“Comer gordura não faz engordar”, conclui o relatório “Eat Fat, Cut The Carbs and Avoid Snacking to Reverse Obesity and Type 2 Diabetes” (“Comer gordura, cortar nos hidratos de carbono e evitar comer entre as refeições para reverter a obesidade e a diabetes tipo 2”, em tradução literal). O documento foi publicado no passado domingo (22 de maio) pelo Fórum Nacional de Obesidade (National Obesity Forum), um grupo que luta contra a obesidade no Reino Unido, em associação com o grupo de médicos Public Health Collaboration. No entanto, a sua publicação não está isenta de polémica e tem estado a causar a indignação da comunidade científica, refere a notícia do The Guardian sobre o relatório.

“O relatório do Fórum Nacional de Obesidade não foi submetido à revisão dos pares (peer review) e além disso, não faz referência a quem o escreveu, nem como foi financiado. Isso é preocupante”, disse Simon Capewell, da Faculdade de Saúde Pública do Reino Unido ao jornal britânico. Este especialista referiu que na instituição “apoiamos inteiramente as orientações da Saúde Pública britânica sobre o que deve ser uma dieta saudável. Estes conselhos refletem a ciência baseada em evidências, na qual todos nós podemos confiar. O guia não foi influenciado pela indústria alimentar”, refere.

“Este relatório está cheio de ideias e opiniões e não oferece uma avaliação robusta e abrangente de evidências, que são necessárias para que a British Heart Foundation (BHF), a maior instituição de caridade de pesquisa do coração do Reino Unido, o leve a sério”, conclui Mike Knapton, diretor médico associado da BHF.

Colocar como título de um relatório deste tipo a expressão “coma gordura” é algo altamente controverso e “pode ter consequências adversas para a saúde pública, considera o Prof. Naveed Sattar, da Universidade de Glasgow.

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A publicação defende que as orientações dietéticas atuais que apelam ao consumo de poucas gorduras e de laticínios magros precisam de ser revistas. Segundo os autores do relatório, o mais recente “Guia para comer bem” (Eatwell Guide) que prescreve a quantidade ideal de nutrientes a consumir, apresentado como uma roda dos alimentos, elaborado pela Saúde Pública de Inglaterra (Public Health England) foi produzido com um grande número de pessoas oriundas da indústria de alimentos e bebidas.

A promoção de dietas baixas em gordura, baseadas no consumo de hidratos de carbono com o objetivo de baixar os níveis de colesterol está a ter “consequências desastrosas” para a população britânica, reforça o relatório.

A publicação recomenda o consumo de alimentos tais como carne, peixe e produtos lácteos, na sua forma mais completa e defende o consumo de alimentos com alto teor de gordura no seu estado natural, como os abacates. Segundo os autores, as gorduras saturadas não causam doenças cardíacas e o leite, queijo e iogurte naturalmente gordos podem mesmo ajudar a proteger o coração.

Seguir uma dieta baixa em hidratos de carbono refinados mas rica em gorduras saudáveis é “uma abordagem eficaz e segura para prevenir o excesso de peso e auxilia na perda de peso” e reduz o risco de doenças cardíacas. E quem sofre de diabetes tipo 2 deve seguir uma dieta rica em gordura (saudável e natural) e evitar basear a sua alimentação em hidratos de carbono (tais como o pão, massas, batatas e arroz, por exemplo), uma indicação contrária à difundida atualmente. O relatório argumenta também que os alimentos processados e rotulados como “baixo teor de gordura”, “light”, “ajuda a baixar ou reduzir o colesterol” devem ser evitados a todo custo.

Outros dos inimigos de estimação do relatório é um velho conhecido de todos os que querem emagrecer: o açúcar. O seu consumo deve ser mínimo e deve estar muito longe das “22 colheres de chá de açúcar”, a quantidade que chega a ser recomendada por algumas diretrizes nutricionais oficiais e que o relatório acusa de estarem a satisfazer os interesses dos grandes grupos fabricantes de alimentos processados — que muitas vezes recorrem ao açúcar como conservante — em detrimento da promoção da saúde dos britânicos.

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“Os alimentos mais naturais e nutritivos que estão disponíveis — como a carne, o peixe, os ovos, laticínios, os frutos secos, as sementes, as azeitonas, o abacate – todos contêm gordura saturada. A demonização destas gorduras naturais, mas omnipresentes, leva a que as pessoas se afastem destes alimentos altamente nutritivos, saudáveis e que promovem a saúde”, pode ler-se no relatório.

“Como médico, que vê e trata pacientes durante todo o dia, todos os dias, depressa percebi que as diretrizes que vêm de cima e que sugerem que as dietas altas em hidratos de carbono e com baixo teor de gordura são uma panaceia universal estão profundamente erradas”, reconhece o Prof. David Haslam, presidente da Fórum Nacional de Obesidade, citado pelo The Guardian.

As orientações dietéticas que promovem alimentos com baixo teor de gordura foram “talvez o maior erro na história da medicina moderna, com consequências devastadoras para a saúde pública”, disse Aseem Malhotra, cardiologista consultor e membro fundador do grupo Public Health Collaboration. “Temos que mudar urgentemente a mensagem ao público para reverter a obesidade e diabetes tipo 2”, acrescentou.

A ideia de que a ingestão de gordura não causa obesidade, não é propriamente nova. Em 2013, surgiu no Hufftington Post um texto precisamente com o título “Comer gordura não o torna gordo” que cita um artigo publicado no American Journal of Clinical Nutrition e um editorial do British Journal of Medicine que argumentam que a relação entre consumo de gordura e doença cardíaca é um mito.

Quando as pessoas comem menos gordura, tendem a comer mais hidratos de carbono e açúcar e esse consumo é que faz aumentar os níveis de colesterol mau e que provoca ataques cardíacos, refere o médico Mark Hyman que também escreveu um livro com o título “Coma gordura, fique magro” e que conclui o artigo a afirmar que “comer gordura não o torna gordo, comer açúcar é que o torna gordo”.

Por sua vez, John Wass, assessor especial sobre a obesidade do Royal College of Physicians, disse que havia “boas evidências de que o consumo de gordura aumenta o colesterol”. “O que é necessário é seguir uma dieta equilibrada, ter atividade física regular e manter um peso saudável. A citação de estudos seletivos corre o risco de induzir o público em erro”, acrescentou ao jornal britânico de The Guardian.

O nutricionista da Public Health Foundation, Alison Tedstone, também já se manifestou conta o relatório dizendo que “recomendar o consumo de mais gordura e cortar no consumo de hidratos de carbono é irresponsável”.