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"Não é um pénis ou uma vagina que faz de ti homem ou mulher. A identidade de género está na essência"

Este artigo tem mais de 5 anos

Broden Giambrone é presidente da Transgender Equality Network e esteve em Lisboa para falar sobre a lei na Irlanda. Não é preciso relatório médico, processo demora apenas 2 semanas e custa 50 euros.

Broden Giambrone, 33 anos, fotografado no Bairro Alto, sítio onde se localiza a redação do Observador.
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Broden Giambrone, 33 anos, fotografado no Bairro Alto, sítio onde se localiza a redação do Observador.

FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

Broden Giambrone, 33 anos, fotografado no Bairro Alto, sítio onde se localiza a redação do Observador.

FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

Quando Broden nasceu, foi-lhe dado um certificado de “menina”. Foi esse o gesto automático de quem atestou uma vagina no corpo daquele bebé e selou um F no primeiro documento de vida. Mas o gesto viria a provar-se errado. Broden Giambrone, canadiano, foi para a Irlanda para chefiar a Transgender Equality Network Irland (TENI) e, quando pisou o solo irlandês, corpo e documentação já estavam alinhados. Com 14 anos de experiência nas questões transgénero, várias publicações académicas e muita advocacy, coube-lhe a ele pressionar os responsáveis políticos para o reconhecimento das pessoas transgénero.

Em julho de 2015, a Irlanda aprovou a Lei de Reconhecimento de Género. Era o único país da União Europeia que não tinha legislação na área. O vazio terminou e, hoje, a Irlanda tem uma das legislações mais progressistas. Em Portugal, para mudar o sexo e o nome no Registo Civil é preciso um relatório médico. Na Irlanda, só conta a autodeterminação. É preciso apenas assinar uma declaração em que a pessoa garante que é da sua vontade viver e ser reconhecida com aquele género até ao resto da sua vida.

Irlanda: mais rápido e mais barato

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O processo de mudança de sexo e nome no Registo Civil na Irlanda demora menos de duas semanas e custa menos de 50 euros. Em Portugal, só o procedimento administrativo tem um custo de 200 euros e a mudança pode demorar três anos, diz estudo da ISCTE/ILGA.

Para a criação desta lei, Broden fez “mais de 60 reuniões”, entre deputados, membros do Governo e nomes influentes da política do país. Mas o trabalho não se esgotou no verão passado e parte da responsabilidade passa por participar em conferências internacionais. Lisboa entrou na rota. Broden Giambrone foi um dos oradores da conferência “Transexualidade e Reconhecimento Legal de Género”, organizada pela ILGA e pelo ISCTE. A associação quer alterações na lei portuguesa e inspira-se na lei irlandesa.

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A Lei de Reconhecimento de Género da Irlanda foi aprovada em julho de 2015. Como é que se chegou até lá?
Houve um caso com muita exposição pública. Foi o caso da Lydia Foy, uma mulher transgénero. A primeira vez que ela pediu para mudarem o M para F na certidão de nascimento foi em 1993. O Estado recusou e Lydia entrou numa batalha legal. O caso chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que, em 2007, decidiu que os seus direitos tinham sido violados porque lhe foi recusada aquela alteração na certidão de nascimento. Desde aí, a pressão sobre o Governo foi aumentando. Lydia Foy conseguiu a nova certidão em setembro de 2015, mês em que a lei entrou em vigor, e pôs fim a uma batalha que durou 22 anos. Ela tem 68 anos neste momento.

Quantas pessoas é que já pediram a mudança legal de identidade de género?
Desde a entrada em vigor da lei, em setembro de 2015, até ao fim de março deste ano, o pedido foi feito por 112 pessoas. Isto em seis meses. Três pessoas têm menos de 18 anos.

As regras são diferentes para quem tem 16 e 17 anos, certo?
Sim. Se tiveres 18 anos, só tens de assinar uma declaração estatuária em que confirmas que aquela é a tua identidade. Não precisas de declarações de médicos, não há diagnósticos, não há testes, nada. Só tens de assinar um documento legal que confirme a autodeterminação. Se tiveres 16 ou 17 anos, é mais complexo. Tens de ter o consentimento dos teus pais, precisas de uma declaração médica de dois médicos de especialidades diferentes (entre um médico de clínica geral, um endocrinologista e um psiquiatra) e precisas da autorização do tribunal.

