“Poyekhali!” (em português, “vamos lá!”) foi o que Yuri Gagarin gritou quando o engenheiro de aeronaves soviético Sergei Korolev anunciou na rádio que a Vostok-1 estava pronta a viajar para o espaço: “Desejo uma boa viagem, aqui está tudo bem”. Esta exclamação espontânea de Gagarin, na altura com apenas 27 anos, viria a marcar uma outra luta: a do bloco soviético durante a Guerra Fria.

A 12 de abril de 1961, o jovem Yuri Gagarin – um dos 19 pilotos destacados para se tornar num cosmonauta do Programa Espacial Soviético – tornou-se no primeiro ser humano a viajar no espaço. Mais do que isso: passou a ser também um símbolo de supremacia soviética perante os Estados Unidos, que apenas um mês mais tarde colocariam um astronauta nas alturas. Há 55 anos, a exploração espacial era sobretudo uma disputa indireta entre duas potências económicas pouco depois da II Guerra Mundial. Uma disputa que só terminou em 1991, com a extinção da União Soviética. Mas que levou as duas nações a desenvolver novas tecnologias na indústria espacial ao longo de 46 anos.

Os soviéticos sabiam que estavam em vantagem em relação aos Estados Unidos e a prova estava na quantidade (e sucesso) dos satélites Sputnik – os primeiros a chegar ao espaço -, que estavam em órbita terrestre e completamente operacionais. Mas também sabiam que o avanço da União Soviética nas tecnologias da indústria espacial colocariam igualmente os norte-americanos a refinar a sua estratégia além-atmosfera. Ganhava quem colocasse a fasquia cada vez mais alta. Por isso, anteciparam-se: sabendo dos planos que os Estados Unidos tinham de levar o astronauta Alan Shepard para o espaço, os soviéticos confiaram nos resultados positivos dos protótipos das naves que tinham construído e apostaram tudo na viagem de Gagarin, que partiu 23 dias mais cedo que o piloto norte-americano.

A viagem

Yuri Gagarin levantou os pés da Terra naquele dia de abril às 9h07 de Moscovo e partiu com mais dúvidas que certezas. Ninguém sabia, por exemplo, que efeito é que a inexistência de gravidade teria no corpo do cosmonauta. Também não havia muito que Gagarin pudesse fazer com as próprias mãos dentro da cápsula, caso a viagem começasse a correr mal: a maior parte dos comandos eram operados a partir da Terra ou de forma automática. O protocolo mandava que Gagarin não tomasse controlo manual da cápsula a não ser em caso de emergência, por isso ficou acordado que apenas em situação de vida ou de morte é que ele receberia um código que lhe permitia controlar a máquina com as próprias mãos (soube-se mais tarde que os engenheiros discordaram deste procedimento e deram o código a Gagarin ainda antes de descolagem). A equipa do programa espacial estava ciente do risco que corria, tanto que a Vostok-1 levava comida suficiente para 10 dias: se o cosmonauta não conseguisse regressar, teria mantimentos suficientes para o tempo necessário até que a nave começasse a cair naturalmente pela força da gravidade.

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“A Terra é azul. É tão maravilhosa. É incrível”. Foi assim que Gagarin começou por descrever o planeta no início da sua órbita completa à volta da Terra. Estava a mais de 315 quilómetros de altura e viajava a uma velocidade controlada de 28 mil quilómetros por hora, números que lhe valeram uma medalha da Ordem de Lenine. “Olhei para todos os lados, mas não vi Deus”, acrescentou também. Ao fim de 108 minutos, quando sobrevoava o continente africano, Gagarin iniciou o seu regresso a casa: a mecânica funcionou adequadamente e o cosmonauta conseguiu entrar sem problemas de maior na atmosfera terrestre. Tinha conseguido manter-se consciente durante toda a viagem, mesmo estando sujeito a uma força equivalente a oito vezes a gravidade exercida pela Terra.

Mas nem tudo foi revelado ao público naquele dia. Aquilo que a comunicação social não sabia – nem sequer os norte-americanos – é que a Vostok-1 não tinha mecanismo de desaceleração. Ou seja, era impossível que a nave espacial conseguisse aterrar de forma segura se os cosmonautas estivessem no seu interior. Gagarin viu-se obrigado a ejetar-se quando estava a sete quilómetros do chão, mas este facto foi escondido à Federação Aeronáutica Internacional, entidade reguladora que determinou à época que este recorde só seria conseguido se o piloto permanecesse no interior da cápsula até ao final da viagem. Só dez anos mais tarde, em 1971, é que a verdade foi conhecida.

E agora, América?

Quando Gagarin chegou à Terra foi como se tivesse renascido na pele de um super-herói. O mundo inteiro queria conversar com o primeiro homem a olhar para o planeta a partir de cima. Os jornalistas chegaram a ligar a John A. Powers, o relações públicas da NASA entre 1959 e 1963, para lhe pedirem um comentário sobre o feito conseguido pelos soviéticos. “Estavamos todos a dormir aqui”, respondeu ele. Mas não estavam. Os norte-americanos estavam nervosos, até porque a viagem de Alan Shepard já podia ter acontecido a 5 de dezembro de 1960 (a primeira data apontada), caso não fossem os constantes atrasos nos testes e a posição defensiva daquela agência espacial. Quando Gagarin subiu aos céus, iniciou-se uma verdade “guerra das estrelas”: os soviéticos começaram a imprimir cartazes para motivar o público a apoiar os programas espaciais e o dinheiro disponível era cada vez maior. As manchetes começaram a assustar a América: dizia-se que o rocket R-7, que transportava a nave de Gagarin, tinha sido originalmente concebido para lançar uma arma nuclear para território norte-americano.

John F. Kennedy viu o patriotismo americano afogar-se na motivação soviética. Por isso mudou de estratégia, perante os sinais de que estava a perder cada vez mais supremacia em relação à União Soviética. O presidente norte-americano intensificou as reuniões com a direção da NASA e principalmente com o vice-presidente Lyndon Johnson. A 25 de maio de 1961 (pouco mais de um mês depois de Gagarin chegar ao espaço) diz faz uma declaração firme: “Esta nação devia comprometer-se a conseguir a missão, antes de esta década terminar, de aterrar um Homem na Lua e trazê-lo de volta à Terra em segurança”. Os norte-americanos começaram a levantar o queixo: um projeto destes significava também um avultado investimento na indústria e isso agradava a uma América cada vez mais desmotivada. Em setembro do ano seguinte, Kennedy oficializava: “Escolhemos ir à Lua”. O objetivo foi cumprido sete anos mais tarde.

Desde então as ambições humanas têm crescido exponencialmente. Nunca mais voltámos à Lua e não pisámos mais nenhum corpo celeste desde 1969, mas conduzimos as nossas criações – satélites, sondas e carros – até corpos tão distantes como Plutão, a última conquista humana. Entretanto, recomeçámos a sonhar com Marte. E não apenas no cinema: o astronauta Scott Kelly regressou há apenas umas semanas do espaço e está agora a ser analisado ao pormenor para que os especialistas das agências espaciais do mundo inteiro possam compreender como se deve planear uma viagem segura a Marte. O futuro, garantem as vozes da NASA, passa mesmo pelo planeta vermelho.