Body shaming. Esta é a palavra inglesa para um fenómeno que se espalhou na era da internet. Significa basicamente humilhar alguém pelo seu aspeto físico, seja ele qual for. Ironicamente, na maioria das vezes é conduzido por mulheres contra mulheres, ao ponto de o Psychology Today escrever que os ódios corporais e o bullying caminham lado a lado numa cultura que estigmatiza as mulheres que não representam um padrão tradicional de beleza e, muito frequentemente, as próprias mulheres usam esta realidade para julgar duramente as outras como meio de ganhar influência e poder.

Quando entramos no mundo digital e nas redes sociais, esse bullying transforma-se numa arma fácil de usar, sobretudo para quem tem um perfil virtual público. Foi o que aconteceu a Courtney Adamo, mãe de quatro que vive em Londres e criou o blogue Babyccino Kids. No seu Instagram, fez o que qualquer poderia fazer: partilhou uma imagem na praia, com acessórios nos braços. A sua fotografia tornou-se viral, mas pelos motivos errados. Consegue perceber porquê?

Adamo foi atacada e recebeu uma enchente de comentários só por causa… dos pelos nos braços. Quando olhou pela primeira vez para a imagem, tinha sequer reparado nisso? É esse o poder do bullying: basta um comentário, uma pessoa, uma observação, para, de repente, meio mundo opinar sobre algo tão banal como… pelos nos braços.

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As mulheres têm pelos. Os seres humanos têm pelos. Será isto motivo para humilhar uma mulher e fazê-la sentir-se menos feminina? Em resposta, Adamo escreveu no blogue:

Os comentários e a conversa focaram-se nos meus pelos dos braços! Houve quem me dissesse ‘isso é nojento’ enquanto outras pessoas sugeriram que iria ficar mais feminina se os retirasse. Também houve quem ficasse surpreendido por ter publicado uma fotografia a mostrar os pelos dos braços (a sério?!). E pensar que, até esta semana, nunca tinha sequer perdido tempo a pensar nisso. De facto, nunca me ocorreu que as pessoas pudessem depilar os braços. Francamente, não me sinto insegura com os meus. É assim que eles são.”

O bullying tem efeito direto na decisão de fazer depilação

Em declarações ao Observador, Cláudia Duarte, esteticista do Unique Hair & Body Clinic, um salão em Lisboa que faz depilação a laser, confirma: “Muitas vezes somos procurados por pessoas que querem recorrer ao laser exatamente para combater algum complexo. Muitas mulheres queixam-se dos pelos demasiado escuros e, mais do que o incómodo direto, existe a pressão dos olhares na rua”, diz, acrescentando que “os pelos dos braços são finos e têm a tendência a aclarar com a exposição solar. Demora a chegar aos resultados pretendidos mas não é impossível e, em média, seis/sete sessões [a 25€ por sessão] já são suficientes para um resultado eficaz.”

Edilson Soares, diretor do Unique, salienta que “muitas mulheres, especialmente as mais jovens, são vítimas de bullying, quer por parte de outras, quer dos homens, por uma coisa tão natural como pelos nos braços, sendo o laser nos braços uma solução cada vez mais procurada”.

Tudo isto é “bullying”

A atriz britânica Giovanna Fletcher partilhou no seu Instagram como, 11 dias depois de ter sido mãe, ouviu uma mulher apontar para a sua barriga, rir e comentar: “vejam, a mamã ainda tem barriga”.

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A few days ago I had a near stranger point at my stomach, laugh and say 'Oh look, Mummy's still got her tummy'. This was eleven days after giving birth. I was so shocked I laughed. But the words have stuck with me. Obviously. It wasn't left there either as there was another comment about my face 'slimming down'. More than anything, I was baffled over the stranger's need to share her thoughts… Yes, I still have a bump. But that bump kept my little baby boy safe for a whole nine months. That bump has filled my world with even more love and light than I knew possible. That bump is a miracle worker… My bump will slowly go over time, but I'll never stop being thankful to it and my body for everything it's given me. #spreadlove ❤️ xx

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Em 1010, o caso do suicídio da jovem de 15 anos Phoebe Prince esteve ligado a três meses de bullying físico e emocional por parte de nove colegas de escola, sete dos quais eram raparigas.

Em 2013, uma blogger do canal televisivo CBS Houston ficou sob fogo por ter escrito que uma das cheerleaders da Oklahoma City Thunder (uma equipa da NBA) era demasiado “gorducha” para caber no fato, perguntando aos leitores se achavam que tinha o visual certo para ser cheerleader e sugerindo que não deveria usar um fato tão justo e curto em frente às pessoas com o corpo que tinha.

Em 2015, o Observador falou do suicídio de Taylor Alesana, uma jovem transgénero.

O rol de histórias que circula pela imprensa — mundial e nacional — continua a trazer para cima da mesa o tema: as mulheres atacam outras mulheres. E quando é que isso vai mudar? Jill Weber, psicólogo e escritor, explica ao Phsychology Today: “Quanto mais raparigas e mulheres se começarem a ligar às suas próprias experiências e menos às expectativas dos outros, maior será a sua empatia e compaixão por outras mulheres. E os estudos sugerem que há um elemento claramente protetor no desenvolvimento feminino: falamos do poder das relações fortes entre as mulheres.

Então, porque as continuamos a estragar, atacando-nos umas às outras? A sociedade já nos impõe que sejamos magras como numa capa de revista, que tenhamos uma pele impecável como as celebridades no Instagram, peito grande, cintura fina, cabelos sem brancos, dentes direitos, pestanas compridas… Temos mesmo de acrescentar a esta lista braços sem pelos?