Manuel Vilarinho está entre os 240 nomes nos Panama Papers. E sabe que está. O ex-presidente do Benfica (2000-2003), que sucedeu a Vale e Azevedo e antecedeu Luís Filipe Vieira, é presidente do Conselho de Administração da Edigest, uma empresa de investimentos imobiliários, desde 1990. Esteve no Ministério Público (1973-1974), passando a seguir para adjunto para os assuntos jurídicos do Secretário de Estado da Informação, até dezembro de 1975. Foi ainda presidente do Conselho de Disciplina da Associação de Futebol de Lisboa, vogal do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e ainda presidente da Assembleia-Geral do Benfica.

A Edigest, empresa de que é presidente do Conselho de Administração desde 1990, é uma sociedade imobiliária especializada na compra, venda, arrendamento e gestão de ativos imobiliários de rendimento — edifícios de escritórios, armazéns industriais, imóveis residenciais, imóveis de retalho e lugares de estacionamento.

“Pois é claro que o meu nome aparece nos papéis do Panamá. Eu sei que estou lá, sabe o Ministério Público e sabe o país todo. (…) Isso não é crime (…) Cometi um pecado que está no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal] por causa de um problema grave com o Banco Espírito Santo. Não tenho rabos-de-palha e sou um cidadão cumpridor. Já paguei tudo o que devia”, disse Manuel Vilarinho ao Expresso e TVI.

Manuel Vilarinho assumiu à TVI que deteve uma offshore, mas que isso “não é crime”. Os Panama Papers revelam que Vilarinho foi beneficiário de uma offshore chamada Soyland Limited Liability Company, que tem sede no Nevada, nos Estados Unidos. Os Panama Papers revelam ainda a troca de emails entre o ex-presidente do Benfica e a Mossack Fonseca, a empresa de advogados sediada no Panamá que está no centro da investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Os correios eletrónicos estão escritos em francês e inglês e neles constam certificados de incumbência e o respetivo montante pago pelo empresário português para os mesmos”, escreve a TVI24.

Benfica, comprar e vender capital da SAD

No ano 2000 Vilarinho é o protagonista de uma vitória que ninguém esperava: consegue ser eleito presidente do Benfica com 62% dos votos, derrotando Vale e Azevedo. Foi a maior votação de sempre numas eleições para a liderança do clube.

Em agosto de 2002, Manuel Vilarinho vendeu 16,8% do capital da SLB-Sociedade Anónima Desportiva (SAD) ao Sport Lisboa e Benfica. Anteriormente, Vilarinho havia investido 21 milhões de euros na subscrição de ações da SAD da Luz, para ficar dono de 29,07% do capital da SAD do clube a que presidia.

“Manuel Vilarinho reduziu a sua participação qualificada de 29,07% do capital social da sociedade e dos correspondentes direitos de voto para 12,27%, tendo vendido as ações correspondentes à diferença”, comunicava então o clube da Luz, citado pelo Jornal de Negócios. Com esta ação, o clube passou a controlar 66,8% do capital da SAD.

Em agosto de 2007, Vilarinho garantia que era o Banco Espírito Santo (BES) quem detinha 11,2% da SAD do Benfica. E porquê? “Entendo que as ações não são minhas, mas do BES, entidade a quem pedi um empréstimo e a quem dei como garantia as ações do Benfica. O BES é titular dos direitos de voto, dos dividendos e de dois lotes de 840 mil acções da Benfica SAD”, explicava então ao DN.

Mas a história não seria assim tão simples. Vilarinho descartava a titularidade das 1680 mil ações, que haviam sido dadas como garantia de um crédito de 8,4 milhões de euros pedido em 2001, ao Banco Internacional de Crédito, que entretanto foi adquirido pelo BES. O banco de Ricardo Salgado também negaria a titularidade das ações. Ninguém queria as ações do clube da Luz.

Em 2016, viu-se novamente associado a uma história judicial. Vítor Santos, conhecido como “Bibi do Benfica”, foi condenado a dois anos e nove meses de prisão por fraude fiscal, com pena suspensa, por não ter pago 3,7 milhões de euros devidos em impostos, contou a Visão. E tudo aconteceu porque “Bibi” deu uma entrevista polémica à revista Maxime, na qual admitiu que financiou a campanha eleitoral de Vilarinho à presidência do Benfica e que mais tarde pagou um jogador para o clube. Falava de Roger, o canhoto que chegou do Fluminense em 2002, com estatuto de craque.

