É a grande pergunta da opinião pública portuguesa sobre os Panama Papers, depois de alguns nomes terem sido conhecidos esta 6.º feira: o que vai acontecer aos 34 beneficiários portugueses, como Luís Portela, Manuel Vilarinho ou Ilídio Pinho, e às 244 empresas de direito português que estarão envolvidos no caso?

Para podermos dar uma resposta completa é necessário respondermos a questões prévias:

  • Os suspeitos titulares de sociedades offshore criadas pelo escritório de advogado Mossack Fonseca podem ser investigados em Portugal? Se sim, por quem?
  • Que tipo de ilícitos criminais ou fiscais são suspeitos?
  • Os ilícitos criminais podem levar à sua prisão?

Comecemos.

Podem ser investigados em Portugal?

Necessariamente que sim. Por várias razões:

  • Para perceber se Portugal tem jurisdição para investigar qualquer facto criminalmente relevante relacionado com os Panama Papers — tal conclusão só poderá ser retirada após a abertura de um inquérito formal;
  • Para verificar se os factos já prescreveram — os documentos da Mossack e Fonseca abrangem um período que vai de 1970 até 2016;
  • E para quebrar o sigilo bancário e fiscal dos suspeitos em causa — questão sine qua non para recolher prova válida.

Pode colocar-se igualmente a hipótese de os factos em causa já terem sido investigados. Manuel Vilarinho afirmou esta 6.ª feira que já foi investigado no âmbito da Operação Furacão, o que, a confirmar-se, impedirá um novo inquérito contra o ex-presidente do Benfica pelos mesmos alegados ilícitos.

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A primeira tarefa do procurador titular de um inquérito com factos novos será descobrir em que local terá sido praticado o alegado ilícito criminal ou fiscal. Estamos a falar de sociedades que estão sediadas em diferentes paraísos fiscais, nomeadamente no Panamá, mas isso não significa necessariamente que a jurisdição para investigar pertença apenas ao Estado que acolhe o respetivo centro offshore.

Veja-se o caso das operações Furacão e Monte Branco — dois casos portugueses que têm paraísos fiscais de diferentes áreas geográficas no centro da investigação criminal. Em ambos estava em causa um alegado esquema criado em Portugal por contribuintes residentes e que visava a ocultação de rendimentos coletivos e individuais. A competência do Ministério Público (MP) era clara porque os crimes tinham sido concebidos e praticados em território nacional, além da Fazenda Nacional ser a grande prejudicada pelos impostos que não cobrou.

Para valer o mesmo raciocínio no caso dos Panama Papers é necessário que as sociedades offshore em causa tenham alguma relação com residentes em território nacional, de modo a avaliar se os crimes foram praticados em Portugal.

Mas mesmo que tal não tenha acontecido, o MP português pode continuar a ter competência territorial para investigar. Basta que exista uma conexão com entidades coletivas ou individuais nacionais. Um exemplo concreto: um conjunto de transferências bancárias com fundos ilícitos que tenham passado por bancos portugueses.

Existe mesmo a possibilidade de os factos não terem qualquer relação com o território nacional ou com entidades portuguesas mas, ainda assim, o MP ter jurisdição para investigar o crime. Outro exemplo: transferências bancárias entre, por exemplo, a Arábia Saudita e a Indonésia que levem a suspeitas de branqueamento de capitais para financiamento de atividades terroristas. Nesta situação, Portugal não só tem jurisdição para investigar como para julgar o caso, por via da transposição de uma diretiva da União Europeia de combate ao terrorismo.

No caso de ilícitos fiscais (sendo certo que a fraude fiscal é crime), tal só se verifica se a Fazenda Nacional tiver sido prejudicada patrimonialmente. Se assim for, também existirá uma investigação administrativa na Autoridade Tributária.

Resta saber se o atual governo voltará a repetir o modelo das amnistias fiscais com o fim de obter receitas extraordinárias. O governo Sócrates promoveu os chamados RERT – Regime Excecional de Regularização Tributária que, a troco do pagamento de uma taxa de 7,5%, visavam legalizar capitais que tinham saído de Portugal de forma ilícita por não terem sido declarados previamente ao Fisco (o seu amigo empresário, Carlos Santos Silva, usou-o; Ricardo Salgado também).

Que crimes podem ser imputados?

Tendo em conta que estamos a falar de paraísos fiscais, os crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais são os mais comuns.

Se forem apenas esses os ilícitos criminais, a resposta a dar é simples:

  • A investigação do Ministério Público (MP) pode ser encerrada com o pagamento dos impostos em falta e dos respetivos juros de mora. Se os arguidos aceitarem pagar, o MP decretará a suspensão provisória do processo — que terá de ser ratificada por um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal. O que significa, na prática, arquivar o processo desde que não se verifique reincidência dentro de determinado espaço de tempo. Na Operação Furacão, onde a esmagadora maioria dos processos foram encerrados desta forma, o prazo de suspensão normal foi de 2 anos.

