Em vésperas da estreia de mais uma temporada de “A Guerra dos Tronos” (em Portugal esta segunda feira, às 22h10 no canal SyFy), os fãs ficam tolos de excitação e os detratores reviram os olhos até à nuca. Partindo do princípio (provocatório) de que esse desprezo pelo entusiasmo alheio é apenas uma forma agressiva de lidar com a falta de pertença, serve este artigo como apeadeiro para esses tais detratores rabugentos que inventam desculpas mas, lá no fundo, até gostavam de apanhar este comboio.

Não vejo porque já perdi muito — quando acabar de ver a primeira, já a sétima vai no adro

Isto é uma falsa questão criada por uma nova pressão dos pares. Com o advento do consumo compulsivo de séries, adultos começaram a julgar outros adultos por não andarem a ver a mesma coisa ao mesmo tempo. Tem sido um triste regresso aos corredores da escola — mas com a grande diferença de já termos idade para ver sexo e violência. Aproveitemos então essa maturidade para nos recusarmos a respirar o ar do tempo. Não só pode começar a ver agora “A Guerra dos Tronos” como também “A Balada de Hill Street”, se lhe apetecer. Nunca é tarde.

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Não vejo porque não consigo fixar os nomes das personagens

Por mais que isto iniba algumas pessoas de ver “A Guerra dos Tronos” ou ler Cem Anos de Solidão, não deve ser motivo de preocupação. Entre uma temporada e outra, qualquer pessoa com um grau moderado de geekness, acaba por se esquecer dos nomes. A internet, porém, providencia sempre organigramas muito claros sobre as famílias que disputam o trono e as personagens em seu redor. E, apesar dos estereótipos estarem felizmente a cair em desuso, podemos sempre utilizá-los em segredo, na intimidade, para identificar “o anão”, “o puto aleijado”, “o eunuco” ou “aquela grande cabra”.

Não vejo porque já spoilaram tudo

Os twists e todos os artifícios surpreendentes de uma narrativa constituem ótimo entretenimento para o espetador, mas não são tudo – que o diga o M. Night Shyamalan. “A Guerra dos Tronos”, desprovida de dragões, lutas e kinkylharia, é uma série extremamente bem escrita que desafia a moral a todo o instante e pode perfeitamente ser desfrutada sem que nos caiam os queixos. Por mais que se tenha ouvido falar do Casamento Vermelho, a tensão que antecede esse momento é só por si um deleite.

Não vejo porque tenho medo de me afeiçoar a uma personagem que venha a morrer

É a forma mais eficaz de caricaturar “A Guerra dos Tronos”: aquela série em que morrem todos. Mas, não querendo spoilar essa grande série que é a vida, aqui vai: também nós morremos todos. Aliás, o ano de 2016 parece ter sido escrito pelo George RR Martin, autor dos livros que dão origem à série. Ninguém estava à espera que morresse o Bowie e o Prince que, ainda por cima, eram “dos bons”. Quanto a isto, nada a fazer: é a vida.

(nota: se por acaso é fã dos livros e não vê a série porque já sabe tudo, desengane-se: algumas das mortes não estão nos livros e foram engendradas pelos criadores da série, David Benioff e DB Weiss, com a devida bênção do sádico RR Martin)

Não vejo porque receio nunca ver o fundo ao tacho — e se o George RR Martin morrer antes de acabar os livros?

Calma, está tudo previsto. George RR Martin ainda não escreveu o final mas já o contou aos criadores da série, não vá o diabo tecê-las (e disso percebe ele). Uma boa notícia para os mais sensíveis: o autor já revelou que o final não será o “apocalipse sangrento” de que todos estão à espera, mas sim uma espécie de “vitória agridoce”.

Não vejo porque receio nunca ver o fundo ao tacho — e se eu morrer antes da série acabar?

Ainda que os criadores anunciem de vez em quando que o fim está próximo, não se sabe ao certo quantas temporadas é que “A Guerra dos Tronos” irá ter. A única certeza, sem nenhuma surpresa, é que depois desta sexta temporada já está encomendada uma sétima. A telenovela “Anjo Selvagem” teve 236 episódios e lembro-me sempre da minha tia, que via religiosamente mas morreu antes do final. Ainda que pareça um investimento em vão, cheira-me que, depois de morto, ninguém se importa.

Ana Markl é guionista, apresentadora no Canal Q e animadora de rádio na Antena 3