Aquela história ficou estranha, digamos assim, quando Bibi informou que ganhava o salário mínimo, que na altura se fixava em 334,19 euros. Ou seja, era por isso que não apresentava declarações de IRS. Na mesma entrevista, no entanto, acabou por admitir que tinha dez milhões de ações da Sonae.

Outras polémicas e histórias

Em dezembro de 2012, Manuel Vilarinho surgiu na imprensa associado ao caso “Monte Branco”, por ser suspeito de branqueamento de capitais e fraude fiscal. Na altura, o Diário de Notícias noticiou que o Ministério Público e a inspeção tributária fizeram buscas na sua casa e na imobiliária, a Edigest.

Vilarinho constaria de uma lista de clientes de Francisco Canas, o dono da loja de câmbios Montenegro Chaves e Cª Lda. O ex-presidente do Benfica teria recorrido ao dono da loja para transferir dinheiro entre a Suíça e Portugal.

Em 2009 foi acusado de agredir uma mulher brasileira. Juliana Boncristiano era bailarina num bar e Manuel Vilarinho convidou-a para umas férias no Algarve, contou então o Expresso. A bailarina profissional admitiu ao semanário que era striper e que se tiveram de encontrar na região algarvia porque Vilarinho “era casado”. O caso remontava a abril de 2007, altura em que, pelas quatro da manhã, a GNR de Sagres foi chamada a um aparthotel para responder a um caso de agressão.

Vilarinho não foi detido porque não houve flagrante delito, mas o Ministério Público de Lagos faria a acusação: “Manuel Vilarinho desferiu em Juliana Boncristiano um número indeterminado de socos que a atingiram na cabeça e nos membros superiores, causando-lhe dores e equimoses no ombro direito e no braço esquerdo”.

Voltemos ao futebol. Quando preparava o terreno para a presidência do Benfica, num debate com João Vale e Azevedo, Vilarinho prometeu Mário Jardel, o famoso ponta-de-lança que brilhara no FC Porto e que atuava no Galatasaray. Foi assinado um contrato-promessa, que não seria cumprido pelo presidente dos encarnados. O avançado brasileiro avançou então para o Tribunal de Trabalho de Lisboa, para pedir uma indemnização de 2,850 milhões de euros por incumprimento. Jardel acabaria por recuar, quando o Benfica contratou o seu irmão, George Jardel, um avançado que jogava no Felgueiras.

Há pouco tempo, Vilarinho mostrou o seu lado mais descontraído numa presença no programa “4-4-3” da RTP. Ao semanário, por exemplo, disse coisas como “tínhamos um defesa direito que era cego, tinha 20% num olho e 30% no outro” e “o defesa esquerdo, que era o único que sabia um bocadinho jogar à bola, era maluco”.

Foi também nesta conversa no “4-4-3” que deu conta da relação com José Mourinho e Pinto da Costa. A conversa começou precisamente com o treinador, um homem que sai do Benfica graças à falta de paciência de Vilarinho. Mourinho encostou-o à parede, após uma vitória por 3-0 contra o Sporting, na Luz, e resumiu a coisa assim: “E o senhor Mourinho diz isto ‘ou me renova o contrato mais um ano ou amanhã já não dou o treino’. Ele nunca gostou de mim, não sei porquê, devia pensar que eu não gostava dele.”

Qual foi a resposta? Bom, foi assim: “Ao Mourinho respondi-lhe: então ‘faxavor’ vamos fazer contas e vai-se embora. Eu nunca mais tinha mão naquilo.”

Com Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto, a relação até era saudável. “Dava-me muito bem com ele. Até que ao fim de três meses de ser presidente do Benfica, ele disse uma coisa que não tem jeito nenhum”, pode ler-se aqui no Expresso. “Perguntaram-lhe sobre o presidente do Benfica e ele diz ‘mas isso foi antes ou depois do almoço?’. Nunca mais lhe falei nem lhe falo.”

Manuel Lino Rodrigues Vilarinho, 68 anos, natural de Lisboa, formou-se em Direito e é mestre em Direito e Direito Tributário (1967-1973), pela Universidade de Lisboa.