Este entendimento do MP começou a ser posto em prática com a Operação Furacão — e depois de uma querela jurídica entre o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre a propósito de uma dívida fiscal de cerca de 10 milhões de euros imputada à empresa da rede “Loja do Gato Preto”. A questão estava em saber o grau de culpa da sociedade dona desta conhecida cadeia de decoração, e dos seus responsáveis, nos ilícitos criminais detetados. Tudo porque a “ausência de um grau de culpa elevado” é um pressuposto legal para a aplicação da suspensão provisória do processo.

O primeiro defendia que o pagamento dos impostos e respetivos juros de mora fazia com que existisse uma “culpa diminuta” e eliminava a prática do crime de fraude fiscal e, consequentemente, o de branqueamento de capitais. Neste último caso, trata-se de um crime de conexão. Eliminando-se o crime de base (fraude fiscal, por exemplo), o branqueamento também ‘cai’.

Já o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal defendia que existia um “grau de culpa elevado” devido à fuga ao fisco “de forma reiterada ao longo dos anos” e ao facto de os arguidos apenas mostrarem disponibilidade para pagar depois de terem sido incomodados pela Justiça.

A Relação de Lisboa acabou por dar razão ao procurador Rosário Teixeira e o mesmo entendimento foi seguido, segundo declarações de Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), à Agência Lusa este mês de março, em 134 inquéritos. Houve 759 arguidos que aceitaram pagar um total de mais de 146 milhões de euros à Fazenda Nacional e, por isso mesmo, não foram acusados. Refira-se que o DCIAP apenas promoveu 5 acusações na Operação Furacão contra 108 arguidos.

O DCIAP, órgão da Procuradoria-Geral da República que investiga a criminalidade económico-financeira mais complexa, aceitou pagamentos dos infratores em prestações durante o prazo máximo de dois anos e mediante prestação de uma garantia.

A mesma estratégia de transformar o DCIAP numa espécie de guarda avançada do Fisco deverá ser seguida para todos os inquéritos que nasçam do caso Panama Papers.

E se estiverem em causa crimes de corrupção?

A realidade penal será completamente diferente se estiverem em causa crimes de corrupção ou outro tipo de crimes económico-financeiros. Recorde-se que a primeira leva de informação dos Panama Papers envolvia vários titulares de cargos políticos, como por exemplo, Vladimir Putin (presidente da Rússia), Sigmundur Gunnlaugsson (primeiro-ministro Islândia) ou Petro Poroshenko (presidente da Ucrânia).

Um inquérito que tenha como alvo um titular de cargo político por suspeitas de corrupção ou outros crimes de funcionário não poderá ser alvo de suspensão provisória de processo. Mesmo uma eventual acusação por eventuais crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais irá sempre até ao fim.

Porquê? Porque a suspensão provisória do processo só se aplica a crimes com pena até 5 anos, como é o caso da fraude fiscal qualificada. Logo, crimes como corrupção passiva (pena máxima até 8 anos), corrupção ativa no comércio internacional (pena máxima até 8 anos) ou até branqueamento de capitais (pena máxima de 12 anos) não podem ser alvo de suspensão provisória de processo.

Associação criminosa – pena 8/10 anos

Em relação a outros crimes, coloca-se sempre a questão, entre outros pressupostos, de “ausência de um grau de culpa elevado”.

Podem ser presos?

Qualquer cidadão alvo de uma investigação criminal presume-se inocente até ao trânsito em julgado de uma sentença de um tribunal penal de primeira instância. Isto é, um arguido só é preso para cumprir uma sentença de prisão quando se encontram esgotados todos os recursos possíveis.

Outra situação é a prisão preventiva. Sendo certo que qualquer arguido só poderá ser preso preventivamente em qualquer uma das seguintes situações:

  • perigo de fuga para impedir a ação eficaz da justiça;
  • perigo de perturbação de inquérito, nomeadamente destruição de prova ou tentativas de influência dos arguidos sobre testemunhas podem ajudar a investigação;
  • continuidade da atividade criminosa ou perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas.

Nos casos de especial complexidade, como poderão ser os casos nacionais do Panamá Papers, os prazos máximos para a prisão preventiva de um arguido são os seguintes:

  • 1 ano sem que tenha sido deduzida acusação formal;
  • 1 ano e 4 meses sem que tenha sido proferida decisão instrutória que determinará o julgamento ou o arquivamento dos autos;
  • 2 anos e 6 meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância;
  • 3 anos e 4 meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado