É um jogo dentro do jogo, dentro de outro jogo, que ainda está metido noutro jogo. Uma equipa tem muita plata para gastar porque já ganhou muitos canecos, a outra teve e tem investido ainda mais por querer tirar o pó ao museu. Dizem que o dinheiro não compra a felicidade, também não adquire história, mas ajuda na caça aos troféus. Este é o primeiro jogo, o do campo. O segundo é o da Liga dos Campeões, que rima com milhões e que juntou, na mesma eliminatória, duas das poucas equipas a quem o dinheiro que se ganha por ganhar a prova pouco interessa. Querem é a taça, a história. Depois há o terceiro jogo, que está dentro dos anteriores.

Nesse está a forma como se joga. E ao início não varia entre as duas equipas, porque Real Madrid e Manchester City jogam (ambos) como se o 0-0 da primeira mão tivesse sido uma vitória. Lentos, sem intensidade, como se devagarinho se fosse longe. Olha-se muito para o lado e passa-se a bola a condizer, é sintoma da preocupação em não deixar o outro ficar com a bola em vez de querer que o adversário fique com um golo a menos. Os espanhóis só saem dali vivos com uma vitória, aos ingleses basta um empate, mas são duas equipas a jogarem para não perder.

Até que são precisos menos de 10 minutos para, pela enésima vez, uma coxa de Vincent Kompany o trair. O capitão matulão do City sai do campo (8’) e o Real vê na traição do musculo do belga um sinal. Os ingleses ficam sem o melhor central e os espanhóis começam a acelerar. Isco aparece aqui e ali e tenta fazer rápido tudo o que faz, mesmo que isso não tenha grande efeito. Ronaldo e Bale fogem muito dos adversários para pedirem a bola, o galês não deixa que o português sejam o seu kryptonite e quer dar nas vistas. Modric não anda longe de Kroos, sabe que o alemão não é Casemiro (que está lesionado) e de um gigante com a bola no pé transforma-se num anão sem ela. Os jogadores do clube ganhador começam a jogar para ganhar.

Os do clube que investiu para ganhar ficam na mesma. Amorfos, distantes, pouco móveis. A área de ação de Yaya Touré é tão grande quanto o hall de entrada da casa das nossa avós, e como o costa-marfinense anda pelo centro do campo, Kevin de Bruyne, o melhor médio do City, tem de se encostar à esquerda. A equipa não troca cinco passes seguidos. E isso torna-se grave depois de, com três passes rasteiros, o Real lançar Gareth Bale na área, pela direita, onde o galês tenta cruzar e um carrinho de Fernando desvia a bola para o ângulo superior esquerdo. Nem um, nem outro, querem fazer o que dá em golo. E durante muito tempo os ingleses também parecem não querer fazer nada quanto a isto.

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São uma equipa amiga da bola, habituados a tê-la com calma e em posse, como se costuma dizer. Por isso não aceleram nada e mostram a Jesús Navas que tem de ser ele sozinho, mas os três arranques e cruzamentos rasteiros, pela direita, do extremo espanhol que só tem um truque (bola para a direita, correr e cruzar), não dão em nada. Só uma coisa resulta, quando Touré se mexe para longe do centro, deixa espaço para De Bruyne lá ir espreitar, receber a bola e, com dois toques, a passar para Fernandinho, que à esquerda da área remata ao poste. O sexto jogador na história a fazer anos no dia em que joga uma meia-final da Liga dos Campeões quase marca.

Real Madrid's Portuguese forward Cristiano Ronaldo (R) prepares to kicks past Manchester City's Brazilian midfielder Fernandinho (L) during the UEFA Champions League semi-final second leg football match Real Madrid CF vs Manchester City FC at the Santiago Bernabeu stadium in Madrid, on May 4, 2016. / AFP / GERARD JULIEN (Photo credit should read GERARD JULIEN/AFP/Getty Images)

Foto: GERARD JULIEN/AFP/Getty Images

Depois vem o quarto jogo no meio de tudo isto, que é a segunda parte. Porque o Real Madrid arranca a abrir, como se estivesse a perder. Parece proibido jogar a bola para os lados e a equipa produz muito: Ronaldo usa o pé direito e a cabeça para rematar bolas que Joe Hart defende, Modric apanha na área uma bola com classe de Bale, que no meio de um remate com pouca força e uma mente a achar que estava em fora-de-jogo, não passa pelo guarda-redes inglês. Depois de o português tentar de novo, Bale volta a não marcar quando cabeceia uma bola contra a barra. A equipa de Zidane joga como se precisasse de uma remontada.

A vontade é tanta que até Ronaldo tem um tique de Maradona e usa a mão para desviar uma bola para a baliza. Volta a não ser golo e a equipa volta atrás no tempo. Ao tempo em das dúvidas, do não saber se é preciso atacar mais do que defender, do jogar pela certa em vez de arriscar como a equipa faz melhor. Como o faziam em fevereiro, depois de Rafa Benítez ir embora e de chegar Zinedine Zidane, quando estavam a 12 pontos da liderança no campeonato (após a derrota por 1-0 com o Atlético de Madrid, agora estão a um ponto) e ninguém sabia como ia ser na Liga dos Campeões, que já passava a ser a boia de salvação da época. A equipa recuou, tentou fechar-se, passou a não querer tanto a bola.

Faltam mais ou menos 20 minutos e as dúvidas espanholas passam a ser certezas inglesas. O City melhora com Touré no banco, Sterling em campo e De Bruyne (por fim) ao centro e passa a ter muita bola, como gosta. O Real vê jogar e prefere fechar-se, como Xavi, o catalão que passou anos a abrir o jogo do Barcelona, confessa não gostar de ver. Mas os ingleses não conseguem quebrar a fortaleza improvisada de uma equipa que quase nunca as monta e só dá espaço para Kun Agüero, já tarde e a más horas (89’), se virar para a baliza e disparar um míssil que falha a barra por pouco. Depois murcham, jogam como a equipa que ainda são — desabituada à urgência de ter uma final europeia em jogo.

Algo que todos no Real percebem, até Cristiano Ronaldo, que defende e pressiona como nunca e dá instruções para os outros fazerem o mesmo. O português quer a quarta final da carreira e consegue-a (Pepe alcança a sua segunda) com o clube que lá chega pela 14.ª vez na história. Porque o Real Madrid é o clube que dá alcunhas aos canecos da Liga dos Campeões e os apelida consoante a ordem pela qual são caçados. À Nova que Luís Figo ganhou com Zidane seguiu-se a Décima que Ronaldo conquistou em Lisboa. Agora jogarão pela Undécima, em Milão. Está a ver a diferença, Manchester City?

MADRID, SPAIN - MAY 04: Zinedine Zidane the head coach of Real Madrid reacts during the UEFA Champions League semi final, second leg match between Real Madrid and Manchester City FC at Estadio Santiago Bernabeu on May 4, 2016 in Madrid, Spain. (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images