Há um ditado brasileiro engraçado, direto e conciso, que se lê assim: “Crocodilo que dorme vira mala”. Podíamos estar aqui a escrever umas linhas para o descodificar, mas é mais rápido ficarmo-nos por uma analogia, em que o réptil é o Nacional da Madeira e quem o faz virar uma peça de bagagem é o FC Porto. Logo à quarta linha já se escreve sobre o jogo porque, no campo, os dragões são apressados e não querem dar tempo a nada. Ou, como diz o ditado, reparam que os madeirenses entram a dormir. E logo ao segundo minuto têm que ser acordados, à bruta, por Silvestre Varela.

Nenhum dos três homens do meio campo repara como o extremo, matreiro, sai da esquerda do campo para ir ao centro. Ele aproxima-se de Maxi Peireira e Jesús Corona, que trocam uma tabela antes de o uruguaio reparar no português. O passe vai de primeira. Varela recebe, vira-se, e Ghazal, Bonilla e Washington apercebem-se da distração comum enquanto o pé esquerdo do português dispara uma bomba que rebenta na baliza, junto ao poste esquerdo. Direto e conciso, o crocodilo adormecido começa a virar mala. Vira mesmo uns sete minutos depois, quando o Nacional falha um passe na saída de bola, deixa-a em Corona e o mexicano corre pela direita.

Chega perto da área e cruza a bola. Ela vai a meia altura, parece ao alcance de Rui Correia, o central estica-se, mas não lhe chega e deixa que a bola chegue a Hector Herrera. Recebe com o esquerdo, remata com o esquerdo e a bola desvia num adversário antes de entrar na baliza. O réptil torna-se bagagem e já é tarde demais para acordar. Todos os jogos de futebol começam 0-0, mas o Nacional da Madeira arranca a perder 2-0. Para o FC Porto não há melhor: a equipa que perde nas duas jornadas anteriores, que já vê o título como algo só para a próxima época e ouve o presidente do clube a apertar com os jogadores pode relaxar.

O futebol agradece. Os dragões mexem-se muito, fogem das posições do costume e pedem a bola em sítios onde os adversários não esperar. Jogam ao primeiro toque, inventam tabelas, dão rapidez às jogadas e jogam como se a temporada estivesse a ser boa e não má para o que é hábito no clube. Parecem soltos, e talvez estejam, porque jogam muitos que têm jogado muito pouco. Danilo é central quando há Chidozie no banco. José Ángel é titular à esquerda e senta as 15 assistências de Miguel Layún. Varela descomplica muito do que Brahimi tem por hábito complicar e André Silva estreia-se lá na frente, de início. É o miúdo que remata duas vezes de cabeça (16’ e 18’) e não marca.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Porto's Spanish goalkeeper Iker Casillas (R) controls the ball in front of Nacional's Brazilian forward Francisco Soares during the Portuguese league football match FC Porto vs CD Nacional Funchal at the Dragao stadium in Porto on April 17, 2016. / AFP / MIGUEL RIOPA (Photo credit should read MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

Até Iker Casillas, fora da área e com Soares a pressioná-lo, fintou o avançado do Nacional. Foto: MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

Nem ele, nem os remates de Hector Herrera ou de Jesús Corona. Até ao intervalo não há mais bolas que entrem na baliza madeirense por haver um crocodilo acordado. Rui Silva defende, para, desvia e soca as bolas que lhe pontapeiam enquanto, do outro lado, apenas Soares e Aly Ghazal conseguem fazer o mesmo. Mas com pouco perigo. Porque os restantes continuam dormentes, sonolentos entre os inúmeros passes falhados nas saídas de bola e a pouca agressividade quando é preciso roubá-la ao FC Porto. Mais do mesmo que se passa na segunda parte, apesar de Luís Aurélio entrar no jogo com um par de remates (47’ e 49’), um para acordar as mãos de Iker Casillas.

Daí até ao fim joga-se daquelas partidas que tiram o pó ao nome de um guarda-redes. Rui Silva desdobra o corpo em éne defesas e só não para tudo quando os outros não o defendem. Depois de se esticar para fechar a porta a um remate em jeito de Herrera vê a equipa a fechar os olhos, por um momento. A defesa de um canto baralha-se com o que vem do laboratório portistas. Sérgio Oliveira bate-o rasteiro para a área, Varela recebe, o médio foge e Corona chega ali, a correr, para o extremo pentear a bola para trás e deixá-la à mercê de um cruzamento do mexicano. Quando ele pica a bola, já Danilo Pereira está sozinho, na pequena área, para cabecear e marcar.

Antes de a goleada empacotar o crocodilo, Rui Silva continua gigante. Herrera tabela na área com Corona e tenta. André Silva corre atrás de um passe do mexicano e pica a bola. Aboubakar domina na área, roda com um central nas costas e estoira com força. Uma, duas e três vezes, o guarda-redes de 22 anos estica as mãos e os braços para a bola não tocar nas redes. Menos a que Aboubakar, na ressaca de um canto, segura contra a pressão de dois adversários antes de a picar, sem olhar, para a baliza. Rui Silva, uns metros à frente da linha de baliza, vê um chapéu a assentar-lhe na cabeça.

O camaronês marca um golaço depois de os dragões dominarem, falharem poucos passes, procurarem muito a baliza (25 remates) e nunca deixarem o Nacional acordar. Jogaram os que tinham jogado menos e a equipa mostrou confiança quando menos a parecia ter. Quem antes não contava — José Ángel, Silvestre Varela, Sérgio Oliveira e André Silva — levou as palavras de Pinto da Costa a sério umas horas depois de o presidente ser reeleito para um 14.º mandato a mandar no clube. Pressão? Qual quê.