegado branqueamento de capitais que envolve aquele país da América Central. E, acima de tudo, é um caso em que se percebe o papel das empresas sedeadas em paraísos fiscais e os circuitos financeiros que servem para ocultar a origem do dinheiro.

Falamos da terceira acusação do Ministério Público contra João Rendeiro, ex-presidente executivo do Banco Privado Português (BPP), e mais três ex-administradores daquele banco intervencionado pelo Banco de Portugal, onde o Estado foi obrigado a injetar cerca de 450 milhões de euros.

Rendeiro, Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima foram acusados dos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais por alegadamente terem desviado cerca de 30 milhões de euros do BPP em prémios e outro tipo de remunerações aprovadas sem o conhecimento dos acionistas, assim como de terem utilizado fundos do banco para a realização de investimentos financeiros pessoais.

Os cerca de 30 milhões alegadamente desviados (ou, na linguagem jurídica do MP, que os arguidos “retiraram da esfera patrimonial do BPP para a sua esfera pessoal”), dividem-se desta forma:

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  • 17,1 milhões em pagamento de salários e de prémios de gestão que não foram autorizados pelos acionistas ou pela Comissão de Vencimentos – o que leva o MP a considerar os mesmos como ilícitos.
  • 1,3 milhões para financiar João Rendeiro (através da sociedade offshore Tagus) na aquisição de ações de empresa acionista do BPP sem que o dinheiro, segundo o MP, tenha sido restituído ao banco.
  • 11,1 milhões para financiar compra e venda de ações em que intervém a sociedade Telesis (controlada por João Rendeiro) com fundos do BPP, sem que o dinheiro, de acordo com a acusação, tenha sido devolvido ao banco.

A Telesis e o Panamá

Concentremo-nos neste último negócio, o da Telesis. Esta sociedade ganhou uma mais-valia de 11,1 milhões de euros com a compra e venda de ações da Strand Ventures (uma sociedade registada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas) que foi dividida por João Rendeiro, Salvador Fezas Vital e Paulo Guichard, sem que o financiamento do BPP tivesse sido pago.

A parte de Rendeiro foi de cerca de 7 milhões de euros. Este valor começou por ser transferido da sucursal do BPP nas Ilhão Caimão para uma conta da Union des Banques Suisses (UBS) titulada por outra sociedade detida por João Rendeiro: a Sertin. Esta por seu lado, e por ordens dadas por Rendeiro a Michel Canals (o gestor da UBS que estão no centro do caso Monte Branco), distribuiu este valor um por pouco por todo o mundo:

  • 1,5 milhões de euros para uma conta de João Rendeiro no BCP em Portugal, entre 30 de dezembro de 2008 e Abril de 2009;
  • 52 mil euros para a sociedade Corbes do Estado do Delaware (Estados Unidos), também detida por João Rendeiro, efectuada a 30 de março de 2009; esta sociedade detém a casa que João Rendeiro tem na Quinta Patiño;
  • 12 mil euros para uma conta na Suíça em nome da Penn Plaza, empresa do Estado do Nevada (Estados Unidos), também de Rendeiro;
  • e 2 milhões de euros para contas na Suiça e em Singapura de uma sociedade chamada Octavia International Foundation, sedeada no Panamá.

A Octavia International Foundation é uma sociedade offshore criada no Panamá por João Rendeiro e pela sua mulher, tendo aberto contas na Suíça no poderoso banco inglês HSBC Bank em fevereiro de 2009 e no Credit Suisse de Singapura.

A conta da Octavia no private banking do HSBC (um departamento exclusivo por natureza que gere alguma das maiores fortunas mundiais) recebeu 500 mil euros a 7 de maio de 2009, enquanto que o maior quinhão ficou para a conta no Credit Suisse em Singapura: 1,5 milhões de euros.

Fuga ao Fisco

A acusação contra os ex-administradores do BPP descreve igualmente os rendimentos que não foram declarados ao Fisco – e que incluem outros valores além dos cerca de 30 milhões de euros desviados.

No total, e como o Correio de Manhã noticiou, o DIAP de Lisboa imputa aos arguidos rendimentos não declarados de cerca de 48 milhões de euros.

Só no caso de João Rendeiro, entre salários, prémios e ganhos financeiros alegadamente não declarados, o MP imputa-lhe cerca de 29,6 milhões de euros não declarados entre 2003 e 2008, o que se traduz em cerca de 8,9 milhões de euros de impostos que estariam em falta.

Desde o início da investigação, contudo, Rendeiro já pagou impostos relacionados com cerca de 11 milhões de euros de rendimentos mas, segundo o DIAP de Lisboa, Rendeiro continua a não declarar cerca de 18,2 milhões de euros, estando em falta o pagamento de cerca de 5,1 milhões de euros em impostos. Já Paulo Guichard e Fernando Lima terão em divida um total de 1,4 milhões de euros em impostos.

Novo julgamento começou hoje

Entretanto, o julgamento da segunda acusação do caso BPP começou hoje no Campus de Justiça, em Lisboa. É o chamado processo principal do BPP e o objeto dos autos prende-se com a alegada falsificação da contabilidade do banco, que terá sido levada a cabo pela administração liderada por João Rendeiro para esconder os prejuízos financeiros da instituição. Rendeiro é acusado de seis crimes de falsidade informática e um crime de falsificação de documento. Os ex-administradores Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima e um quadro do BPP chamado Paulo Lopes são igualmente visados no caso.

A acusação do DIAP de Lisboa tem a data de junho de 2014 mas só agora, quase dois anos depois, o caso chega a julgamento. Um recurso sobre a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para pronunciar os arguidos para julgamento atrasou todo o processo.