Depois de dúvidas e bilhetes trocados, Axl Rose foi mesmo o vocalista que os AC/DC precisavam para mais uma digressão pela Europa. O primeiro concerto, este sábado no Passeio Marítimo de Algés teve tudo tudo o que é de esperar dos dois nomes. Uma verdadeira celebração rock’n’roll, para não deixar ninguém a questionar a decisão de ter o americano a substituir Brian Johnson. E atenção: Axl esteve sempre sentado, ainda a recuperar da lesão num pé. O que fará quando largar o trono que ocupa em palco.

Mas esta foi a conclusão que a noite trouxe. Ao início do dia a história ainda era outra. As mensagens começaram a aparecer logo de manhã. No Facebook da Everything is New, promotora que trouxe a Portugal a digressão Rock or Bust dos AC/DC, eram várias as pessoas que pediam o cancelamento do concerto. A verdade é que o panorama não era famoso. Com o aviso laranja ativo em dez distritos (incluindo Lisboa) e com a chuva a cair desde manhã cedo, era difícil perceber como é que o espetáculo poderia andar para a frente. A piorar a situação estava o facto de a mais recente troca de vocalista ter deixado muitos fãs descontentes. Tão descontentes que um número significativo acabou mesmo por devolver os bilhetes. Não tinham pago para ver Axl Rose, mas sim Brian Johnson.

A indignação foi crescendo ao longo do dia, e foram várias as pessoas que tentaram ligar para a Proteção Civil na esperança de que o evento fosse cancelado. Mas as portas abriram à hora marcada e, perto das 20h subiram ao palco os Tyler Bryant & The Shakedown, um bando de cinco bons rapazes do Tennessee. O concerto ia mesmo acontecer. Na cabeça de muitos, andava a dúvida de sempre: estaria Axl à altura?

Se os bilhetes devolvidos tinham sido muitos, não se notava. Ainda os Tyler Bryant & The Shakedown tocavam os primeiros acordes, e já o Passeio Marítimo de Algés estava repleto de milhares de pessoas encharcadas até aos ossos — um mar de impermeáveis azuis, amarelos, verdes e vermelhos. E na cabeça de cada uma lá estava um bonito par de cornos. Havia avós, pais, filhos e netos, e a chuva que continuava a cair. Mas isso não parecia ser um problema. “A chuva não irá parar-nos!”, gritou o vocalista, Tylar Bryant. E não parou mesmo. Imparáveis, os norte-americanos não deram nem um segundo de descanso à multidão. Entre descargas de rock, repetiram a frase: “É uma honra estar aqui”. Em resposta, o público oferecia-lhes palmas. Tudo a bater certo.

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Apesar da previsão meteorológica, a chuva acabou por parar e, a meio do concerto dos Tylar Bryant, chegou mesmo a ver-se o sol em Algés. E foi assim que se manteve, até ao final da noite. Já perto do fim do concerto, Tyler Bryant fez questão de deixar um recado: “Adorávamos regressar à vossa bela, bela cidade”, disse em jeito de despedida. Ficou a sugestão.

Seguiram-se uns minutos de espera que, para muitos, pareceram uma eternidade. A noite tinha entretanto caído, e milhares de cornos vermelhos piscavam no escuro. “É para partir tudo!”, gritava um fã (demasiado) entusiasmado. Guitarras afinadas, os técnicos de som abandonaram o palco, gigante, também ele com uns cornos que piscavam. Apagaram-se as luzes por breves momentos e levantaram-se os telemóveis. Tudo a postos.

De repente, o ecrã gigante iluminou-se e um meteorito incandescente chamado AC/DC assustou um grupo de astronautas australianos de visita à lua. Depois de passar por cima das suas cabeças, seguiu o seu caminho pela Via Láctea, deixando um rasto de fumo e fogo. Atravessou o espaço, entrou na atmosfera terrestre e aterrou em Lisboa com um estrondo — com um salto, entraram em palco Cliff Williams, Stevie Young, Chris Slade e o Angus Young, com o seu fato de veludo vermelho. Soaram os primeiros acordes de “Rock or Bust”, canção que dá nome ao último álbum editado em 2014, e entrou em palco, numa cadeira deslizante, a figura mais esperada da noite – Axl Rose.