Quais são os efeitos práticos desta lei? O que é que vai mudar?
Facilita a vida. Antes, não havia forma nenhuma de alterares a tua certidão de nascimento. Ou seja, de cada vez que uma pessoa transgénero precisasse de usar a certidão de nascimento, o nome e o género que lá estavam não eram os seus. Sei que não precisas da certidão de nascimento diariamente, mas lá precisas dela em momentos-chave da vida: quando entras para a escola, quando entras para a faculdade, quando te casas e quando morres. A tua certidão de óbito copia os dados da tua certidão de nascimento, por exemplo. Simbolicamente e politicamente também é importante porque, pela primeira vez, o Estado reconhece as pessoas trans. Está a dizer que elas existem.

Se tens um pénis, és um homem. Se tens uma vagina, és uma mulher. Tudo o resto é visto como estranho, incorreto, antinatura”.

Como é que as pessoas trans são vistas?
São muito vistas como seres estranhos, pervertidos, anormais. Se tens um pénis, és um homem. Se tens uma vagina, és uma mulher. Tudo o resto é visto como incorreto ou antinatura. Eu sou trans. Aquilo que fazem muitas vezes comigo é referirem-se a mim dizendo “ela”.

Qual é a tua história?
Eu tenho 33 anos e comecei a minha transição aos 19 anos, no Canadá, porque sou canadiano. Já vivi toda a minha vida adulta sendo quem sou. Foi um caminho longo, comigo próprio e com os meus amigos e família. Mudar os documentos, hormonas, cirurgias… Tudo junto mudou a minha vida. A transição é um processo difícil, mas é muito entusiasmante. Agora tenho a missão de simplificar a vida de outras pessoas trans. Olhando para trás, parece que aquele passado já foi há muito tempo. E isso é bom.

Como é que escolheste o teu nome?
Foi um dilema muito grande. Tinha 18 ou 19 anos. Lembro-me de estar com um amigo num café e estávamos a pensar e a pesquisar nomes que pudessem adequar-se a mim. É difícil escolher um nome que te assente como uma luva, sabes? Todos nós recebemos nomes dos nossos pais. Às vezes gostamos, outras vezes não. E ter a oportunidade de escolheres o teu próprio nome é desafiante. Perguntei aos meus pais ‘qual era o nome que me teriam dado se eu tivesse nascido rapaz?’. Mas, naquela altura, a minha mãe ainda não estava muito à vontade para falar sobre o assunto. Ainda era muito duro para ela. Ela tem uma mentalidade muito aberta mas, quando acontece com o teu filho, as coisas são diferentes. Os pais têm expectativas para os filhos. É duro.

Qual era o teu nome antes?
Não te posso dizer (risos).

Porquê?
Não conto a ninguém (sorri). É como o nome do Super-homem, está encriptado! (risos). É como se fosse algo alheio a mim, algo externo. Só há duas pessoas que sabem o meu nome de nascença: o meu companheiro e o meu ex-companheiro. Mas eu não fecho a sete chaves o meu passado. Foi assim que nasci, era assim que eu era, foi assim que cresci. Mas quem eu sou agora é muito mais importante.

Às vezes, as pessoas fazem-me perguntas sobre as cirurgias que eu já fiz ou não. E eu entendo. Mas às vezes penso: ‘perguntarias a qualquer outra pessoa o que tem dentro das calças?’

Qual é o peso que as modificações do corpo têm para a construção da identidade?
Eu sabia que era homem, quer tivesse ou não uma barba, quer tomasse testosterona ou não. Isso não alterou o facto de eu ser homem na essência. Não são as cirurgias nem é um pénis ou uma vagina que faz de ti homem ou mulher. Acho que a identidade de género está lá. Mas as pessoas interessam-se muito pelas cirurgias. Vê o caso da Caitlyn Jenner: os media só começaram a falar dela como mulher quando ela fez as cirurgias. Até aí, era sempre no masculino. Isto apesar de ela ter falado várias vezes no facto de se sentir mulher, de ser mulher. É importante ver além disto porque, em 99% das vezes, não sabes quais foram as cirurgias que as pessoas fizeram. A não ser que sejas namorada dessa pessoa, é provável que não saibas o que ela fez ou não fez. E isso só diz respeito à pessoa.

