O aviso não podia ser mais claro: o Bloco de Esquerda recusa-se a participar no debate do Programa de Estabilidade se o Governo socialista estiver a esconder eventuais medidas de austeridade decorrentes da criação de um “banco mau”, tal como o Observador já tinha avançado. A garantia foi deixada por Catarina Martins, esta quinta-feira, num colóquio organizado pelo Bloco de Esquerda, em que foram discutidas, precisamente, as deficiências estruturais de soluções semelhantes aquela proposta pelo primeiro-ministro.

Na prática, este gigantesco “banco mau”, uma ideia sugerida por António Costa, seria um veículo criado para absorver os ativos tóxicos que os bancos possuem. A proposta e o timing, no entanto, não convencem Catarina Martins.

O facto de o primeiro-ministro ter decidido acompanhar a ideia do Governador do Banco de Portugal numa altura em que é discutido o Programa de Estabilidade não será certamente um acaso. [Mas] nós não aceitaríamos um debate do Programa de Estabilidade que tivesse escondido uma parte de ajudas à banca que pudesse vir a ser desculpa para medidas de restrição orçamental ou austeridade”, garantiu a porta-voz e coordenadora do Bloco de Esquerda.

O modelo defendido por António Costa encontra semelhanças no mecanismo adotado em Espanha e na Irlanda – o primeiro-ministro, de resto, tem usado os modelos espanhol e irlandês como referência para o problema da banca nacional. Ora, Catarina Martins fez questão de se fazer acompanhar por Bruno Estrada, economista espanhol e diretor de estudos da Fundação das Comisiones Obreras, para desmentir essa mesma tese. “A exposição que o Bruno nos trouxe mostra bem que as notícias do sucesso espanhol são manifestamente exageradas“. Estava deixado o primeiro recado a António Costa.

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Foram 150 mil milhões de euros de perda para o erário público, sem que existisse nenhuma garantia de investimento na economia [e] sem que as regras da banca tenham mudado. Ou seja, todos os problemas que criaram a bolha podem vir a repetir-se. O problema longe está longe de estar resolvido. Faz-nos pensar se são modelos deste género são os queremos em Portugal“, atirou a bloquista.

Bloco prefere um “bom banco mau”

Em contrapartida, há uma solução que acolhe a concordância dos bloquistas: a criação de um “bom banco mau” para responder ao problema de excesso de crédito mal parado no sistema bancário, que não envolvesse qualquer custo para os contribuintes e que permanecesse em controlo público. Esta hipótese, de resto, foi defendida pelo economista Ricardo Cabral, um dos oradores do colóquio bloquista. Ele que é vice-reitor da Universidade da Madeira e um dos convidados do Bloco de Esquerda para o grupo de trabalho criado para discutir a sustentabilidade da dívida pública.

Na prática, e em linhas gerais, o que Catarina Martins propõe é o “controlo público da forma como é feita a limpeza [dos bancos privados], para que é que ela feita, quais são os tamanhos das perdas e quem deve arcar com as perdas”. “Porque essa é a única forma de proteger o erário público.”

A terminar, a coordenadora do Bloco de Esquerda deixou mais um recado a António Costa. “Vezes demais a história dos bancos maus em Portugal tem sido uma história da chantagem das instituições europeias, da chantagem do sistema financeiro e das decisões apressadas, pouco escrutinadas, nada transparentes, em que não percebemos depois como ficamos com uma fatura tão alta para pagar”.

Ou seja, diz Catarina Martins, se o primeiro-ministro quiser propor uma solução para a banca nacional, tem de clarificar todos os detalhes da proposta. Ou então não contará com o apoio do Bloco de Esquerda. “Para nós é importante discutir quais são as bases com que decisões deste género estão a ser tomadas. Se não existir a exigência democrática de mudar a forma como estas coisas têm acontecido estaremos mais uma vez a socializar perdas para que nada aconteça.”