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“De repente, ficou um lindo dia de sol”, exclamou o vocalista. “Prazer em conhecer-vos!” Sentado numa cadeira por causa do pé partido, Axl não teve outro remédio senão limitar-se a baloiçar ligeiramente o corpo. Bateu com o pé (bom) no chão, mexeu os braços e fez uma espécie de dança enquanto acompanhava os riffs demoníacos de Angus Young. Foi estranho vê-lo ali sentado enquanto o guitarrista percorria o palco com a mesma energia de quando tinha 20 anos, saltando e dando pontapés no ar, mas Axl Rose não dececionou. Muito pelo contrário — mostrou-se mais do que à altura do desafio.

Em “Back in Black”, a primeira grande ovação da noite, o ecrã virou preto e branco, como se tudo se passasse há muitos, muitos anos. Seguiu-se “Rock ‘N’ Damnation” e, para “Thunderstruck”, o palco encheu-se de raios e coriscos. “Hells Bells” teve direito a um sino e a várias badaladas, enquanto Axl entoava os primeiros versos da música, uma das mais famosas do grupo australiano: “I’m a rolling thunder, a pouring rain, I’m comin’ on like a hurricane”. Os fãs, em tempos dececionados com a escolha do vocalista dos Guns N’ Roses para o lugar de Brian Johnson, depressa se mostraram rendidos aos seus encantos. “Axl, Axl, Axl!”, ouvia-se um pouco por todo o lado. Em resposta, o vocalista disse apenas: “Queriam dizer ‘Angus, Angus, Angus’!”

Sem tempo para respirar, seguiram-se outros êxitos. “São capazes de conhecer esta”, disse Axl, antes de Angus fazer soar os primeiros acordes de “You Shook Me All Night Long”. Seguiu-se “Have a Drink on Me” e “T.N.T”. “Whole Lotta Rosie” teve direito a uma participação muito especial – uma boneca insuflável gigante, que dançou ao som da música pendurada sobre o palco. Depois veio “Let There Be Rock”, com direito a um solo que pareceu maior do que a própria vida.

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Correndo de um lado para o outro, Angus Young construiu um espetáculo dentro do espetáculo. Abandonou o palco, subiu para uma plataforma, deixando-se cair, esperneando. De um salto, voltou a levantar-se a correr, a subir para outra plataforma. Tudo o que é costume vermos neste herói desde há décadas. Tudo enquanto tocava, com a guitarra ao peito. Terminadas as guitarradas, a banda apressou-se a sair de cena. Mas os fãs não deixaram e, ainda com água na boca, pediram mais. A banda respondeu prontamente à chamada e os AC/DC regressaram ao palco entre fumo e fogo (não fossem eles um meteorito acabado de aterrar em Lisboa).

Quando Angus apareceu com uns cornos na testa, todos souberam o que vinha a seguir — “Highway to Hell”. Seguiu-se “Riff Raff” e, a fechar, a mais do que mítica “For Those About to Rock (We Salute You)”. E foi exatamente isso, uma grande saudação que Axl Rose recebeu do público português no primeiro concerto de uma longa tour europeia à frente dos AC/DC. A estranheza inicial de ver ali um homem que não era Brian Johnson e que usava um chapéu à cowboy em vez de uma boina depressa foi ultrapassada por todos aqueles, apesar da chuva inicial, se dirigiram ao Passeio Marítimo de Algés. É que, ao que parece, Axl Rose e os AC/DC são um casal perfeito. Este sábado, 7 de abril, juntaram-se duas lendas do rock e fez-se história.