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Publicado por Ben Power em Quinta-feira, 17 de Setembro de 2015

Qual é o teu trabalho enquanto diretor executivo da TENI?
Bom, a TENI é uma organização internacional sem fins lucrativos. Trabalhamos em quatro áreas: cuidados de saúde, educação, emprego e legislação. Eu estou muito focado na parte da legislação. Para a aprovação desta lei, fiz muito lobbying, tive muitas reuniões com políticos e deputados, fiz várias apresentações. Faço muita advocacy. Tive mais de 60 reuniões, entre deputados, membros do Governo e nomes influentes da política irlandesa. Foram cinco de anos de um processo constante de pressão para a criação da Lei.

Quantas pessoas transgénero existem na Irlanda?
É difícil saber. Nós usamos o exemplo do Reino Unido. Lá, estimam que 1% da população seja gender varied. São pessoas que têm uma identidade de género diferente da que foi atribuída à nascença, quer venham a fazer a transição de género ou não. É difícil saber porque nos Censos não vem nenhuma informação sobre isso. Não há nenhuma pergunta sobre a identidade de género, o que eu entendo, porque as pessoas podem não querer falar sobre isso.

A Irlanda continua a ser um país conservador?
Sim. A Irlanda é um país muito católico. Nos últimos censos de 2011, 84% das pessoas identificaram-se como católicas. Em Portugal anda à volta dos 81%. Nem todos os católicos são conservadores, mas pode ser um indicador interessante. Na Irlanda, as escolas são quase todas católicas. O casamento homossexual foi aprovado em maio de 2015 depois de ir a referendo [com uma campanha pelo “não” da Igreja Católica].

Casamento homossexual desde maio de 2015

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Foi a referendo e foi aprovado com 62% dos votos pelo “sim”. Irlanda foi o 1º país a optar pela consulta popular em vez da via parlamentar. Na altura, a Igreja Católica fez uma campanha ativa pelo “não”.

Mas a questão das escolas é complicada. Vamos pensar nos jovens transgénero ou nos jovens que desafiam as normas de género. Na Irlanda há muitas escolas só de rapazes e escolas só de raparigas. E isso é um problema. Por exemplo: tu és um menino transgénero, ou seja, identificas-te como menino. Mas atribuíram-te o género feminino à nascença e, por isso, estás numa escola só de raparigas e lá só podes usar saias porque é esse o uniforme da escola. Esta experiência pode ser muito dura.

A luta das pessoas transgénero é muito simples. É aquilo que todos nós queremos: sermos livremente aquilo que somos”.

Lei em Portugal faz 5 anos. Como é que funciona?

A lei 7/2011 faz agora cinco anos e o marco motivou a realização de um estudo pelo ISCTE — IUL em parceria com a ILGA. Segundo a lei, o pedido de mudança de nome e sexo no Registo Civil só pode ser feito por cidadãos com mais de 18 anos. É preciso apresentar um relatório médico que ateste um diagnóstico de perturbação de identidade de género, que deve ser elaborado por uma equipa de profissionais (psicólogos, endocrinologistas, etc). Esse é, aliás, um dos pontos que, segundo os investigadores, merece revisão. À Agência Lusa, Carla Moleiro diz que a necessidade deste diagnóstico significa que “são os profissionais de saúde que exercem este poder do acesso ao diagnóstico”, o que acaba por se traduzir em “experiências diferentes” entre pessoas trans.

“Existem pessoas que encontram profissionais de saúde e equipas que, de uma forma célere, fazem a sua avaliação e são céleres na elaboração do relatório […], e existem outras pessoas que encontram equipas que tem um procedimento distinto, que muitas vezes solicitam duas avaliações para passarem o relatório”, revelou a investigadora à Lusa.

Os investigadores defendem ainda que as alterações no Registo Civil possam ser feitas a partir dos 16 anos em vez dos 18 anos em vigor porque, explicou Carla Moleiro à Lusa, “do ponto de vista da saúde mental e do bem-estar das pessoas trans, o período da adolescência é um período de risco”. Outra das sugestões consiste em definir que é a autodeterminação de cada um o critério para as alterações, e não um relatório médico, tal como no caso irlandês. No estudo do ISCTE e da ILGA participaram 68 pessoas trans, 12 profissionais de saúde e cinco associações.

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