O último plano de reestruturação apresentado pelo Banif, em setembro de 2015, envolvia um novo auxílio estatal ao banco que teria não só de passar em Bruxelas, mas exigiria um orçamento retificativo aprovado na Assembleia da República. Esta necessidade foi reconhecida pela ex-ministra das Finanças que a apontou à comissária europeia da Concorrência como uma limitação à atuação do governo de coligação PSD/CDS na procura de uma solução para o Banif.

Maria Luís Albuquerque avisou: “Portugal está atualmente impedido de facto de tomar qualquer decisão nesta matéria. À luz do exposto, apenas após as eleições poderá o governo eleito ponderar uma proposta de decisão nesse âmbito”. Esta foi uma das cartas enviadas à comissão parlamentar de inquérito ao Banif que ouve esta quarta-feira a ex-ministra das Finanças.

Em carta enviada a Margrethe Vestager, com data de 18 de setembro de 2015, Maria Luís Albuquerque dá conta da resposta de Portugal à abertura de um processo de investigação aprofundada por ajuda de Estado, incluindo elementos preparados pelo Banif no sentido de avançar com um novo plano com “medidas de reestruturação revistas muito profundas que o banco considera irem, também, ao encontro das preocupações manifestadas pela Comissão, na sua carta de 24 de julho de 2015”.

Apesar de estas tarefas ainda não estarem executadas, Portugal “compromete-se desde já a desenvolvê-las no calendário mais curto que possa revelar-se exequível”. Maria Luís Albuquerque propõe, ainda, a realização de reuniões de trabalho e análise das soluções, envolvendo também o Banco de Portugal. No entanto, a ministra assinala a restrição do calendário eleitoral.

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O plano proposto pelo Banif, que prevê a separação jurídica de ativos entre “banco bom” e “banco mau” exigida por Bruxelas desde 2014, exige mais capital, neste caso público porque não haveria investimento privado disponível sem a reestruturação aprovada.

E este novo esforço terá de ser avaliado pela Concorrência à luz das regras de ajudas de Estado, pelo que “deverá ter-se presente que a concessão de qualquer garantia estatal (ou de qualquer eventual medida de auxílio estatal) sugerida pelo banco implicaria, do ponto de vista orçamental, a adoção de uma decisão da Assembleia da República nacional no quadro da aprovação de um orçamento ou de uma alteração do orçamento vigente”.

“Atendendo ao processo eleitoral em curso — o qual culminará nas eleições legislativas marcadas já para o próximo dia 4 de outubro de 2015 — Portugal está atualmente impedido de facto tomar qualquer decisão nesta matéria”.

À luz do exposto, apenas após as eleições, poderá o governo eleito ponderar uma proposta de decisão nesse âmbito e, se assim o entender, submeter uma qualquer proposta de decisão à Assembleia da República então eleita, sem prejuízo naturalmente as regras da União Europeia em matéria de auxílios de Estado”.

Na carta anterior a esta, datada de 24 de agosto e já depois da abertura formal de uma investigação aprofundada à ajuda ao Banif, a então ministra das Finanças, através da chefe de gabinete, comunica que está convocada a assembleia geral para eleger os órgãos sociais do banco. E que esse conselho, que continuava a ser liderado por Jorge Tomé e Luís Amado, teria a missão de apresentar um plano de saída do Estado do capital e um processo de reestruturação que fosse ao “encontro das orientações da Direção-Geral da Concorrência” e conduzisse “à aprovação do processo pela mesma”.

A “bomba” Banif acabou por rebentar nas primeiras semanas do governo de António Costa, mas foi durante a fase de negociações políticas para formar o novo executivo que se soube que poderia haver problemas no banco com impacto nas contas do Estado.

“Impasse negocial” que fez perder dois anos

Ora, a equipa que estava à frente do Banif era a mesma que tinha, ao longo dos últimos dois anos, recusado as imposições de Bruxelas para o redimensionamento da atividade, opondo-se sempre ao “Banco das Ilhas”, e que a ex-ministra das Finanças tentou, sem sucesso, substituir na primeira metade de 2015.

Para o governador do Banco de Portugal, as discussões com Bruxelas conduziram a um impasse negocial que foi prejudicial para o desfecho do caso Banif. “Tenho pena que o processo iniciado no segundo semestre de 2015 não tivesse sido iniciado no segundo semestre de 2013”, disse Carlos Costa esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito. O governador apontou na direção da gestão do Banif. Quem foi responsável? “Quem estava agarrado a um modelo que não seria aceite. É preciso saber quando se deve abandonar o braço-de-ferro”. Mas não referiu as responsabilidades do Ministério das Finanças.

O Estado era o maior acionista do banco e tinha dois representantes na administração, mas não exerceu a opção que lhe dava mais poder no banco quando se registou um incumprimento no reembolso dos instrumentos de capital convertível (CoCos). O Banco de Portugal deu um parecer a desaconselhar a medida, na altura em que estava a decorrer o aumento de capital privado, no verão de 2013. Mas não é claro porque não foi essa opção exercida mais tarde.

