Não é a primeira vez que alguém se lembra de largar vinhos na água, tal qual tesouros de um barco naufragado em tempos idos. A ideia pode não ser completamente inovadora, mas não deixa de provocar alguns queixos caídos e olhares esbugalhados. Quis a Ervideira, que produz vinho desde 1880, que 32 mil garrafas estagiassem no fundo do Alqueva durante oito meses a uma profundidade de 25 a 36 metros.

“Como assim, meter garrafas de vinho debaixo de água?” A pergunta passível de ser feita pelo leitor, num tom mais ou menos incrédulo, tem razão de ser. A resposta, essa, é um misto de ousadia e curiosidade em saber qual a evolução de tintos no fundo de um lago.

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Ana Cristina Marques / Observador

No total, a iniciativa envolveu 45 mil garrafas de um só lote, sendo que 13 mil ficaram com o rótulo e contrarrótulo Conde d’Ervideira Reserva (colheita de 2014) e outras 32 mil garrafas (devidamente lacradas devido à pressão da água) foram largadas às águas calmas da Amieira Marina em momentos distintos: uma pequena parte foi submersa em junho e a grande maioria foi a banhos em outubro.

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Mas desengane-se quem pensar que o Alqueva ficou despojado do vinho que ajudou a nascer — algumas garrafas estão agora a ser colocadas debaixo de água, uma vez que a ideia é criar um armazém aquático que tenha em regime permanente 8 mil a 10 mil garrafas.

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Ana Cristina Marques/Observador

O Vinho da Água, assim batizado por motivos óbvios, é o resultado de um sonho e de um esforço a várias mãos. Não só porque foi precisa autorização para que a Amieira Marina se transformasse temporariamente numa adega, mas também porque para retirar de lá as garrafas, no passado sábado, dia 16 de abril, foi precisa a ajuda de mergulhadores capazes de sinalizar as muitas caixas de vinho — sim, algumas ainda estão por encontrar no fundo do lago que o homem esculpiu — e de várias unidades de bombeiros. Tudo para que o vinho chegasse às mesas de quem o quer provar.

Mas, afinal, quais as diferença entre o Vinho da Água e aquele que se rendeu ao conforto da madeira? Duarte Leal da Costa, diretor-geral da Ervideira, não hesita em responder: “No nariz são quase idênticos, mas depois na boca parece que tudo fica mais integrado, mais bem casado. O vinho tem um maior potencial de envelhecimento. O grande efeito no vinho é trazido pela pressão da água, é ela que o altera”.

Acrescente-se que a escolha do Alqueva não foi feita ao acaso nem tão pouco foi uma questão de comodidade: a equipa da Ervideira procurou um local tranquilo, onde não existissem águas frias no inverno e águas quentes no verão de modo a evitar grandes diferenças de temperatura.

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Duarte Leal da Costa / Ana Cristina Marques/Observador

A ideia do projeto não passa de todo por ser rentável, com Duarte Leal da Costa a ser o primeiro a admiti-lo. Mas, neste caso, o homem forte da casa vinícola prefere abafar os números (ou a falta deles) em nome dos sonhos que o caracterizam: “Nem tudo na vida são números. Na vida temos de gostar do que fazemos e eu gosto imenso”.

No fim fica o exercício de experimentar o mesmo vinho com e sem estágio no fundo do Alqueva. E não se preocupe que não precisa de ser especialista para fazer a comparação, basta meter o nariz e a boca onde foi chamado.

O vinho pode ser encontrado em garrafeiras espalhadas pelo país (na Garrafeira Nacional ou no El Corte Inglés, a título de exemplo), e terá um custo aproximado de 20 euros.