Mais uma peça que se junta ao híper complexo escândalo dos Papéis de Panamá, desta vez com Angola como o centro de todas as operações. De acordo com um artigo publicado pela Rede Africana dos Centros de Reportagem de Investigação e pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, de que fazem parte a TVI e o Expresso, o Fundo Soberano de Angola, liderado por José Filomeno de Sousa dos Santos, filho de José Eduardo dos Santos, pode ser, na verdade, um veículo criado para lavar cinco mil milhões.

A história gira à volta de um conjunto de personagens que, por si só, já deixam antever a complexidade desta teia de relações. “Um enteado do vice-presidente, um presidente de um banco alemão caído em desgraça, gestores condenados por gestão danosa, um banco russo privado” e o Fundo Soberano de Angola (FSDEA), gerido por José Filomeno, ou Zenu, filho do Presidente angolano, assim descrevem a TVI e o Expresso.

Segundo a investigação jornalística, este alegado esquema de corrupção gira em torno de três instituições: o FSDEA, a conselheira financeira Quantum (com sede na Suíça) e o Banco Kwanza, um banco de investimento antes conhecido como Banco Quantum. A certa altura, as três instituições foram criadas e geridas pelo mesmo grupo de pessoas: o próprio Zenu; Jean-Claude dos Bastos de Morais, presidente e maior acionista do Banco Kwanza; Marcel Krüse, diretor executivo do Banco Kwanza e ex-diretor da Quantum; e Erneste Welteke, membro dos conselhos de administração da Quantum e do Banco Kwanza.

O dinheiro do FSDEA, avança a investigação jornalística, terá sido lavado através do Banco Kwanza, que depois fazia circular o dinheiro por várias entidades desconhecidas, incluindo Kijinga – em 2015, este veículo recebeu 100 milhões de dólares (88 milhões de euros) apenas numa única transação. O fundo liderado por Zenu desmentiu sempre qualquer irregularidade.

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O enteado do vice angolano e as ligações a Portugal

Existe uma figura incontornável neste processo: Mirco de Jesus Martins, enteado do antigo presidente do Grupo Sonangol, Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola. Martins era, supostamente, o testa-de-ferro das principais figuras do regime angolano. Seria ele o dono de várias empresas fantasma, criadas com único objetivo de lavar dinheiro angolano – mesmo a Mossack Fonseca admite, em documentos agora tornados públicos, ter dificuldades em perceber quem eram os proprietários reais destas offshores.

Num documento de 2013, que ajudava a mapear a rede de empresas ligadas a Martins, foram detetadas pelo menos dez empresas que existiam simplesmente para deterem contas bancárias no Líbano, Portugal, Gibraltar e Suíça, e outras cinco para deterem igualmente ações em empresas portuguesas e em duas empresas ligadas a aviões classificadas como [empresas de] compra e consultoria.

Com o apertar da malha nas Ilhas Virgens Britânicas, e com a opacidade das empresas supostamente detidas por Martins, a KPMG Financial chegou mesmo a aconselhar a Mossack Fonseca a transferir para o Liechtenstein várias empresas alegadamente detidas pelo angolano.

Há políticos envolvidos nesta estrutura e o nosso contacto na KPMG informou-nos de que seria melhor para nós largarmos estas empresas por motivos de risco”, pode ler-se num email trocado em 2001 entre o escritório da Mossack Fonseca no Luxemburgo e o gabinete das Ilhas Virgens Britânicas.

De acordo com a investigação jornalística, “fontes de alto nível alegam que políticos de alto nível angolanos podem ter estado inicialmente envolvidos mas a sua participação terá sido parcial ou totalmente transferida para Martins como beneficiário.”

Martins ter-se-á mesmo irritado quando a Mossack Fonseca pediu mais detalhes sobre a propriedade das empresas-fantasma que alegadamente detinha. A isto, Martins terá respondido que se a informação que transmitira ao Banco do Luxemburgo era suficiente para as autoridades luxemburguesas, então deveria ser suficiente para a Mossack Fonseca. E o nevoeiro tornava-se ainda mais cerrado.

Esta, no entanto, parece ser apenas a ponta do icebergue. A investigação levanta ainda suspeitas sobre a relação entre os regimes angolano e russo. Offshores, bancos privados russos, beneficiários desconhecidos, regras opacas ou duvidosas, o FSDEA e o Banco Kwanza. Estas parecem ser as várias peças de um “esquema perfeito” criado para lavar dinheiro angolano, adianta a investigação jornalística.