O Chile voltou a enterrar os restos mortais de Pablo Neruda, concluindo, ainda sem certezas, um processo com três anos destinado a esclarecer as causas da sua morte, poucos dias depois de Augusto Pinochet chegar ao poder.

O féretro do Prémio Nobel da Literatura regressou assim em definitivo à casa onde Neruda foi enterrado, na Isla Negra, três anos depois de um juiz ter ordenado a sua exumação para apurar se o poeta havia sido assassinado em 1973, quando se preparava para fugir do país e liderar no exílio a resistência ao golpe militar que instalou Pinochet no poder.

O funeral concluiu uma homenagem de três dias, iniciada no passado domingo em Santiago do Chile, onde os restos mortais do maior poeta chileno e figura cimeira da literatura mundial do século XX passaram os últimos três anos à guarda do Serviço Médico Legal (SML) chileno.

Neruda, que foi um político proeminente e membro do Partido Comunista chileno, morreu aos 69 anos numa clínica de Santiago em 23 de setembro de 1973, poucos dias depois do golpe militar que levou ao poder Augusto Pinochet, aparentemente em resultado de um cancro da próstata de que padecia, explicação então aceite pelos seus próximos.

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Em 2011, o Partido Comunista chileno apresentou em tribunal uma queixa, exigindo que a morte do poeta fosse investigada. A queixa teve por base declarações de Manuel Araya, antigo motorista do escritor, segundo as quais Pablo Neruda teria sido envenenado.

O corpo do autor de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” e de “Confesso que vivi” foi exumado em 08 de abril de 2013 e os exames e perícias médico-legais afastaram numa primeira instância a intervenção de terceiros na sua morte.

Não obstante estes primeiros resultados, o juiz responsável pela investigação, Mario Carroza, manteve aberto o processo por considerar que os resultados não eram conclusivos e ordenou a realização de novos exames. A equipa de especialistas internacional que examinou os restos mortais de Neruda deverá divulgar as suas conclusões em maio próximo.

Familiares de Pablo Neruda levantaram a hipótese de a sua morte estar relacionada com a inoculação do “estafilococo dourado”, uma bactéria altamente agressiva e resistente à penicilina, que acelerou a sua morte.

Esta bactéria foi utilizada frequentemente pela ditadura militar de Pinochet (1973 — 1990) para eliminar os opositores do regime.

O advogado que levou à exumação dos restos mortais de Neruda, Eduardo Contreras, admitiu hoje à agência France Press que o tempo passado sobre a morte do poeta torna virtualmente impossível provar a intervenção de terceiros na mesma. “Apesar de todas as provas apontarem para um crime, será tecnicamente muito difícil prová-lo”, afirmou.

Sem o esclarecimento absoluto das causas da morte, os restos do poeta regressam assim ao túmulo que os albergaram historicamente, ao lado do corpo da sua terceira e última mulher, Matilde Urrutia, na Isla Negra, uma estância balnear chilena, onde Neruda viveu.

Os restos mortais de Pablo Neruda foram no passado domingo transportados da Unidade Especial de Identificação Forense do SML de Santiago para o Salão Nobre do parlamento chileno, onde foram recebidos pela família do poeta e pelos deputados chilenos, e palco de um velório aberto ao público no dia seguinte, segunda-feira.

Hoje rumaram à Isla Negra, onde foram enterrados pela quarta vez, em definitivo. Os dois primeiros funerais foram no Cemitério Geral em Santiago, em túmulos diferentes em 1973 e 1974, e o terceiro em 1992 na casa de Pablo Neruda na Isla Negra, local onde permaneceram até à exumação em 2013 e aonde agora regressam.