As cartas trocadas entre a então ministra das Finanças e o comissário da Concorrência, à data Joaquín Almunia, mostram claramente que esta direção-geral sempre manifestou muitas reservas aos planos ou versões que foram sendo apresentados, impondo, em contrapartida, um emagrecimento muito mais agressivo da operação do Banif, para 40%, do que o proposto. E queixando-se, inclusive, da qualidade e consistência da informação e projeções apresentadas.

Numa carta de 17 de julho de 2013, o então vice-presidente da Comissão Europeia, manifesta à ministra das Finanças as “suas preocupações” relativas ao incumprimento (non-compliance) da decisão de recapitalização pública, aprovada em Bruxelas a título provisório, e sobre a avaliação da viabilidade do Banif. Uma das falhas apontadas era a não realização do investimento privado na data prevista. Segue, ainda, uma lista “não exaustiva” de 21 falhas identificadas no último plano apresentado à data (29 de junho de 2013).

Em 2014, o comissário volta a mostrar preocupação com o “pouco progresso feito no caso Banif”. Em carta a Maria Luís Albuquerque, com data de 31 de março de 2014, Almunía, diz mesmo que a informação que sustentava a proposta entregue em fevereiro desse ano era de “fraca qualidade, levantando dúvidas sérias sobre a solidez, importância e valor do último plano de reestruturação apresentado”.

O essencial destas dúvidas não tinha sido ultrapassado quando a sucessora de Almunía, Margrethe Vestager, escreveu a Maria Luís Albuquerque, em dezembro de 2014. É uma espécie de ultimato a Portugal que terá de apresentar um plano de reestruturação até março do ano seguinte, que incluísse a separação jurídica dos ativos de má qualidade. Apesar de reconhecer progressos, Vestager assinala o tempo que já decorreu desde a aprovação preliminar da ajuda ao Banif (dada em janeiro de 2013), a ameaça com a abertura de uma investigação aprofundada. E é nesta missiva que é feita referência à gestão política do caso, para não comprometer a saída limpa de Portugal do programa de assistência.

Para Carlos Costa, se o último plano de reestruturação tivesse sido apresentado no segundo trimestre de 2013, teria dado margem temporal para negociar. Reconheceu, ainda, que este tempo é bastante longo para o que é normal na análise por Bruxelas de processos de ajuda de Estado. Mas, à data em que foi feita a proposta que mais se aproximava das imposições de Bruxelas, o governo de coligação, em final de mandato, já não tinha condições para desenvolver o processo, conforme reconheceu Maria Luís Albuquerque.

A corrida contra o tempo

A resposta da DG Comp ao último plano de reestruturação do Banif chegou a 29 de outubro, endereçada à representação portuguesa em Bruxelas, com conhecimento da ainda chefe de gabinete de Maria Luís Albuquerque e já depois de a proposta ter sido apresentada numa reunião em que estiveram o Banif e o Banco de Portugal. A conclusão preliminar era a de que o destaque jurídico dos ativos problemáticos do banco obrigaria a uma nova ajuda de Estado. A missiva dos serviços da concorrência assinalava, ainda, que o Banif iria entrar em falha dos rácios de capital no início de 2016, na sequência do reconhecimento de perdas nos ativos imobiliários e crédito.

A carta assinada pelo diretor da unidade de ajudas de Estado, Peer Ritter, remeteu um conjunto vasto de questões que exigiam resposta no prazo de 15 dias. As respostas ainda seguiram com Maria Luís Albuquerque nas Finanças, mas com um governo relâmpago que já tinha caído no Parlamento. A 13 de novembro, a responsável assegura a Bruxelas que ainda não foi concedido qualquer apoio financeiro adicional pelo Estado ao Banif e que estava a avaliar com o Banco de Portugal a evolução da situação de solvência do banco.

A 16 de novembro, a DG Comp comunicou ao Banco de Portugal, que por esta altura assumiu um papel mais relevante nas negociações dada a transição entre governos, que o plano de reestruturação não era aceite porque exigia uma recapitalização pública, o que, do ponto de vista de Bruxelas, era uma ajuda de Estado adicional. Foi também nesta reunião, confirmaram Carlos Costa e António Varela, que a direção da concorrência deu um deadline para Portugal encontrar uma solução para o banco: o final de 2015.

Entrou-se numa corrida contra o tempo, testemunhou o governador, que descreveu ainda o afunilar das soluções, à medida que as alternativas iam caindo nas malhas das objeções europeias e da falta de tempo.

Também o conselho de supervisão do BCE avisou o Banco de Portugal que passar o processo para 2016, com a entrada em vigor das novas regras da união bancária, poderia implicar uma resolução com um bail-in (perdas imputadas) envolvendo depósitos não protegidos, com “danos de alcance imprevisível para a estabilidade do sistema financeiro”. Era um mundo novo que ninguém queria experimentar.

Foi aí que o Banco de Portugal deu início ao processo de venda voluntária da posição do Estado no banco, ao mesmo tempo que tentou, ainda, fazer passar uma recapitalização pública do Banif que voltou a ver a “luz vermelha” de Bruxelas.