Uma noite repleta de surpresas. A 69ª edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes deixou muita gente de boca aberta, com uma lista de escolhas nada consensual. A Palma de Ouro, o grande prémio do festival, foi para I, Daniel Blake, o filme do inglês Ken Loach sobre a história de Daniel Blake, um homem viúvo, de meia-idade que, depois de ter um ataque cardíaco, se vê incapaz de trabalhar. Apesar do seu estado de saúde, Blake tem dificuldades em receber a ajuda a que tem direito por parte do Estado.

Loach, de 79 anos, saiu da reforma para realizar o drama social de Blake. Dirigindo-se aos presentes em francês, o realizador disse que era muito “estranho” estar a receber o galardão rodeado de tanto glamour, quando existem tantas pessoas a viver em condições difíceis, como aquelas que inspiraram o filme.

“Quando existe desespero, as pessoas da direita ganham vantagem. Temos de dizer que é possível e necessário haver outro mundo”, disse o realizador durante o discurso de entrega do prémio, citado pelo Guardian.

Esta é a segunda vez que o realizador britânico leva para casa uma Palma de Ouro. A primeira vez aconteceu em 2006, com a longa-metragem Brisa da Mudança (em inglês, The Wind That Shakes the Barley), um drama histórico que tem como pano de fundo a guerra da independência irlandesa.

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O Grande Prémio, o segundo galardão mais importante depois da Palma de Ouro, foi para It’s Not the End of the World, o novo filme do canadiano Xavier Dolan. Num discurso emocionado, Dolan, de 27 anos, admitiu que nem sempre é fácil partilhar as emoções com os outros.

“A violência pode soar como um grito. Tudo o que fazemos neste mundo, fazemos porque queremos ser amados. Eu, especialmente. Para sermos aceites. Quanto mais cresço, quanto mais realizado, mais dificuldades tenho em perceber. Em saber quem sou.”

A longa-metragem It’s Not the End of the World, sobre um escritor com uma doença terminal, recebeu duras críticas por parte da crítica, e a escolha foi altamente criticada nas redes sociais.

Sobre a escolha do filme para o Grande Prémio, László Nemes, membro do júri deste ano, disse que ficou muito entusiasmado quando o viu. “Fiquei muito emocionado com ele e foi uma grande experiência. Todos sentimos que era uma viagem muito emocionante, ambiciosa e que foram tomados muitos riscos”, referiu Nemes durante a conferência de imprensa no final da cerimónia.

Toni Erdman, um dos grandes favoritos da edição deste ano do Festival de Cannes, foi para casa de mãos a abanar. No Twitter, foram vários os fãs da comédia da alemã Maren Ade que se mostraram descontentes pela omissão do filme, sobre um pai que tenta aproximar-se da sua filha, já adulta.

Sobre o facto de Toni Erdman não ter ganho nenhum prémio, George Miller (realizador da saga Mad Max), que este ano fez parte do júri, explicou que “existem 21 filmes em competição”. “São 21 realizadores e 21 guionistas. Existem muitas, muitas variáveis e apenas oito prémios. Por isso, existem vários filmes que podiam ter ganho.”

Shahab Hosseini foi o melhor ator e Jaclyn Jose a melhor atriz

O prémio de melhor ator foi, também com alguma surpresa, para o iraniano Shahab Hosseini, pelo seu papel em The Salesman, de Asghar Farhadi. O filme conta a história de Emad, um ator que luta contra a sua própria sede de vingança depois de a mulher, Rana, ter sido sido violada em casa. The Salesman foi também galardoado com o prémio de melhor argumento.

Outra surpresa foi a atribuição do prémio de melhor atriz à filipina Jaclyn Jose, pelo filme Ma’Rosa, do também filipino Brillante Mendoza. Jose é conhecida por como Salome, White Slavery e Santa Juana. Já o francês Oliver Assayas levou para casa o prémio de melhor realizador pelo thriller Personal Shooper, com Kristen Stewart. Um filme nada consensual.

O Prémio do Júri foi para American Honey, de Andrea Arnold. É a terceira vez que a realizadora britânica recebe o prémio do júri de Cannes, depois de em 2009 ter sido galardoada por Fish Tank e em 2006 por Red Road. A Câmara de Ouro, atribuída ao melhor primeiro filme, foi para Divines, da realizadora francesa Houda Benyamina. Uma vez em palco, Benyamina fez questão de dizer que as mulheres também têm “direito”. “Cannes pertence-nos.”

A Palma de Honra foi atribuída a Jean-Pierre Léaud, ator francês que ficou conhecido pelo seu papel nos filmes de François Truffaut que retratavam a vida da personagem Antoine Doinel.